O filme poderia se chamar “Antonina”. E provavelmente seria a biografia de uma cidadã russa nascida na primeira metade do século XIX. Muitos aspectos da sua vida pessoal seriam abordados, o principal deles talvez fosse o casamento com compositor russo Tchaikovsky.
Mas o filme tem como título “A Esposa de Tchaikovsky”. E, nele, pouco se sabe sobre a vida pessoal de Antonina, seus laços familiares, sua trajetória profissional e intelectual, por exemplo. O único aspecto importante da vida dela abordado ao longo de mais de duas horas de projeção tem a ver única e exclusivamente com o fracasso de seu casamento com o compositor russo.
Terminada a sessão, assim que saí da sala de cinema, fui surpreendido com a claridade do lado de fora. Era hora do almoço. Caminhei um pouco pela avenida pensando nisso e me dando conta de como “A Esposa de Tchaikovsky” era um filme predominantemente escuro, mergulhado na penumbra — por isso o forte contraste com a luz do dia. E que essa característica da fotografia refletia em alguma medida a psique da protagonista, não apenas a atmosfera citadina da sociedade russa daquele período. Uma bela fotografia, aliás.
Interpretada com primor pela atriz russa Alyona Mikhailova, a esposa de Tchaikovsky era uma pessoa difícil de julgar. Uma mulher complexa, inquietante, submissa e obcecada — segundo retrato do filme, que assume o ponto de vista de Antonina de forma radical. Vemos tudo a partir da perspectiva dela. O grande compositor quase sempre está fora de quadro. Uma escolha ousada, sem dúvida, e que pode frustrar os espectadores amantes de música clássica.
Quando Tchaikovsky propõe casamento, ele deixa claro que não quer contato físico com ela, que a união dos dois seria apenas fraternal, como dois irmãos vivendo debaixo do mesmo teto. Ora, estava claro que o compositor era gay e que o casamento com uma mulher era apenas uma forma de enfrentar a homofobia da época. Se existe homofobia na Rússia de hoje, imagina no século XIX…
Confesso que não entendi muito bem a motivação do diretor em aprofundar justamente o aspecto mais negativo e obtuso de uma mulher que vai até o limite do insustentável na sua luta para manter um casamento que desde o início era de fachada. Não me conectei em nenhum momento com sua humilhação. Se fosse um livro, jamais teria chegado ao fim, largaria antes.
E por que é um bom filme? Para mim, seu sabor está em outro lugar, um pouco longe do roteiro. Está no trabalho extraordinário dos atores e na direção rigorosa de todos eles, no cuidado com os cenários e com os figurinos de época e, sobretudo, como mencionei, na fotografia. Não é à toa que ele integrou a competição oficial do Festival de Cannes 2022.
Uma última consideração. “A Esposa de Tchaikovsky” tem uns 12 minutos a mais de duração. Faltou tesoura e um pouco de desapego.
Filme: Tchaikovsky’s Wife (A Esposa de Tchaikovsky) |
Excelente filme… expõe RIGOROSAMENTE a época.. No entanto…penso que a esposa de Tchaikovsky era doente psiquiátrica… !!