Robot Dreams se passa numa Manhattan prosopopéica dos anos 80, onde Dog se sente cansado de ficar sozinho e decide comprar um robô para ser o seu mais novo amigo. Entre caminhadas no parque, noitadas de videogame, assistidas de O Mágico de Oz e muita música, a amizade dos dois se engrandece e eles começam a se sentir completos. Dog não está mais só na imensidão de Nova York e Robot começa a desfrutar os pequenos prazeres da vida junto de seu inseparável melhor amigo, além de cumprir com o seu objetivo de fábrica.
Contudo, tudo desanda num belo dia na praia, que parecia ser apenas mais um das aventuras da dupla, em que Robot dá defeito e fica imóvel. No dia seguinte Dog leva uma caixa de ferramentas para tentar salvar a vida do andróide, mas se depara com o local fechado até a próxima temporada (1° de junho do ano seguinte). Eis que se inicia uma contagem regressiva para o reencontro. Porém, nesse meio tempo, o cachorro precisa preencher o buraco deixado com novos hobbies e criar novas relações. Enquanto isso, Robot segue “sepultado” na areia, onde se encontra com outros personagens – uns dóceis e amorosos, outros odiosos. Em meio ao vazio existencial, o robô começa a “alucinar” e a sonhar com a volta para a casa. Imaginando diversos cenários, até mesmo fazendo alusão a Estrada de Tijolos Amarelos e uma sequência de música. Cenários estes sempre embalados por ‘September’, de Earth, Wind & Fire, que se torna música tema de Robot Dreams, cujo significado se transmuta junto da amizade.
O diretor Pablo Berger consegue guiar muito bem essas duas tramas a nível de igualdade, apesar de que os melhores momentos se dão em maior medida quando estão focadas na solidão e melancolia de Robot do que nas experimentações de Dog, aqui a audiência pode até perder a empatia para com este personagem por ele seguir com a sua vida tão rapidamente enquanto o outro segue sonhando com encontro.
Outro mérito de Berger foram as suas escolhas criativas. Baseado numa HQ homônima de Sara Vanon, o diretor incorpora o silêncio e a ausência de diálogos no filme, focando nas interações, ações e expressões dos personagens que dizem muito sem falar uma palavra. Ele faz referência ao cinema mudo quando explora a musicalidade e os efeitos sonoros que dão vida a cidade de Nova York e criam uma sensação de constante movimento. Contar a história através das estações do ano e feriados festivos nos situam da passagem do tempo, além de funcionar com certo indicativo das mudanças proporcionadas pelas circunstâncias da vida e a agridoce situação de seguir em frente.
Em contraponto ao material base, Robot Dreams segue um estilo de desenho razoavelmente diferente e aposta numa maior antropomorfização dos animais, ao mesmo tempo que a animação também vai na contramão do que estamos acostumados de Hollywood, da animação mais clássica da Disney a estilização de Aranhaverso, e se aproxima de uma linguagem mais televisiva, muito parecida com os desenhos do Cartoon Network; com o diferencial de assumir um lado muito mais contemplativo e reflexivo do que as histórias infantis contadas no canal. Por sinal, pelo fato do roteiro assumir uma narrativa um tanto episódica, faria todo sentido que Robot Dreams seguisse um formato de minissérie. Talvez assim teria sido possível explorar alguns temas como “o propósito da vida”, que apenas ficam no ar e levantados momentaneamente na rápida cena em que Robot encara um outro andróide infeliz num carro. Ela é sim retomada de forma indireta no ato final, mas não chega a exercer a importância que poderia.
Muito mais do que uma carta de amor às amizades, Robot Dreams é sobre ciclos; sobre mudanças; sobre entender que nada na vida nada é para sempre. Pode até ser uma mensagem aparentemente agridoce, mas é corajoso e, acima de tudo, real. Em um ano como 2023 marcado por excelentes animações como o brilhante Através do Aranhaverso, a volta da lenda Hayao Miyazaki com O Menino e a Garça, Super Mario Bros. sendo a segunda maior bilheteria do ano e entre outros destaques. Robot Dreams, ainda sim, consegue se destacar não só pela sua qualidade, mas pela sua autenticidade e originalidade em tratar assuntos tão cotidianos.
Ao fim, mudaram estações e tudo mudou
Filme: Robot Dreams *Filme assistido na cabine de imprensa da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo* |