CRÍTICA – O EXORCISTA DO PAPA

CRÍTICA – O EXORCISTA DO PAPA

O gênero de exorcismo é tão recorrente nos cinemas, que todos os anos podemos contar pelo menos uns três filmes sobre. Buscam incessantemente o mesmo sucesso absurdo atingido por sua obra máxima: O Exorcista (1973). Até hoje, o único filme que causou sensações próximas a esse ícone do cinema – ressalto que o livro na qual a obra cinematográfica adapta é também primoroso – foi Invocação do Mal (2013), que faz um excelente feijão com arroz a ponto de iniciar uma franquia bem lucrativa – que valem a escrita de um artigo comparando as ferramentas e sucessos acertados por ambos os filmes. Nos deparamos, então, com O Exorcista do Papa (2023), outro título perdido entre tantos que amam diabolizar o diabo ao máximo – essa expressão será explicada ao longo da crítica.

Iniciemos essa jornada, pelo que há de mais clichê para capturar público: BASEADO EM FATOS REAIS. Gabriele Amorth, o famoso padre italiano que possuía o título “O Exorcista do Papa”, recheado de documentários sobre sua vida, seus feitos, com séries de livros e mais livros tanto de autoria quanto escritos sobre essa figura. Cá estamos – por pura necessidade de afirmação – sem julgar crenças e espiritualidades alheias, porém esse homem é um prato cheio de roteiros genéricos para aparições do demônio pelo mundo todo. Se o objetivo do filme era dar uma ambientação minimamente palpável da realidade, saiu pela culatra há um ponto que até o mais crente saíra questionando se qualquer coisa que fora relatada ali é possível. Antes da sua narrativa começar efetivamente, me ocorreu a possível ousadia de vermos uma possessão da mais alta autoridade da santidade: o Papa, o que seria inovador e diferente, afinal quem já testemunhou em algum filme uma grande autoridade sendo possuída?

A melhor cena – de longe – está em seus primeiros minutos. Gabriele Amorth adentra numa casa humilde de campo, onde um humilde homem foi possuído pelo demônio. A ambientação, com jogos de sombras e os efeitos sonoros, somados a interpretação de Russel Crowe, nosso protagonista – que se deu o trabalho de falar italiano, superação não começar de cara com aquele inglês puxado colonizando as línguas estrangeiras, o que não dura muito, depois vira uma confusão de uma hora estar todo mundo falando inglês e DO NADA trocam para o italiano – que chega com tudo, com uma auto-confiança que se distancia do clássico do gênero: o exorcista que em poucos segundos oscila diante da figura demoníaca. Aqui salta uma ousadia – “o diabo que deve temer a mim”, frase recorrente da figura real de Gabriele Amorth – que é o padre humilhando e diminuindo os poderes diabólicos. Não há o nome de Deus, não há uma cruz, água benta. É o puro jogo retórico desafiador, que captura a atenção do demônio. Gabriele humilha a figura usando um argumento que ressaltou meu interesse pelo filme: “por que não vai atrás de uma figura real importante? Teu poder deve ser pequeno, afinal, veio atrás de um homem humilde do campo”. É um diálogo inteligente, ferir o orgulho de seres tão orgulhosos. A tática do exorcista? Dentro daquele ambiente, muito frenético e ao mesmo tempo não tão espalhafatoso, Gabriele diz que a figura é incapaz até mesmo de possuir um porco. O demônio, orgulhosamente para provar seus poderes, adentra na alma do porco. Um sinal de cabeça veloz do protagonista e o fazendeiro ao seu lado dispara a espingarda no crânio do pobre animal. Incrível a soma dos elementos e o resultado muito bem executado, que mesmo utilizando de clichês, vemos uma novidade: sacrifício animal. Implanta-se uma esperança no coração, afinal, toda essa cena é antes mesmo do título saltar na tela.

A partir daqui que a lamentação dá início. Se havia esperança, essa vai em uma velocidade surpreendente para os últimos selos do Inferno, devorada pessoalmente por Lúcifer. A ideia que foi projetada sobre a possível possessão de uma figura poderosa da Igreja desaparece. Surge a estrutura clássica e nenhum pouco ousada: a família frágil, com uma criança menor quieta, com traumas internos ainda não expostos, com uma abertura emocional fácil para a entrada demoníaca. Aquela fotografia e estrutura que se dá nos primeiros minutos é jogada toda para longe, retomando aquela receita que já deixou de ser eficaz há muito tempo. Russel Crowe perde a postura de vencedor – ou melhor, tentam sustentá-la através da mesma estratégia da Marvel: piadas sarcásticas para diminuir o demônio e gerar interações que visam “aprofundar” o emocional dos envolvidos no exorcismo. Não me darei o trabalho de citar os outros personagens, nem mesmos seus respectivos atores, pois são tão apagados que ao final do filme você se lembra de identificá-los pelo seu papel narrativo: a mãe, o filho, a irmã, o papa, o outro padre. A uma dramatização do mal que utiliza das mesmas estratégias que o filme “O Exorcista”: ofensas pesadas saem da boca da criança, a pele cada vez mais lesionada – com um tempero extra que é o vício do demônio utilizar da “força” de Star Wars para ficar empurrando pessoas nos ares, o que acontece umas boas vezes no decorrer do longa – mas, o que já foi visto milhares de vezes em tantos filmes não surpreende em absolutamente mais nada. Nosso protagonista e elenco? Lida com os pecados internos não resolvidos, afinal, em um filme católico, os envolvidos além da própria cria do “Sete Pelo” precisam da sua redenção, do perdão, da purificação para assim derrotar o tinhoso inimigo de Deus. São dados aos flashbacks mais esquecíveis da história, onde é mostrado tudo e não se absorve nada. E onde olha… Para uma mísera criança possuída, onde antes havia o “Exorcista do Papa” restou para observamos um simples “Exorcista”. Simples. Sacrifício? Jogadas inteligentes de luzes? Ambientação? Jogos de retórica? Não, não, não. Agora é falar um monte de frase em latim e apontar o crucifixo até que pela vontade divina o Diabo se retire. Ah, é claro, esquecemos o outro elemento necessário: O NOME DO DIABO PARA ASSIM EXPULSAR A CRIA DO CAPETA.

A última pilastra para o desastre é o diabo ser diabolizado em níveis que quebram qualquer tato de proximidade com a realidade – BASEADO EM FATOS REAIS – e aqui vem a título de comparação alguns aspectos com “O Exorcista” de 1973. Se no clássico antigo o duelo é sobre o controle da alma pura de uma criança, com uma possessão que demora para se tornar vulgar e horrorizante, construindo excelentemente em um passo a passo o clímax absoluto dessa obra-prima, aqui… Nos horrorizamos com o potencial diabólico do roteiro engolir, cuspir e regurgitar por cima tudo o que tinha direito. O que está em questão aqui? A ordem universal, a destruição do Exorcista do Papa, invocando o próprio cataclismo, que É LOCALIZADO naquela pequenina igreja onde grande partes das cenas do filme discorrem. Do absoluto nada, descobrem uma ruína no subterrâneo da Igreja, onde convenientemente era um lugar de tortura e prisão da Santa Inquisição Espanhola – É Gabriele Amorth, o senhor viajava rápido de BIS entre ROMA e O INTERIOR DA ESPANHA – onde, coincidência, O EXORCISTA DO PAPA NA IDADE MÉDIA HAVIA SIDO POSSUÍDO, e ai a frase mais aleatória do mundo é dita pelo protagonista e nossos neurônios demoram uns bons segundos para absorver a informação:

“A Santa Inquisição… O período mais obscuro da Igreja… Não foi um feito dos homens… O Exorcista do Papa estava possuído pelo mesmo demônio que hoje está naquela criança”.

E, olha, nossa última coincidência, no livro antigo, bizarramente preservado – o poder de Deus – naquela ruína de musgo, umidade e líquen, contém as páginas que estão escritas o nome da criatura que estão enfrentando: Asmodeus, o Rei das hostes infernais. Há um único conceito dentre toda essa bagunça e – por poder da intervenção divina – coincidências, que é o poder de Asmodeus possuir as mentes coletivamente. Algo MUITO pouco aproveitado, com um POTENCIAL absurdo, que é desperdiçado com sustos baratos, uma violência digital e – OLHA LÁ – uma menina andando sobre pernas e braços no teto – porque numa escada dentro de casa de ponta cabeça não funciona mais. Agora o duelo, não é só pela alma do menino possuído, é pelo equilíbrio e restauração da ordem divina sobre um lugar não sacro, onde caiu um dos anjos que se rebelou contra o demiurgo. Tudo é elevado a décima potência, tornando tudo incrivelmente risível advindo do exagero muito, muito, muito mal pensado. Mas, é um saldo positivo da experiência toda: boas risadas, com muitas expressões de inconformidade e, nos surpreendeu: nenhum Papa foi possuído e o diabo adora apagar luzes e velas DENTRO DO VATICANO.

No final, a ousadia maior para encerrar – e mostrar que a Igreja está real desempenhada em enfrentar as forças demoníacas – que isso de acabar com a fome e combater os extremismos entre as nações do mundo? – nos subterrâneos do Vaticano, existem servidores secretos – de MÁXIMA TECNOLOGIA, parecendo aquelas partes secretas do Pentágono – que rastreiam – graças ao livro resgatado por Gabriele Amorth – as terras intocadas por Deus, onde residem outros demônios tão poderosos quanto aquele que foi vencido. É magnífico, nunca vi antes um diabo tão diabolizado diabolicamente espalhado pela terra como máscaras de Nyarlathotep dignas da literatura Lovecraftiana, porém em vez da entidade cósmica, nos deparados com demônios das moradias profundas de Lúcifer. Digníssimo de uma salva de palmas, agora a dupla de sobreviventes – BASEADO EM FATOS REAIS – recebe a missão de viajar pelo mundo para derrotar e expulsar essas forças malignas de volta para sua residência infernal…

O Exorcista do Papa. É isso. Vale ir por umas boas risadas e exageros clichês. Para quem quer entretenimento, é um prato cheio, que basta se desligar que no mínimo renderá boas memórias e sátiras naquela roda de amigos que adora virar a noite debatendo sobre filmes com qualidades, no mínimo, questionáveis…

Fiquem com Deus, eu… Fico com o Diabo…

Qual será a próxima possessão demoníaca que falaremos por aqui?

Filme: O Exorcista do Papa
Elenco: Russel Crowe, Daniel Zovatto, Laurel Marsden, Alex Essoe
Direção: Julian Avery
Roteiro: Evan Spiliotopoulos, Michael Petroni
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Suspense, Terror.
Sinopse: Inspirado nos arquivos reais do Padre Gabriele Amorth, Chefe Exorcista do Vaticano. O padre realizou mais de 100.000 exorcismos em sua vida e faleceu em 2016 aos 91 anos. Amorth escreveu duas memórias – An Exorcist Tells His Story e An Exorcist: More Stories – e detalhou suas experiências lutando contra Satanás e demônios que agarraram e possuíram as pessoas com seu mal. O filme, sendo o retrato do personagem da vida real, acompanha Amorth (Russell Crowe) enquanto ele investiga a terrível possessão de um menino e acaba descobrindo uma conspiração secular que o Vaticano tentou desesperadamente proteger e manter no esquecimento.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Sony Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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