28° CINE PE – DESCARREGO

28° CINE PE – DESCARREGO

De costas para armário, mas de frente ao protagonismo. Descarrego

 

Na paisagem das imagens contemporâneas, os rostos são filmados para direcionar nosso olhar e nos conectar com a história contida na imagem. A câmera, distante de uma inocência, escolhe, em sua maioria, enquadrar frontalmente, como as pessoas que se sentam em frente à tela do cinema esperam ver a narrativa: um rosto objetivo, com camadas nítidas que fortalecem nossa empatia com o objeto artístico. No caso de “Descarrego“, obra de Joana Claude, toda a narrativa é filmada em um plano sequência. No entanto, em vez de focar na frontalidade do rosto da personagem, a câmera enquadra um armário, tornando-o o elemento movedor do filme. 

As luzes estão apagadas e a personagem começa a dialogar por meio de um voice-over, enquanto outra personagem aparece na tela tirando coisas de um guarda-roupa. Se inicialmente esperamos uma troca de plano por meio da montagem, a câmera permanece fixa, permitindo que a personagem entre e saia do quadro, como se seus movimentos não fossem importantes, mas sim suas ações diante do armário. Pela composição dos objetos em cena, os elementos se integram para formar uma textura uniforme, fazendo com que a personagem pareça uma intrusa, enquanto o retrato cinematográfico se torna a verdadeira essência protagonista da obra. 

A caracterização da personagem é marcada por um branco que, ao ser refletido pela iluminação, transforma-se em um amarelo-amarronzado, mesclando-se ao ambiente. Seu tom de cor é semelhante às paredes, que oscilam entre diferentes tonalidades e mostram os primeiros sinais de ruína trazidos pelo tempo. Os movimentos da personagem tornam-se mais bruscos, enquanto o texto ao fundo sugere a possibilidade de destruir as memórias que a aprisionam. Ela não precisa de martelo ou objeto pesado; com as próprias mãos, destrói completamente o armário, espalhando os pedaços de madeira pelo chão. Neste momento, percebemos que seus gestos refletem mais angústia do que alívio pela destruição.

De repente, destruir o armário não é suficiente; para enfrentar seu medo interno, ela sente a necessidade de queimá-lo, mesmo sabendo que isso não eliminará completamente os fragmentos de memória. Durante boa parte do filme, ela se move descalça, observando o fogo enquanto está sentada ao lado dele, próxima às memórias que ainda a acompanham. De lado ou de costas, não conseguimos ver sua expressão facial, nem discernir se ela sente algum alívio ao destruir aquele peso. Somos guiados apenas pelo texto ao fundo, que afirma que algumas memórias não permanecerão mais ali.


Filme: Descarrego
DireçãoJoana Claude
Roteiro: Joana Claude
Produção: Joana Claude, Maria Alencar
Direção de Fotografia: Letícia Batista
Montagem: João Maria
Edição de Som:  Nicolau Domingues
Direção de Arte: Joana Claude
Figurino: Fátima Magalhães, Josenaide Migeon
Sinopse: Na busca pelo expurgo de uma memória ruim, Joana decide retornar ao espaço onde sofreu uma violência em 2013 para libertar-se do último gatilho que a prende ao fato passado – um guarda-roupas. Neste autorretrato, a diretora se apropria do caráter ensaísta do documentário como processo para lidar com os fantasmas interiores. Através de um ritual estabelecido a partir da rememoração dos fatos, ela confronta as próprias expectativas diante das cobranças suportadas como mulher.
Produção: Brasil/Pernambuco
Classificação: Livre
Nota: S/nota

 

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