CRÍTICA – MAKANAI: COZINHANDO PARA A CASA MAIKO

CRÍTICA – MAKANAI: COZINHANDO PARA A CASA MAIKO

Um dos meus gêneros favoritos, tanto no cinema quanto na TV – e principalmente nela – é o Slice of life, que traduzido literalmente significa fatia de vida. Como seu próprio nome sugere, este gênero se compromete em trazer para a ficção a mundanidade do dia a dia dos personagens e muitas vezes encontra, no simples, a poesia sincera do cotidiano. Muitas vezes, histórias do gênero slice of life agregam o subgênero Comida, que também está entre os meus favoritos. Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko (The Makanai: Cooking for Maiko House, 2023) é um exemplo destes dois gêneros combinados. A série japonesa que conta com 9 episódios é uma criação de Hirokazu Kore-eda a partir do mangá Maiko-san Chi no Makanai-san de Aiko Koyama e é distribuída pela Netflix.

Em Makanai, acompanhamos as histórias de duas melhores amigas, Kiyo e Sumire, que saem de sua cidade natal Aomori em direção a Quioto, onde pretendem se tornar maikos, ou seja, aprendizes de gueixas. Assim que chegam à casa maiko, já se pode perceber uma mudança de ares, uma vez que a região onde se situam essas casas parece ter parado no tempo. Não de uma forma ruim, mas no sentido de se ter preservado uma tradição antiga e se viver, ali, nos moldes desta tradição. Daí em diante, acompanhamos o período de um ano na vida dessas duas jovens e das pessoas ao seu redor.

Algo que acontece logo nos primeiros episódios e é crucial para o desenvolvimento da história, é o fato de Kiyo não levar absolutamente nenhum “jeito” para o ofício. Sua postura desajeitada e personalidade extrovertida não combinam com a delicadeza e discrição de uma maiko, o que difere totalmente de sua amiga Sumire, que logo de início demonstra um talento excepcional, além de muita força de vontade para se tornar a melhor. Em uma virada inesperada, Kiyo deixa de ser uma aprendiz para se tornar a cozinheira da casa maiko e é nesse ponto que suas histórias começam a se desenrolar.

É notável, em Makanai, a assinatura de Hirokazu Kore-eda. Como em suas produções para o cinema, a história de Kiyo e Sumire é cercada por temas comuns aos trabalhos do diretor. Mais uma vez, e ainda que não esteja em evidência, a família é um tema que está em desenvolvimento aqui. Dentro da casa maiko, todas as aprendizes chamam de mãe aquela que toma conta delas e entre si todas são irmãs. É justamente essa irmandade que Kore-eda traz para a tela que é bonita de se ver. Em Makanai, não há rivalidades mesquinhas ou disputas, todas as meninas se ajudam e vivem bem umas com as outras. O conhecimento e as dicas no aprendizado passam de uma a uma e assim elas vão se transformando em uma grande família, daquelas que se escolhe, tão bem apresentadas por Kore-eda.

Ao longo dos episódios, assistimos ao desenvolvimento tanto de Kiyo quanto Sumire e de suas colegas de casa. Entre os conflitos entre paixão e vocação, assistimos à essas duas personagens se apaixonando e se encontrando cada vez mais em suas escolhas. É claro que há mudanças nos planos para algumas personagens, e aquilo que antes parecia ser o único futuro possível se torna apenas um pedaço de história no passado. De forma leve e muito sensível, a série aborda todos esses assuntos sem transformá-los em uma grande novela e facilmente podemos derramar algumas lágrimas enquanto assistimos.

As atrizes que interpretam Kiyo e Sumire (Nana Mori e Natsuki Deguchi respectivamente) são rostos ligeiramente novos na indústria, porém é possível reconhecer alguns atores de outras produções de Hirokazu Kore-eda como Arata Iura (After Life, 1998; Distance, 2001; Like Father, Like Son, 2013) e Lily Franky (Like Father, Like Son, 2013; Our Little Sister, 2015; Shoplifters, 2018).

A personalidade alegre e sempre prestativa de Kiyo é muito bem representada por Nana Mori, que entrega uma performance muito pura e adorável de sua personagem, que vive um dia de cada vez e se alegra por isso. Sua relação com os alimentos que cozinha é bonita e muito agradável de assistir. Cada uma das receitas preparadas por Kiyo é de dar água na boca, e ver sua satisfação ao assistir alguém as provando é satisfatório também para o espectador. A Sumire de Natsuki Deguchi é reservada e às vezes meio egoísta, porém não há maldade em sua personagem. Sua performance é contida e, como uma verdadeira maiko, ela quase não deixa transparecer seus sentimentos.

O visual de Makanai é deslumbrante e muito bem construído, de fato é como se viajássemos no tempo ao assistir à série. A maquiagem e os figurinos são charmosos e nos convidam a querer conhecer mais sobre a tradição de maikos e geikos e a abertura é uma obra de arte à parte. Há um certo humor na produção que combina muito bem com a história, sem exageros ou constrangimentos, os momentos engraçados encaixam perfeitamente com a narrativa. Os personagens secundários, ainda que apareçam pouco, têm também suas histórias e trazem pequenos fragmentos delas para a trama principal em momentos de reflexão e contemplação.

Quase sem perceber, os 9 episódios passam rapidamente. Em uma história em que aparentemente nada acontece, assistimos aos ciclos se fechando e iniciando novamente. As meninas que conhecemos no primeiro episódio não mudaram tanto fisicamente ao fim de seu primeiro ano em Quioto, porém em seus corações muitas coisas se transformaram. O caminho traçado por Kiyo e Sumire parece cada vez mais certo e suas jornadas estão apenas começando.

Makanai é, acima de tudo, uma série de amadurecimento que mostra que o caminho entre a juventude e a vida adulta não precisa ser sempre tortuoso. É uma história sobre vocação e paixão e sobre como essas duas coisas podem estar ou não interligadas. A produção de Hirokazu Kore-eda, como seus outros projetos, é mais um trabalho sensível e poético sobre a simplicidade da vida, que pelo menos na ficção pode ser mais bela do que imaginamos.


  Série: The Makanai: Cooking for the Maiko House (Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko)
Elenco: Nana Mori, Natsuki Deguchi, Aju Makita, Keiko Matsuzaka, Ai Hashimoto, Mayu Matsuoka, Takako Tokiwa, Arata Iura, Lily Franky.
Direção: Hirokazu Kore-eda, Megumi Tsuno, Hiroshi Okuyama, Takuma Sato.
Roteiro: Hirokazu Kore-eda, Mami Sunada, Megumi Tsuno, Hiroshi Okuyama, Takuma Sato.
Produção: Japão
Ano: 2023
Gênero: Drama, Comédia
Sinopse: Duas amigas inseparáveis se mudam para Quioto, decididas a realizarem o sonho de serem maikos. Mas, mesmo morando juntas e com objetivos tão parecidos, as duas acabam seguindo rumos diferentes.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Netflix
Streaming: Netflix
Nota: 9,0

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