17º CINEBH – GUAPO’Y

17º CINEBH – GUAPO’Y

Em Guapo’y (2023), Sofía Paoli Thorne leva o espectador em uma viagem dolorosa pela memória de Celsa Ramirez Rodas. Celsa é uma sobrevivente, ex-encarcerada, da ditadura de Alfredo Stroessner, uma das mais violentas da América Latina. Sobrevivência esta que custou marcas, nunca esquecidas, em sua lembrança e em seu corpo.

A sensibilidade de Guapo’y (2023)

Mesmo que o filme de Thorne não ofereça uma contextualização histórica ao espectador, não é algo que chega a de fato fazer falta. Isto é, não é necessário realmente entender os pormenores da história política daquele país e da marca que a militarização deixou em sua população para se compadecer com a história de Celsa. 

Afinal, a trajetória da mulher é daquelas tão tristes e poderosas que para se apiedar basta ao espectador uma das condições mais básicas do que é ser humano: compaixão. Ou seja, a diretora aposta na força da narrativa contada para surgir em quem assiste a emoção pela dor de quem é visto.

O poder da natureza

A obra se abre com um plano, belíssimo e poderoso, retratando Celsa realizando curativos em suas feridas (provenientes de seu penoso passado) utilizando plantas, que ela mesma cultiva em sua residência. Em seguida, a mulher explica que, dentro da força da natureza, encontrou a maior fonte de sua cura; uma que nenhum dos remédios industrializados ou importantes médicos conseguiu prover. 

Dessa maneira, Guapo’y (2023) estabelece um importante enfoque — tanto dentro do filme quanto na história da própria Celsa — nas plantas e na força curativa da natureza. Todavia, essa abordagem parece ser deixada de lado ao decorrer do longa. Assim sendo, Sofía começa a dar um prisma maior aos relatos da mulher enquanto esteve presa. Em virtude disso, o filme passa a progredir com base em memórias e acontecimentos pontuais de seu tempo na cadeia.

Respeito à memória

Inegavelmente, tais trechos contam com uma sensibilidade enorme da diretora, que não espetaculariza tais relatos. Pelo contrário, é respeitosa com eles. Em outras palavras, ao invés de optar pelo caminho fácil e fazer uma recriação dos acontecimentos ouvidos, Thorne opta por deixar eles fluírem na imaginação do espectador. 

Por conseguinte, é evitada a transformação da história contada em um verdadeiro show de horrores. Ou seja, reencenar tais cenas, seria não só uma certa forma de glorificação delas, mas também uma reinserção dos afetados nelas. Embora seja possível fazer uma recriação de maneira respeitosa, é mais sensível e cuidadoso com os envolvidos simplesmente não fazer.

Guapo’y (2023), uma história, dois filmes

Certamente, a abordagem na memória de Celsa traz toda uma unidade ao filme diferente daquela com a qual se iniciou. No entanto, não é como se tal enfoque fosse ruim; apenas soa como um outro filme. É quase como se Guapo’y (2023) abraçasse duas diferentes obras em si. E, por fim, não tem uma evidente conexão direta entre elas. 

Por certo há uma conexão implícita entre as “duas obras”. Afinal, Celsa adquiriu aqueles ferimentos no seu tempo de encarceramento. Todavia, assistir à Guapo’y (2023) deixa a impressão de que falta um pedaço da história daquela mulher, desde sua soltura até o momento do filme. Isto é, ao ficar dividido entre recuperar histórias de uma dolorosa lembrança, e evidenciar o contato com a natureza de forma curativa e poderosa, parece que o segundo ponto fica superficial. 

A relação de Celsa com suas plantas é rápida, rasa, não chega a ser elaborada de fato. Sem dúvida, a falta de profundidade nessa abordagem fica ainda mais evidente quando a obra escolhe se iniciar (e se encerrar) com esse enfoque. Com efeito, é quase como se o início e o fim da obra pertencessem a um filme, e o meio a outro.

A dualidade das abordagens de Guapo’y (2023)

O final do filme, inclusive, adquire um caráter formal até meio bizarro. Celsa é retratada em sua floresta, interagindo com a fauna do seu quintal. Contudo, o trabalho de fotografia e de trilha sonora nestes planos finais faz com que tudo pareça um filme de terror. Embora até tenha certo sentido, demonstrando uma tentativa de evidenciar o peso e a escuridão daquela história toda. Mas no fim, fica parecendo que Celsa e suas plantas são uma consequência negativa de tudo o que aconteceu. Aliás, fica inclusive desrespeitoso. A saber parece que a sofrida mulher é uma bruxa preparando um ritual maligno no meio da floresta em uma obra de horror. 

Guapo’y (2023) poderia ser um grande filme. Tem potencial, tem uma história poderosa. Mas acaba não sabendo no que quer focar. De tal forma que, perdido entre as abordagens, chega a não saber nem a melhor maneira de contar parte delas. Mesmo que tenha seus momentos (toda a parte do recorte da memória é muito intenso), não consegue estabelecer uma unidade entre eles. No fim, talvez um corte um pouco mais longo, no lugar de seus singelos 71 minutos, pudesse fazer bem. 


Pôster do filme "Guapo'y", de Sofía Paoli Thorne. Filme: Guapo’y
Elenco: Celsa Ramirez Rodas, Maria Lina Rodas, Derlis Villagra
Direção: Sofía Paoli Thorne
Roteiro: Sofía Paoli Thorne
Produção: Argentina, Paraguai, Qatar
Ano: 2022
Gênero: Documentário
Sinopse: Celsa Ramirez Rodas compartilhas suas dolorosas e sofridas marcas e lembranças de seu tempo durante a ditadura de Alfredo Stroessner
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Freak Agency
Streaming: Não disponível
Nota: 4,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *