47ª MOSTRA SP – A MEMÓRIA INFINITA

47ª MOSTRA SP – A MEMÓRIA INFINITA

A documentarista chilena Maite Alberdi ganhou destaque internacional com o seu documentário The Mole Agent, em que acompanha Sergio, um homem idoso contratado por um investigador policial para se infiltrar numa casa de repouso e observar se sua mãe Sonia e os demais idosos do local estavam sofrendo ou não de maus tratos. Contudo, a produção vai além e se desdobra a partir da construção de um retrato lindíssimo dos envolvidos. Por sinal, a filmografia de Alberdi é repleta de outros ótimos documentários (La Once e Los Niños), que tangem a temática do envelhecimento por uma ótica singela, otimista e sincera; se recusando a olhar para a “melhor idade” de outra forma. Ainda que com vários trabalhos significativos, talvez o seu mais novo longa documental, A Memória Infinita, seja o mais delicado e o mais difícil de manter este ar otimista.

Difícil pois, ao contrário de suas produções passadas centradas em pessoas comuns, em A Memória Infinita Alberdi acompanha Paulina Urrutia, uma atriz, ativista e Ministra da Cultura entre 2006 e 2010, e seu marido Augusto Góngora, um importante jornalista e cronista chileno na época da ditadura de Pinochet que há 8 anos foi diagnosticado com Alzheimer. Vemos a partir das lentes sensíveis da diretora essa batalha cotidiana na vida do casal e a luta constante de Góngora de não perder o que é de mais valioso: sua memória e identidade.

Existe um apelo muito forte e doloroso nessa jornada do jornalista. Como foi supramencionado, ele foi uma figura essencial de embate numa das épocas mais obscuras e sangrentas da  história do Chile, que lutou e foi um dos principais contribuintes para a manutenção da memória histórica do seu país, sendo autor de diversos livros a respeito, entre eles Chile – La Memoria Prohibida, em que analisou, documentou e comandou uma investigação acerca do fim da Unidade Popular e do golpe militar, escancarando para o mundo a realidade político-social chilena durante a época da ditadura.

Soa, desta forma, simbólico que A Memória Infinita busque não apenas traçar uma homenagem que reverencia a carreira de Góngora, mas de preservar a sua memória e mostrar o homem que ele era e se tornou. Colocando o Alzheimer como pano de fundo, pois o documentário não é sobre a doença em si, mas como ninguém deixa de ser quem é, por mais que o cérebro da própria pessoa diga o contrário. Por isso, Alberdi é sagaz na forma em que monta a sua produção, focando nos momentos mais íntimos, conversas sinceras e utilizando a casa dos dois para nos contar uma história. Por exemplo, ao direcionar o olhar para as estantes com inúmeros livros (todos lidos pelo jornalista), Alberdi dimensiona a sua inteligência e o seu caráter estudioso, ao mesmo tempo que traça com muita facilidade o que está se esvaindo na medida que o tempo passa.

É muito sútil o trabalho da diretora, que poderia optar por recorrer a uma construção de narrativa apelativa, pedante, penitente e melancólica, mas que funcionaria dramaticamente dado o contexto da doença que não tem cura. Posto isso, em nenhum momento ela abandona o seu olhar empático e otimista das produções anteriores e tem o conhecimento que não pode reescrever a história e tampouco aliviar o que o casal passou durante todos esses anos. O único controle que Alberdi tem é da imagem, em como retratar esse período: sem romantização ou estigma e focar no que é importante – o amor de dois eternos apaixonados, cujas histórias se confundem com a do Chile.


A Memoria Infinita - Poster

Filme: A Memória Infinita (The Eternal Memory)
Elenco: Paulina Urrutia e Augusto Góngora
Direção: Maite Alberdi
Roteiro: Maite Alberdi
Produção: Chile
Ano: 2023
Gênero: Documentário
Sinopse: O chileno Augusto Góngora, veterano jornalista e cronista dos crimes do regime de Pinochet, e Paulina Urrutia, atriz, ativista e política, formam um casal há mais de 20 anos. Ele foi diagnosticado com Alzheimer e, agora, os dois enfrentam juntos essa descida inexorável e acelerada das capacidades físicas e mentais de Góngora, ao mesmo tempo em que ele luta para não perder a própria identidade.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Dogwoof
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

*Filme assistido na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo*

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