17º CINEBH – ZÉ

17º CINEBH – ZÉ

(2023) acompanha os últimos anos de vida de José Carlos (Caio Horowicz), militante e resistente contra a ditadura militar brasileira. O filme retrata a história de Zé desde que ele foi solto da prisão em que estava até sua posterior captura, tortura e morte, alguns anos depois.

Contradição formal em (2023)

“Contraditório” é um adjetivo bem pertinente para descrever (2023), sobretudo ao analisarmos a conciliação de sua forma e conteúdo. Uma vez que José Carlos Novaes da Mata Machado, ou melhor, Zé, fazia parte da resistência através da luta clandestina, certa morosidade vem como consequência disto. Afinal, como a própria obra retrata, a resistência durante a clandestinidade é uma posição morosa. É um trabalho executado de maneira árdua e lenta. Nesse sentido, a passividade da câmara de Rafael Conde faz completo sentido. O diretor filma seus planos de maneira estática, com cenas alongadas e lentas. Dessa forma, a estética reflete a vagareza da rotina daqueles personagens.

Entretanto, o ritmo da narrativa acaba contradizendo a proposta formal, principalmente na primeira hora do filme. Apesar dos planos e decupagens de Rafael Conde apostarem nessa lentidão da imagem, a história voa numa velocidade não condizente com o formalismo empregado pelo diretor. Isto é, embora a câmera de (2023) reforce a vagarosidade do cotidiano, a montagem da obra faz o tempo voar tão frenético quanto um trem-bala. Ainda que a trajetória de Zé realmente tenha durado uns bons anos, a maneira como o cineasta realiza a transição temporal é tão veloz que torna-se imperceptível e, por conseguinte, confusa. Ou seja, de uma cena para outra, por vezes se passam meses, ou até anos, sem o menor indício ao espectador.

A lenda Zé e sua (não) construção

Embora seja perceptível que a função destes saltos temporais seja caminhar a obra por dentre os momentos mais penosos da vida de José Carlos, também acarreta em um outro problema além da confusão da montagem. Assim, as elipses na vida de Zé fazem emergir uma problemática: a falta de foco na luta. Inegavelmente, a obra tenta estabelecer um status de figura lendária para Zé (até o próprio nome da obra evidencia tal tentativa). Todavia, não emprega quase que esforço algum para a construção desta lenda. A obra praticamente não mostra os personagens realizando atividade alguma dentro da luta. Decerto, são poucos os momentos que vemos algo assim; talvez uma cena no início do filme, com o casal protagonista fugindo da polícia; e outra um pouco mais tarde, com uma tentativa de conscientização exploratória dentro de uma fábrica (que na realidade envolve outro personagem que não o Zé). 

Contudo, apenas estes vestígios esporádicos das ações da resistência em andamento não são o suficiente para cobrir a importância, tanto de Zé, quanto da luta. Sendo assim, a construção mítica de José cai por terra, ou, se preferir, nunca nem nasce. Em outras palavras, Rafael Conde apresenta ao espectador um personagem com suposta importância, mas nunca mostra a construção dela. Só para ilustrar, a primeira cena, inclusive, já tem um diálogo que esclarece que Zé foi transportado para fora da prisão na surdina para não atrair atenção midiática. Todavia, o espectador quase não vê José agindo, lutando, panfletando, ou seja lá qual outra ação for; ele só conhece o seu status.

A técnica potencializando o texto

Não posso omitir, sem dúvida, que ambas as cenas citadas como representações das ações resistentes são ótimas. A primeira, visualmente linda, e até com um ar fantasioso de esperança. A segunda, opressiva, esmagadora, angustiante. As duas com um trabalho extraordinário de som — inclusive vale ressaltar aqui a sonoridade do filme, que exerce um papel fundamental na construção das sensações de desespero e opressão. Hão outros momentos interessantes também, inclusive fora deste âmbito citado das ações populares. Por exemplo, as cenas em que o personagem lê, para a câmera, as cartas que escreveu à seus pais. Tais momentos aproveitam de seu contexto dramático e da proximidade do ator com a câmera para oferecer um vislumbre maior de conexão emocional do espectador. 

Uma homenagem ou um caminhada pelo corredor da morte?

Dessa maneira, cria-se uma situação complicada para o espectador realmente se aprofundar e se dedicar àquele homem que é apresentado. Qual foi seu real papel? O tamanho de suas ações? Conforme retratado anteriormente, o filme pula entre pedaços da vida do personagem, focando naqueles dos quais ele passou por momentos mais difíceis. Conquanto, ao dar esse enfoque, sem alinhá-lo com o papel ativo e reconhecido do personagem na resistência, (2023) deixa de ser um filme sobre um recorte histórico de uma importante figura da história brasileira para se revelar como um desfile daquele homem em direção de sua própria morte.

Afinal, a obra nada mais é do que isso. Não constrói o protagonista dentro do status que idealiza para ele; não ressalta sua importância e suas ações; não demonstra o seu impacto geral. (2023) apenas caminha aquele homem até seu inevitável e doloroso fim. Um desfile pelo corredor da morte, penoso, sombrio, e com uma horda de espectadores; tal qual aquele idealizado por Gerard Way em 2006 com The Black Parade, mas muito menos cativante.


Pôster do filme "Zé", de Rafael Conde. Filme: Zé
Elenco: Caio Horowicz, Eduarda Fernandes, Samantha Jones, Rafael Protzner
Direção: Rafael Conde
Roteiro: Anna Flávia Dias, Rafael Conde
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Biografia, Drama
Sinopse: Zé (2023) acompanha os últimos anos de vida de José Carlos, militante e resistente contra a ditadura militar brasileira. O filme retrata a história de Zé desde que ele foi solto da prisão em que estava, até sua posterior captura, tortura e morte, alguns anos depois.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Embaúba Filmes
Streaming: Não disponível
Nota: 6,0

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