Apesar de estar no décimo filme, Velozes e Furiosos nunca se comportou exatamente como franquia. Pelo menos, não conscientemente. Até o oitavo, cada capítulo ia aglomerando mais e mais personagens até gerar a tão falada família de Vin Diesel. Não obstante, uma das minhas maiores dificuldades de comprar essa “família” está diretamente interligada ao fato de ela ser “juntada”, nunca exatamente ter sido desenvolvida ou construída em relações como diz em apelo. O que unia aqueles personagens, na verdade, era um mero discurso ideológico conservador de fácil identificação, que coincidentemente ganhou mais apelo popular após o trágico e fatídico acidente com um dos astros primários, Paul Walker.
Tanto que, após a fase tributo (leia-se, os filmes sete e oito), a única coisa que sobrou para justificar a continuidade da franquia era fingir formar um cânone tardiamente – o nono filme – e encerrar a história como se ela de alguma maneira conversasse através dos filmes com naturalidade. Inclusive, o grande problema adquirido pela série nunca foi a sua falta de verossimilhança, em ser cada vez mais mentirosa nas cenas de ação, mas sim a artificialidade de todo o resto envolvendo os valores pregados pelos personagens. Exemplo: em uma das primeiras cenas desta primeira parte de conclusão, Dominic Toretto olha uma sequência de quadros com fotos de recordações. Mesmo ignorando furos de roteiros ou incoerências que não fazem diferença para a narrativa, é difícil passar despercebido o apelo nostálgico bizarro que essa cena tenta impor com evidentes screenshoots de frames dos filmes anteriores.
Não que o filme precisasse explicar como essas “fotos” foram tiradas, mas é uma amostra sintomática de como a inserção desse falatório familiar é forçada e ficou cada vez mais melodramática e enfadonha, filme a filme. Depois de dez, dos quais os últimos quatro praticamente repetem a mesma cena de piquenique de culto evangélico na abertura e na finalização, chega num nível em que começa a se tornar involuntariamente cômico. Seria mais fácil se Vin Diesel não levasse esses projetos tão “a sério”. Vê-lo tentando atuar com dramaticidade, fazendo cara de choro em momentos de teórico “peso” na história sustentada por fiapos, constrange, por mais que a opção de dividir esse último filme em três partes – extrapolando a moda de dividir conclusões em duas como Harry Potter, Crepúsculo, Jogos Vorazes ou a Saga do Infinito da Marvel – exponha como a sua visão de produtor é puramente (e sempre foi) interessada no mercadológico.
A questão é que a saga nunca conseguiu se levar totalmente na despretensão de um cinema brucutu cheio de mentira. Por mais que exista valor de entretenimento em observar os absurdos crescentes do que os personagens podem fazer com carros, desde que os filmes começaram a extrapolar nesse sentido, pouco houve cenas em que existia uma valorização entusiasmada desses feitos na transposição imagética. Ausência de uma visão cinematográfica quando a franquia se potencializou como blockbuster. Ou melhor, ausência de visão cinematográfica por parte de Justin Lin, que basicamente emoldurou a estética marqueteira e ostentativa na qual o produtor (o “showrunner” de tudo) Chris Morgan apostou, investiu e fez com que Velozes e Furiosos ficasse tão famoso.
Não à toa, sua saída no meio da produção para a entrada de Louis Leterrier praticamente não é sentida. Bem como o sétimo e oitavo filme que não são dirigidos por Lin, mas parecem tê-lo como comandante – por mais que James Wan no sétimo filme tenha entregado um pingo a mais de personalidade em câmera. Até existem algumas cenas específicas de pancadaria corpo a corpo onde diretor imprime seu estilo, lembrando a decupagem dos dois Carga Explosiva, mas, no geral, Leterrier apenas grita “3, 2, 1… gravando” e “corta”, sem muitas preocupações. Nem tem paciência para adotar efeitos práticos como vinham sendo coordenadas algumas sequências nos filmes anteriores, recorrendo a efeitos digitais, na maior parte do tempo, bem sobrecarregados.
Creio que mesmo os alienados da fórmula devem concordar que houve um decréscimo de variedade, criatividade e escala no pensar das novas setpieces “impossíveis” em comparação a outros filmes. Algo que deve ser consequência da divisão de uma história oca em cânone curto inflado em três longa-metragens. Ora, a lógica é guardar as maiores megalomanias para as partes vindouras. Tanto que a cena mais legal de ação é a do clímax, que à la O Hobbit e a Desolação de Smaug é simplesmente interrompida no meio para deixar ganchos de continuação para os próximos episódios, tirando completamente o fator crescente que a deixava bacana.
Inclusive, percebe-se com essa decisão de corte final como o filme, em vários dos seus núcleos, protela a resolução de problemas que, em outros momentos, eram resolvidos de forma bem simplória, considerando o poderio que os personagens tinham em tirar coelhos tecnológicos da cartola, justamente para estender a duração e jogar conteúdo para as próximas partes, deixando praticamente todos os secundários deslocados e inúteis à trama, e não só isso, colocando a peteca principal sendo carregada inteiramente pelo carisma negativo de Vin Diesel. Por sorte, Diesel tem surpreendentemente um ótimo contracenante positivo em Jason Momoa, interpretando o vilão principal e sendo a melhor adição à saga ao lado de Dwayne “The Rock” Johnson e Jason Sthatham.
Se as cenas de ação deixam a desejar em valor de entretenimento pelo que elas são (reitero: considerando o que inventaram nos filmes anteriores), o vilão de Momoa e suas particularidades, compartilhadas de traços da caricatura de Capitão Jack Sparrow, Coringa e Chucky (o Brinquedo Assassino), adequam-se a um tom que considero o ideal se tratando de Velozes e Furiosos: apresentam o mínimo de desafio aos personagens para que não seja só sem graça assisti-los resolvendo tudo a toque de mágica sem nenhuma consequência – incrivelmente levando até o super-herói imortal do Dominic Toretto a ter uma dor de cabeça para superar os obstáculos propostos pelo personagem –, mas sem precisar levar o tom do filme a sério, pelo contrário, o vilão descompromissa as pretensões mais sóbrias e “épicas” do roteiro.
O ator está claramente se divertindo no papel, trazendo um deboche solto e autoconsciente das referências aos personagens em que se inspira, além de reações genuinamente divertidas às bobagens que presencia do universo ao qual pertence: zombando das mentiras surreais, fazendo cara de nojo toda vez que escuta a famigerada palavra “família”. Infelizmente, ele está mais para um mérito à parte do que uma qualidade do filme em si. Tirando-o da equação, Velozes e Furiosos X é a máxima do desgaste da formula que ainda pretende, sabe-se lá como, tirar conteúdo para mais duas partes de desfecho.
Obs.: vale destacar negativamente, como do quinto e pior filme (Operação Rio), a visão estereotipada da brasilidade e cultura Latina (?), quando novamente visitam o Rio de Janeiro em tomadas aéreas genéricas e sequências indigestas na praia de Copacabana e em alguma favela carioca qualquer, permanece. A participação especial de Ludmila é o ápice da vergonha alheia de toda a série.
Filme: Fast X (Velozes e Furiosos 10) Elenco: Vin Diesel, Michelle Rodriguez, Jasom Statham, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Charlize Theron, Jason Momoa, John Cena, Sung Kang, Helen Mirren, Brie Larson, Scott Eastwood, Alan Ritchson, Daniela Melchior, Leo Abelo Perry, Rita Moreno Direção: Louis Leterrier Roteiro: Dan Mazeau, Justin Lin Produção: Estados Unidos Ano: 2023 Gênero: Ação, Aventura Sinopse: Dom Toretto e sua família precisam lidar com o adversário mais letal que já enfrentaram. Alimentada pela vingança, uma ameaça terrível emerge das sombras do passado para destruir o mundo de Dom e todos que ele ama. Classificação: 14 anos Distribuição: Universal Pictures Streaming: Indisponível Nota: 4,5 |
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