Às vezes a vida real escreve os melhores roteiros. Alguns tão malucos e interessantes que mais parecem um filme. Em 2021, um grupo de pequenos investidores travou uma batalha contra os gigantes de Wall Street e fez com que as ações da falida GameStop aumentassem mais de 700%. Dinheiro Fácil – filme baseado no livro Antisocial Network e exibido na coletiva de imprensa da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – narra, através de um elenco de peso encabeçado pelo sempre carismático Paul Dano, o que foi um verdadeiro Davi contra Golias do mercado financeiro.
Pode parecer redundante começar essa crítica reiterando que os interesses do grande capital e do tal mercado caminham em direção oposta aos interesses do povo, mas retomo essa lógica justamente porque esta serve de motor para a trama e ajuda a entender o que levou essas pessoas a aderirem esse movimento que se tornou, no final das contas, extremamente político e representativo.
Para isso, precisamos voltar um pouco atrás e entender alguns conceitos e motivações. Em 2008, em meio a crise hipotecária dos Estados Unidos, além de mais de 2 milhões de pessoas terem perdido suas casas, quase 200 mil empresas faliram. Contudo, em meio a todo esse caos, um pequeno grupo lucrou milhões de dólares justamente com essa crise, ao “apostarem” que determinada empresa iria ter uma queda em suas ações (quando grandes fundos fazem isso, automaticamente as ações dessa empresa desvalorizavam – quase profético). Em resumo, o lucro de alguns vem diretamente da falência de outros. Ou seja, não é de se espantar que esse tipo de “investimento” desperte a fúria de pessoas comuns, principalmente em tempos de crise.
Após a crise estigmatizar – e mostrar a verdadeira face – de Wall Street, um grupo de pequenos investidores num fórum no Reddit, o r/wallstreetbets, famoso por apostas fracassadas, decidiu apostar, desta vez, contra a Melvin Capital e comprar ações da GameStop, uma loja de jogos físico nos últimos respiros de se tornar uma Blockbuster da vida. O que ninguém esperava é que isso se tornaria o primeiro passo de um evento com reviravoltas inimagináveis que fez grandes investidores perderem bilhões e bilhões de dólares.
As redes sociais se tornaram papel fundamental para essa “revolução” já que muito provavelmente não teria acontecido se não fosse o TikTok e outros meios para disseminar essas informações. Nesse cenário, acompanhamos Keith Gill (Dano), um analista financeiro, youtuber nas horas vagas e o principal nome na popularização dessa “causa”.
Desta forma, Dinheiro Fácil vai na contramão de algumas obras mais recentes que buscam apenas demonizar as redes e adotam um olhar mais otimista para a relação do ser humano com o ambiente digital. O próprio filme utiliza os recursos visuais de telas para ajudar no desenvolvimento da história e de seus personagens. Contudo, é válido ressaltar que por vezes eles saem um pouco dessa visão de que tudo são flores e esboçam um discurso acerca da toxicidade desses fóruns digitais com o intuito de trazer uma certa nuance, mas que no final funciona apenas como recurso cômico.
Por sinal, a comédia é uma grande aliada de Craig Gillespie (Cruella) para dar tom ao filme. Dinheiro Fácil adota uma visão tragicômica de toda a história e evita cair em armadilhas melodramáticas em torno dos dramas dos personagens em posições menos privilegiadas – como a enfermeira idealista (America Ferrera, de Barbie), o irmão de Keith (Pete Davidson), a esposa de Keith (Shailene Woodley), o funcionário da GameStop (Anthony Ramos) e as universitárias Riri (Myha’la Herrold) e Harmony (Talia Ryder). Isso também ajuda a construir uma visão caricata e maniqueísta dos bilionários vividos por Nick Offerman, Seth Rogen e Sebastian Stan sem cair na forçação de barra. Os personagens, em geral, também não são isentos de desenvolvimento ou moral; os dois lados têm muita coisa em jogo e enfrentam, sim, dilemas, cada um da sua forma.
Se o roteiro de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo faz um ótimo trabalho de ambientação de contexto, ele também deixa a desejar na hora de iniciar discussões em torno dos acontecimentos. Dinheiro Fácil funciona praticamente com uma sucessão de fatos e traz quase nada de novo se você foi uma das pessoas que acompanhou o caso em tempo real ou assistiu aos documentários em torno do dele. Talvez o momento de maior reflexão e, aí sim, agrega bastante na narrativa é quando expõe a hipocrisia por trás do mercado no clímax. Ao mostrar que aquele ambiente, que deveria ser democrático e uma alavanca social, está sempre a serviço daqueles que detém o capital. Daqueles que mandam no dinheiro, que se recusam em perder – mas movem mundos e fundos, apostando até em falências de pequenas e médias empresas para faturarem ainda mais.
Ainda que menos reflexivo do que poderia ser, Dinheiro Fácil é muito feliz em trazer à tona novamente essa história através da ficção. Poder rir de um grupo de bilionários perdendo montes e montes de dinheiro certamente era tudo que eu precisava para um final de semana. Me fez viver, por alguns momentos, um momento relativamente histórico em que as leis do capitalismo foram ditas em favor dos menos privilegiados e explorados pelo sistema. Dinheiro Fácil e toda a história real do caso responde a pergunta de Lex Luthor: sim, deuses também sangram – e às vezes basta a união do povo.
Filme: Dumb Money (Dinheiro Fácil) *Filme assistido na cabine de imprensa da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo* |