VANILLA SKY

VANILLA SKY

Reassistir Vanilla Sky foi um exercício que me gerou bastante expectativa, principalmente pelo fato de que, quando vi pela primeira vez fiquei impactado a ponto de colocá-lo nas famosas listas de filmes favoritos. Isso já deve fazer uns quinze anos. Daí, debutando a minha memória, encarei o desafio de revisita-lo, torcendo muito para que ele tivesse envelhecido bem e, eu também mais velho, pudesse ter outras experiencias tão positivas quanto. Não me decepcionei.

Aqui o filme se mostra até mais simples do que eu me lembrava, o que de maneira nenhuma é ruim. Ele tem os três atos muito bem divididos, os arcos dos personagens muito bem delineados e, para a careta de alguns, extremamente didático. Todas as cenas e diálogos convergem para o objetivo central da trama de forma bem explicadinha, quase como um manual. Como se os roteiristas pegassem na sua mão e te guiassem com medo de que, por algum motivo, você se perdesse. Postura covarde, com certeza, mas não atrapalha em nada as reflexões a que ele se propõe e que, na verdade, são o vértice do filme.

O primeiro ato se concentra em apresentar os personagens, com o foco central em David Aames (Tom Cruise) e todas as suas idiossincrasias. É o playboy nato, bonito, herdeiro que nunca precisou trabalhar de fato e que é o responsável por “administrar” o império do pai. Absolutamente tudo gira em volta de seu umbigo, criando não apenas um conforto monetário, mas também estético e emocional. Como consequência direta, David não se sente e não atua de maneira responsável com quase nada em sua vida, gerando nas pessoas em sua volta o sentimento oposto daquilo que vive: Uma certa dependência afetiva, e até curiosidade sobre como opera o bon-vivant. Ele, alimentado por seu narcisismo inocente e de certa maneira cruel, é alheio a tudo isso, o que aos poucos vai construindo a sua própria desgraça.

Talvez, a pessoa mais afetada pelo comportamento irresponsável de David seja Julianna Gianni (Cameron Diaz). Com todos os requisitos possíveis e completamente apaixonada, aparentemente nada é suficiente para ela conseguir fisgar totalmente a atenção dele. Vai vivendo de migalhas de atenção, insistindo na ideia de que um dia será recompensada, de que a “amizade com benefícios” se tornara algo mais. E aí somos apresentados a Sofia Serrano (Penélope Cruz), literalmente a causa de todos os acontecimentos, uma bomba que despenca e desmistifica o status quo. Para Julianna é o que faltava para lhe cair a ficha da própria realidade, é o gatilho responsável para questionar as ações de David e entender o seu papel na vida dele. Para ele é um tsunami emocional, uma paixão à primeira vista e uma curiosidade mortal pela figura de Sofia. De certa maneira ela desperta nele algo que a tempos ele não entrava em contato, que fazia questão de negligenciar: Afeto, Amor, Cuidado.

O conflito principal nasce da decisão de Gianni de acabar com tudo. O acidente (ou o que para alguns pode ser visto como vingança) muda da água para o vinho a vida de David. As suas sequelas e cicatrizes instalam em sua mente uma cisão. Se antes ele tinha um conforto estético, agora se vê como alvo de piedade e dó. Isso acaba modulando os seus comportamentos, gerando uma personalidade que, embora esteja latente e perceptível, tenta se esconder atras da máscara. Sua atual feiura escancara todos os problemas de personalidade que ele já tinha. A deformidade serve aqui não só como recurso de imagem, mas metafórico também. David perde o que lhe era mais precioso: a beleza como recurso, como manta que lhe escondia uma personalidade escrota.

A solução que encontra é se esconder dentro de sua própria mente, através de um programa tecnológico que lhe permite sonhar pelo resto da eternidade. Mas nem a isso David consegue escapar. Seu inconsciente não aceita e não permite que ele viva em um mundo idealizado. Joga o tempo inteiro em favor de mostrar o quanto ele é uma pessoa ruim. A descoberta disso o leva a algumas conclusões que revelam ainda mais aspectos de sua personalidade mimada. David, em uma decisão fundamental para o resto de sua existência, escolhe se vitimizar. Aqui o roteiro não é tão explicito, mas é bem nítido que suas escolhas são reflexo direto de alguém privilegiado e, acima de tudo, mimado. Há algo de prazeroso em viver a dor do mundo real, em retrospecto da vida perfeita. Há algo de bonito em se assumir fodido. Porem, todo esse romantismo, só revela um mau caratismo e um grau de ingenuidade. No fundo, David é um eterno adolescente.

Vanilla Sky é um filme que funciona porque trabalha com conceitos que sempre serão presentes no nosso dia a dia. Os personagens não são tão profundos porque não precisam. Funcionam como uma espécie de arquétipo, espelhando tipos de personalidades. E isso, independentemente da época, tende a se repetir.

Filme: Vanilla Sky
Elenco: Tom Cruise, Penélope Cruz, Cameron Diaz
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Alejandro Amenábar (film “Abre Los Ojos”), Mateo Gil(film “Abre Los Ojos”), Cameron Crowe(screenplay)
Produção: Estados Unidos
Ano: 2001
Gênero: Drama
Sinopse: Um jovem rico luta para distinguir os sonhos da realidade após um acidente que o deixa desfigurado
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Paramount Pictures
Streaming: Netflix
Nota: 8,0

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