47ª MOSTRA SP – TIGER STRIPES

47ª MOSTRA SP – TIGER STRIPES

O body horror sempre foi um recurso excelente para tratar comentários sociais nas entrelinhas. A extensa e magnífica filmografia de David Cronenberg não me deixa mentir. Mas a verdade é que, de uns tempos para cá, este subgênero começou a ter cada vez menos exemplares e pessoas na cadeira de direção interessadas em utilizar essas referências em seus filmes muito pelo caráter de nicho que estas obras assumem. No entanto, vira e mexe aparece um cineasta que rompe com essas fronteiras, como foi o caso de Julia Ducournau com Titane, que venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2021. É natural que, quando uma linguagem é celebrada e agraciada com um prêmio tão importante, outras diretoras sigam o exemplo na tentativa de trilhar os mesmos passos. Muito provavelmente foi neste contexto que surgiu Tiger Stripes, da estreante Amanda Nell Eu, que também teve sua estreia em Cannes deste ano (2023).

Ambientado numa pequena comunidade com fortes valores religiosos e conservadores na Malásia, acompanhamos Zaffran (Zafreen Zairizal), uma garota rebelde sem muito apreço pelas condutas rígidas de sua família e em como os outros vão enxergá-la. Ela é constantemente chamada de “piranha” pelas suas amigas, por andar sem hijab, gravar danças no TikTok, usar sutiã e possuir um espírito livre das amarras sociais. Zaffran sempre foi diferente das demais, mas isso começou a se acentuar assim que a garota menstruou pela primeira vez. A partir daí o seu corpo começou a mudar: surgindo bolhas e fissuras na pele, unhas e cabelo começaram a cair, seu humor mudou completamente e agora ela começou a caçar para se alimentar.

É interessante como neste primeiro momento a diretora traça paralelos em como a menstruação ainda é um tabu em algumas sociedades. Assim, vemos a transformação de Zaffran a partir de um ponto de vista conservador, que a torna cada vez mais “animalesca” e menos humana seguindo a lógica da comunidade. Amanda Nell Eu propõe um horror corporal interessante e o constrói no primeiro ato com a paciência necessária para discutir e abranger uma variedade de temas tão caros à juventude. É uma pena que o longa não consiga manter o nível nos atos seguintes.

Tiger Stripes estabelece logo nos primeiros minutos um tom mais descontraído, o que combina com o absurdismo da trama e acerta em cheio na leitura das estruturas sociais a partir da comédia de costumes. Porém, na virada para o clímax o longa começa a ser filmado com uma seriedade que não condiz com a narrativa de uma menina se transformando em tigre e começa a se tornar óbvio e até mesmo sem graça dentro da já batida (mas muito necessária) temática de libertação feminina. 

Digo batida porque existem uma infinidade de filmes que já discutiram o tema das mais variadas formas (do terror a comédia adolescente) e Tiger Stripes decepciona por que tinha em mãos a oportunidade de trazer algo mais para o debate do tema, já que são poucos os filmes que trabalham o horror corporal com uma criança protagonista. Não gosto muito de comparar, mas é inegável que a ideia do longa malaio está mais para Garota Infernal do que para Titane. E, com as decisões estéticas acertadas, poderia encontrar um meio termo instigante entre as duas abordagens.

Isso diz muito sobre a inexperiência da diretora em conduzir o seu filme e mostra uma profissional ainda se encontrando entre referências. No entanto, precisamos falar do seu talento em trabalhar com terror. Está claro a sua familiaridade para com o gênero e cenas como a do tigre andando livremente pela rua da comunidade sem ser oprimido pelos moradores, sintetizam a vontade Zaffran: não de colocar medo, mas de ser livre; e as sequências que Nell Eu encontra para tecer esse paralelo e fechar Tiger Stripes de forma cíclica ao menos são coerentes com tudo o que foi construído.


Tiger Stripes - Poster

Filme: Tiger Stripes
Elenco: Zafreen Zairizal, Deena Ezral, Piqa, Shaheisy Sam, Jun Lojong, Khairunazwan Rodz e Fatimah Abu Bakar
Direção: Amanda Nell Eu
Roteiro: Amanda Nell Eu
Produção: Malásia
Ano: 2023
Gênero: Terror
Sinopse: Zaffan descobre um segredo assustador sobre o próprio corpo quando, aos 12 anos, é a primeira entre as amigas a atingir a puberdade. Discriminada pela comunidade onde vive, ela aprende a revidar e entende que para ser uma mulher livre, forte e orgulhosa de si, terá que aceitar o corpo que antes temia.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Fênix Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

*Filme assistido na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo*

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