O novo sucesso comercial de James Cameron, Avatar: O Caminho da Água (2022), leva o espectador de volta à Pandora, mais de uma década após a última visita. Jake (Sam Worthington) e Ney’tiri (Zoë Saldaña) agora possuem uma família. Vivem em paz com sua tribo. Porém, o retorno de uma ameaça antiga força a família Sully a abandonar sua casa e partir para regiões de Pandora que, até então, não eram tão familiares para eles. Agora os Sully precisam aprender a conviver em uma nova comunidade ao mesmo tempo em que empregam seus esforços para manter a família unida e viva.
O formalismo de Béla Balázs
Se para André Bazin — importante teórico do século XX — o verdadeiro cinema seria aquele que mais aproxima-se da realidade, retratando-a como ela fatidicamente é, os rumos que o cinema comercial tomou nos 64 anos decorrentes de sua morte não poderiam ser mais distantes do que o idealizado pelo francês. Se Avatar: O Caminho da Água (2022) se assemelha mais com os ideais de algum outro teórico, seria com a visão de Béla Balázs, escritor húngaro.
Para Balázs, o cinema não seria, nem deveria ser, uma representação fidedigna da realidade. O teórico acreditava em uma vocação para o cinema que contemplava uma anamorfose da realidade em uma versão mais sedutora e interessante da mesma. Então, o objetivo do cinema não seria a representação da realidade, mas a manipulação da mesma. O pensamento do húngaro, porém, conservava uma necessidade de assemelhação com o objeto filmado. Isto é, ao cineasta transformar o que está filmando em outra versão do mesmo elemento, é vital manter uma relação com a natureza original de tal elemento.
Não é difícil perceber como tal pensamento se aproxima da obra contemporânea de James Cameron. Avatar: O Caminho da Água (2022) nos leva de volta à Pandora. Planeta extraterrestre que, mesmo com suas diferenças, demonstra diversas semelhanças com a Terra. Nativos humanóides, plantas, animais, oceanos, fauna subaquática; elementos também presentes no planeta dos humanos. Afinal, é como se James Cameron pegasse a realidade e a transformasse em uma versão mais sensual dela mesma — ainda mais ao considerar que, no filme, a Terra está morrendo.
Tais semelhanças com a realidade se estendem até mesmo para os acontecimentos do roteiro. Uma história de colonização — tal qual a história da humanidade; um núcleo familiar afetivo; costumes de vivência em uma sociedade específica. Esses paralelos com a realidade conhecida estimulam no espectador um senso de identidade que potencializa o seu fascínio com a obra. O desconhecido-não-tão-desconhecido-assim daquele planeta provoca naquele que assiste um encantamento natural.
A computação gráfica de Avatar: O Caminho da Água (2022)
Encantamento esse que, alinhado ao trabalho de computação gráfica que James Cameron emprega, consegue se ampliar ainda mais. Avatar: O Caminho da Água (2022) utiliza da beleza, da aparência, do fascínio, das cores, e de todos esses elementos imagéticos para ressoar sentimentos dentro da família principal. Até isso acaba remetendo, novamente, à Béla Balázs, que acreditava que o cinema possuía uma capacidade visual forte o suficiente para se expressar apenas através de suas imagens.
O diretor estimula a imersão sensorial do espectador através da tecnologia ao mesmo tempo que cresce a força dessas similaridades com a realidade. As cenas embaixo da água proporcionam sentimentos que, quase literalmente, tiram o fôlego; deixando em quem assiste a dúvida se deveria prender a respiração junto daqueles personagens. Boa parte da potência dessas sensações vem, justamente, da familiaridade do espectador com aquele contexto (no caso, estar imerso em água).
Roteiro “simples”
Sob essa ótica, até os comentários sobre a suposta “simplicidade” do roteiro vão por água abaixo (perdoem o trocadilho). Retomando, mais uma vez, Balázs: cinema é a arte da imagem. Cinema é visual. Uma trama “simples” não deveria ser, nem é, um problema. Afinal, uma obra não é o que ela conta, mas como ela conta. E, inegavelmente, Cameron se apropria dessa suposta história rasa para, precisamente, impulsionar a força de seus elementos visuais e, consequentemente, sensoriais. Talvez uma trama mais complexa aqui poderia minar esses elementos e refletir em uma mistura de componentes que nunca adquirem autoridade o suficiente para se expressar. Em contrapartida, Avatar: O Caminho da Água (2022) entrega uma unidade coesa.
Entretanto, James Cameron parece não impor limites à sua própria excitação com tais estímulos em alguns períodos. Assim, em determinados momentos, a obra parece se alongar demais sob alguns pontos, sobretudo no primeiro ato. No segundo ato, a partir da chegada dos Sully na tribo aquática, esse alongamento até se justifica pelo deslumbramento da nova fauna e flora. Todavia, um corte um pouco reduzido poderia ser muito bem-vindo e ainda engrandecer a experiência do espectador.
O ato final
Contudo, o diretor entrega um ato final que compensa por essas excedências anteriores. Uma batalha marítima que não só é frenética e extremamente estimulante, como também conecta, ressignifica e reforça o impacto de elementos apresentados e desenvolvidos ao longo da obra. A batalha final ser, praticamente, imersa na água dá ainda mais vigor à imersão sensorial do espectador; e acaba até sendo poética.
O final de Avatar: O Caminho da Água (2022) parece, inclusive, dialogar sobre a carreira do próprio diretor. Uma sequência de ação estonteante que acaba por diretamente referenciar, principalmente, uma das maiores obras de Cameron, Titanic (1997). Assim como a figura do próprio vilão, de certa maneira, se assemelha a um parecer metalinguístico. Por analogia, é quase como um mea-culpa de Cameron, assumindo uma consciência de como sua própria tecnologia reverberou na indústria.
Não é nenhuma novidade como, na última década, a tela-verde e a computação gráfica tomaram o cinema Hollywoodiano. Sob o mesmo ponto de vista, o Coronel Quaritch retornar sob a forma de um avatar, seu maior inimigo, para impor a colonização norte-americana soa como um comentário de Cameron. O avanço tecnológico possibilitando o colonialismo. Assim, o diretor acaba reconhecendo como seus avanços técnicos em 2009 corroboraram para o imperialismo estadunidense tomar ainda mais força dentro do cinema.
Entretanto, mesmo que o diretor reconheça seu impacto no fazer-cinema de Hollywood, a maneira como o faz ainda difere-se do padrão industrial atual. Retoma conceitos de um blockbuster épico já não mais tão comum e utiliza de seus estímulos visuais e de sua estruturação “simples” para reforçar essa retomada. Agora, resta esperar que o sucesso de Avatar: O Caminho da Água (2022) acabe ditando, assim como seu predecessor, caminhos novos para a indústria.
Filme: Avatar: O Caminho da Água Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Kate Winslet Direção: James Cameron Roteiro: Amanda Silver, James Cameron, Josh Friedman, Rick Jaffa, Shane Salerno Produção: Estados Unidos Ano: 2022 Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica Sinopse: O retorno de uma ameaça antiga força a família Sully a abandonar sua casa e partir para regiões de Pandora que, até então, não eram tão familiares para eles. Agora os Sully precisam aprender a conviver em uma nova comunidade ao mesmo tempo em que empregam seus esforços para manter a família unida e viva. Classificação: 14 anos Distribuidor: Walt Disney Studios Motion Pictures Streaming: Indisponível Nota: 8,0 |
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