Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) apresenta ao espectador a história de Mel Rosário. Mulher trans que, após anos frequentando a mesma igreja, é expulsa de lá a força pelo pastor. A agressão física não é suficiente para o mesmo, e ele proíbe Mel de entrar no local novamente. Barrada de exercer sua fé e seu direito garantido pela constituição, Mel não se acanha. Toda noite a mulher faz o seu protesto em frente ao culto esperando ser ouvida. E graças ao filme, agora a ouvimos.
A força contida em Mel Rosário
Se tem uma coisa que Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) emana é força. Sem dúvida, Mel Rosário é uma mulher de muita força. E, certamente, o documentário faz muita jus a isso. Tive o privilégio de passar uma tarde com ela, durante o 17º CineBH, e conversamos muito. Assuntos que não cabem aqui, por não serem pertinentes ao filme, mas que muito corroboram para mostrar a Mel como essa figura que ela é; um ser humano que brilha, brilha muito.
Assim, Tati Franklin e Suellen Vasconcelos fazem um ótimo trabalho para ilustrar toda essa gana de Mel, sobretudo em ser reconhecida. Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) é uma obra que possui um contexto muito religioso e político. Em virtude da obra se passar em um recorte temporal de um Brasil 2015 para frente, só essa posição no tempo já é o suficiente para o espectador entender o cenário de extrema-direita que tudo aquilo se desenrola. São tempos sombrios, de fato.
Além disso, Mel é uma pessoa de muita fé. A própria premissa da obra e do protesto já deixa isso claro. Todavia, é algo que a mulher faz questão de exaltar. Dessa forma, Mel faz de sua fé uma arma e um escudo. Equipada até os dentes com ela, a protagonista exibe ao mundo (e surpreendente até a seus agressores) um amor e um credo enorme. Um amor que a aproxima muito mais de Cristo do que aqueles falsos profetas que a atacam estão.
A passividade necessária de Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023)
Entretanto, Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) nunca aplica julgamento sobre esses valores, nem formalmente nem em seu conteúdo. Dessa maneira, acaba sendo uma obra que dialoga muito através de suas imagens. Em outras palavras, parte (uma bem importante) da vida daquela mulher protagonista está desenrolando na frente das câmeras. E, assim sendo, só a vida dela já é capaz de dizer muita coisa. Desse modo, Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) é muito competente em entender a sua posição de não julgar ou comentar, mas sim retratar. A própria vida faz o comentário.
Dessa forma, o trabalho das diretoras acaba assumindo uma posição até mesmo de espectador. Contudo, ao dar um olhar para essa história, acaba-se abraçando um caráter ativo, que interfere em um mundo exterior ao filme. Uma vez que a existência de câmeras dentro do ambiente do filme poderia impactar os acontecimentos, poderia-se esperar uma postura diferente dos agressores frente a elas. Ou seja, é imaginado que, por estarem sendo filmados, talvez a igreja pudesse agir de outra maneira com Mel para passar outra impressão. Entretanto, isso não acontece. O ódio e o preconceito são maiores do que o medo de serem vistos. Contudo, o impacto daquelas câmeras acaba sendo gigantesco fora do filme.
A luta continua
Isto é, simplesmente por apresentar aquela história, as diretoras acabam fornecendo uma imagem de inspiração e lutas para LGBT’s ao redor do mundo. Nesse sentido, o impacto de Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) é gigantesco. A obra inegavelmente é enraivecedora. É impossível para o espectador (que não compactua com aquele preconceito) vislumbrar todo o ódio destilado em tela e não se atingir por aquilo.
Entretanto, também deixa uma mensagem clara de esperança. Existem pessoas lutando, e existem pessoas vendo essa luta. Toda Noite Estarei Lá (Franklin e Vasconcelos, 2023) é um atestado disso; um atestado de que, não importa o quão pequeno você ache que sua voz esteja sendo, tem alguém ouvindo. E para esse alguém, sua voz pode fazer toda a diferença do mundo.
Mel Rosário não deseja apenas entrar na igreja. É muito mais do que isso. Poder frequentar uma igreja é um direito humano básico, assegurado pela constituição. Assim sendo, a luta de Mel não é só por ir a um lugar, mas por ter seu direito assegurado. Em outras palavras, é um protesto para ser vista como humana.
Por consequência, o final da obra tem um quê bem amargo. Afinal, até hoje, 2023, Mel não conseguiu ter esse direito assegurado. Infelizmente, esse é o Brasil em que vivemos. Contudo, o gosto que fica ao acabar não é o do amargor, mas o de um doce vislumbre de esperança por um mundo melhor. Um sentimento de que a luta existe, ela continua, e está em boas mãos.
Filme: Toda Noite Estarei Lá Elenco: Mel Rosário Direção: Suellen Vasconcelos e Tati Franklin Roteiro: Suellen Vasconcelos e Tati Franklin Produção: Brasil Ano: 2023 Gênero: Documentário Sinopse: Mel Rosário, uma mulher trans, é expulsa da igreja que frequentava e proibida de retornar. Ao ter seus direitos constitucionais barrados, toda noite a mulher vai ao local onde ocorre o culto e luta por justiça. Classificação: Livre Distribuidor: Graúna Digital Streaming: Indisponível Nota: 10,0 |