MESTRA JUDIATENGA, de Daniel Edmundson e Tuca Siqueira
O curta-metragem “Mestra Judiatenga” inicia com uma perspectiva subjetiva, imergindo o espectador na jornada de busca de um destino desconhecido a bordo de um carro. Uma voz ao telefone assume o papel de guia, conduzindo-nos até o sítio da renomada Judite, carinhosamente chamada de Mestra Judiatenga.
Com apenas cinco minutos de duração, o filme nos oferece um breve olhar nas raízes complexas do coco da mazuca. É digno de nota como obras curtas como essa podem revelar histórias que, de outra forma, ficariam esquecidas.
Os diretores Daniel Edmundson e Tuca Siqueira optam por uma abordagem cinematográfica que intercala entrevistas com cenas de dança, buscando criar um estilo ao deixar a câmera imóvel diante dos personagens ou de suas famílias, enquanto suas vozes são transmitidas em narração em off. Essa escolha estilística pode servir para criar uma atmosfera intimista, ainda que não seja nada peculiar.
Entretanto, é inegável que a limitação temporal de apenas cinco minutos acaba por restringir severamente a profundidade com que podemos conhecer a personagem e suas ricas histórias. O coco da mazuca é um universo fascinante e complexo, repleto de tradições e significados, e, infelizmente, o curta-metragem não proporciona o espaço necessário para uma exploração mais aprofundada.
Por Hugo França
QUEBRA PANELA, de Rafael Anaroli
Como o próprio nome sugere, “Quebra-Panela” é uma obra que se posiciona contra os grupos em Pernambuco que falam sobre diversidade, mas têm equipes formadas por pessoas do mesmo círculo restrito. Além disso, o filme de Rafael Anaroli serve como um alerta para aqueles que vêm para o nordeste fazer suas produções e negligenciam a rica diversidade do ambiente, tratando-o de forma superficial, diferente das experiências autênticas da região. Nos primeiros segundos, somos confrontados apenas com o som de crianças brincando, mas logo em seguida há um corte brusco, revelando que tudo não passava de ficção. No entanto, fica a questão se aqueles gritos eram realmente fictícios ou uma mensagem dos sertanejos que não suportam mais a apropriação de suas culturas por estranhos.
O grupo central de personagens é integrado de forma orgânica, com um elenco de peso que entrega muito mais do que Irandhir Santos em algumas obras, para destacar algumas das características regionais da localidade onde estão filmando um filme com a participação ativa da população local. Ao incluir o povo no filme, eles controlam seus movimentos, silêncios e atividades na vida cotidiana, com ordens para manter o silêncio até que a cena seja concluída. Em contraste com os outros personagens, que continuam com suas rotinas enquanto participam da produção, nossa protagonista, uma senhora idosa, simplesmente deseja evitar ser registrada por aquele dispositivo de filmagem, e, por isso, passa a maior parte do tempo dentro de casa, observando discretamente através de fechaduras.
À medida que os minutos passam, a protagonista permanece em casa, mas seus amigos, colegas e até mesmo sua neta adentram aquele contexto para atuar no cinema, assumindo papéis secundários como figurantes para os forasteiros, incluindo o egocêntrico diretor. Em uma cena, a protagonista e um dos personagens interpretados por Valmir do Côco protagonizam uma situação em que o personagem remove uma parte de sua unha encravada. Novamente, os gritos ecoam pelo ambiente, e a palavra “corta” é repetida várias vezes durante esses clamores. O duplo sentido, ou a própria mise-en-scène, sugere nas entrelinhas que a população local não pode simplesmente ser ela mesma, mas deve adotar atuações romantizadas, como as que são exibidas em seus filmes.
Apesar de sua persistência e senso de humor, a protagonista gradualmente se deixa influenciar pelo ambiente, tornando-se mais uma peça no jogo conduzido pelo diretor. No entanto, em vez de seguir um enredo previsível, ocorre um corte abrupto, e a protagonista se encontra de repente com uma câmera apontada para seu rosto, vestida como uma femme fatale do cinema Noir. Os cortes são bruscos e a palavra “take” é repetida inúmeras vezes, mas o momento mais impactante ocorre quando ela declara: “Isso é um manifesto”. O filme não apenas critica as produções que exploram a cultura do povo sertanejo, mas também desafia as convenções do próprio Cine PE, que muitas vezes se baseiam em grupos fechados.
Por Wandryu Figuerêdo
PROCURO TEU AUXÍLIO PARA ENTERRAR UM HOMEM, de Anderson Bardot
“Procuro Teu Auxílio para Enterrar um Homem” é uma jornada cinematográfica marcada por uma estética bergmaniana inegável. Nas mãos do cineasta Anderson Bardot, testemunhamos uma notável maturidade na condução deste curta experimental que se desenrola no século XIX, retratando o Brasil Imperial sob uma lente surrealista.
A técnica empregada é, sem dúvida, impecável. Bardot domina habilmente as angulações da câmera e os enquadramentos para criar um ambiente que ressoa com hostilidade. Hostilidade essa vivda por Gita, uma mulher trans que precisa enfrentar as dificuldades de sua tradição opressoras ou morrer. A utilização de um dolly zoom em um momento crucial do filme revela o colapso mental de um dos personagens de forma brilhante. A montagem, com seu ritmo preciso, contribui para a construção dessa atmosfera que gradualmente envolve o espectador.
No entanto, é preciso reconhecer que o filme se arrisca ao abraçar uma quantidade excessiva de abstração. O acúmulo de temas densos e tensos pode afastar o espectador, que pode se sentir sobrecarregado pela intensidade da narrativa. A busca por significados em meio a essa densidade pode exigir um esforço considerável por parte do público. Mesmo assim, antes o risco do que a covardia, e nisso Bardot merece aplauso.
O uso da fotografia em preto e branco é uma outra escolha estilística intrigante que, no desfecho, revela uma virada inesperada ao ganhar cores.”Procuro Teu Auxílio para Enterrar um Homem” é, sem dúvida, uma obra que demonstra um potencial tremendo por parte de seu cineasta. Inspirado claramente por “O Sétimo Selo”, o filme oferece uma experiência sensorial valiosa. No entanto, é importante ressaltar que a densidade narrativa pode alienar parte do público. Mas vale sua apreciação.
Por Hugo França
INSTANTE, de Paola Veiga
Ao explorar o catálogo digital do Cine PE, deparei-me com “Instante”, dirigido por Paola Veiga, e uma equipe composta por mulheres, que tem uma sinopse simples: “Tem coisas nessa vida que a gente faz porque precisa”. Através dessa introdução, somos conduzidos a esse conteúdo em uma página digital. No entanto, quando assisti ao filme na tela do cinema do Cine PE em dias anteriores, percebi que a sinopse, embora concisa, continha uma riqueza de informações sobre a obra. “Instante” aborda as decisões que precisamos tomar para moldar nosso futuro e alcançar uma vida livre das amarras impostas ao corpo, essencialmente feminino. A protagonista solitária entra em um bar com poucas expressões em seu rosto, mas ao observar a atendente do bar, que está grávida, fumando e rindo, ela enxerga a beleza desse momento por capturar de forma realista as nuances do corpo feminino.
A fotografia em “Instante” é predominantemente em preto e branco, o que cria um cenário melancólico que reflete a jornada solitária de nossa protagonista dentro do bar vazio. Neste universo, as mulheres se encontram sem a presença masculina, embora estejam ‘’liderando’’ algumas das ações, como uma gravidez. Além disso, as três personagens exibem olhares de solidão, complementando a perspectiva da protagonista enquanto ela atravessa sua jornada com sua câmera. Os diálogos não seguem um caminho explícito, permitindo interpretações variadas para entender as razões por trás das decisões da protagonista em relação ao aborto. Em vez disso, os diálogos adicionam novas camadas de significado, mergulhando nas angústias da personagem.
O filme apresenta dois cenários distintos: o bar, onde a protagonista não revela muitas emoções, exceto quando captura imagens da atendente fumando; e seu quarto, um espaço íntimo onde ela enfrenta suas próprias imagens e o peso de sua decisão. “Instante” desafia a ideia equivocada, frequentemente mantida por homens ignorantes, de que as mulheres optam pelo aborto apenas por não desejarem a criança. Através de imagens, o filme explora a complexidade dos sentimentos que surgem ao receber uma notícia considerada boa pela sociedade. Em um close-up com a câmera direcionada ao seu rosto dentro de uma banheira, a protagonista luta por ar minutos antes de tomar a decisão que pode até mesmo colocar sua vida em risco.
Uma característica notável do filme é a falta de diálogo ou interação da personagem principal com as outras duas, a atendente e a mulher que fornece o medicamento, Paola, diretora da obra, está mais preocupada em dialogar com as imagens dentro da temática, o que gera novas trilhas subjetivas e torna o material belo. Portanto, não recebemos muitas informações sobre suas motivações ou intenções. No entanto, no desfecho do filme, quando a protagonista pega sua câmera e pede uma fotografia à outra personagem, ela revela que jamais esquecerá esse período. Assim como uma fotografia, esse momento será eternizado em sua memória. Mesmo que as fotografias físicas possam se deteriorar ao longo do tempo, os vestígios dos sentimentos tumultuados persistirão de forma indelével.
Por Wandryu Figuerêdo
CADIM, de Luiza Pugliesi Villaça
Ao longo de seus breves 6 minutos, “Cadim” é capaz de cativar o espectador de maneira encantadora. Com um desenho gráfico maravilhoso, a animação em 2D narra a história de um homem vagando pelo sertão com um pássaro em uma gaiola. No entanto, após ouvir tiros, o homem corre sem perceber que seu pássaro já não está mais aprisionado.
A simplicidade gráfica do filme é, na verdade, sua maior virtude. O personagem principal é representado por traços pretos, enquanto o cenário de fundo exibe uma estética que evoca a ideia de papel amassado que evoca uma sensação de algo reciclado, como se estivéssemos testemunhando um processo de renovação constante. É como se o filme nos lembrasse da importância de nos reinventarmos e nos reencontrarmos a cada dia. Assim como o personagem principal do curta que, de repente, se vê desafiado a soltar seu pássaro e, por consequência, libertar a si mesmo, essa estética amassada nos faz questionar se também não precisamos liberar algumas amarras em nossas vidas para encontrar uma nova e revigorante perspectiva.
Surpreendentemente, essa simplicidade revela uma beleza extraordinária, e é nessa aparente despretensão que o filme encontra sua força. O espectador se conecta instantaneamente com o personagem, o que demonstra que um curta-metragem não precisa ser longo para ser impactante. “Cadim” é uma obra criada sob medida para o formato de curta-metragem. Ao contrário de outros projetos que tentam adaptar conceitos que seriam mais apropriados para médias ou longas-metragens, este curta aproveita ao máximo seus seis minutos, entregando uma narrativa poderosa e coesa. A simplicidade do filme é, na verdade, sua maior complexidade, e é isso que faz com que ele ressoe tão profundamente com o público.
Por Hugo França