Faculdade de Artes 1994 (Art College 1994, 2023) é um filme chinês dirigido por Liu Jian (Have a nice day, 2017). O longa-metragem de animação foi exibido na sessão Perspectiva Internacional da 47ª Mostra de São Paulo. Situado em meados dos anos de 1990, a obra apresenta um grupo de estudantes universitários de uma escola de artes. Em meio à abertura da economia chinesa ao ocidente, Faculdade de Artes 1994 explora os impactos da influência ocidental não só na arte, mas em toda a configuração dos modos de vida desses jovens.
Uma das coisas que primeiro me veio à mente ao assistir essa obra foi a semelhança com Waking Life (2007), de Richard Linklater, tanto no estilo de animação quanto nas questões abordadas pelo roteiro. Com isso quero dizer que Faculdade de Artes 1994 aborda temas cotidianos comuns à vida de um estudante universitário. O filme é focado em diálogos que muitas vezes se sobrepõem aos fatos que estão acontecendo ao redor destes personagens.
É uma escolha muito inteligente dos roteiristas Lin Shan e Liu Jian ambientar a história de seu Faculdade de Artes 1994 em uma escola de artes, uma vez que através dela é que acompanhamos as mudanças do mundo em tempo real. Aqui, assistimos ao embate entre tradição e modernidade travado por meio da arte através das questões que afligem os estudantes. Enquanto uns deles se apegam à tradição de arte chinesa, outros abraçam o moderno, adquirindo referências ocidentais para suas produções artísticas.
Essa inserção da cultura ocidental é muito presente durante todo o filme, quando vemos símbolos da globalização – e de influência principalmente dos Estados Unidos – como Coca-Cola e McDonald’s. Um dos protagonistas, que por acaso (ou não) é estudante de Arte Tradicional está sempre com fones de ouvido escutando sua banda favorita, Nirvana. Há até uma discussão logo no início do longa sobre Kurt Cobain e outros ídolos do ocidente que morreram aos 27 anos.
Há diversos pontos importantes que podemos destacar dentro da narrativa de Faculdade de Artes, como por exemplo o lugar da mulher nessa sociedade que acaba de ter sua modernização iniciada. As personagens de Hao Lili e Gao Hong são duas amigas que estudam Música. Enquanto Gao Hong planeja se tornar uma intérprete de música clássica chinesa, Hao Lili se inspira em Debussy, Beethoven – entre outros – ao estudar piano.
Um fato curioso sobre esse longa é que, ainda que seja uma animação, é como se não houvesse traços chineses em sua composição. Ainda que estejamos acompanhando uma narrativa que se passa na China, com atores chineses dando voz a seus personagens, é como se algo estivesse faltando, e acredito que essa característica do trabalho de Liu Jian é colocada de maneira proposital, uma vez que estamos mais acostumados a obras que retratam períodos do país antes de sua abertura econômica ou mesmo durante a Revolução Cultural. Assistir a jovens que consomem e se inspiram pelo ocidente é diferente da representação usual da população jovem chinesa se estivermos pensando, por exemplo, nos trabalhos de Jia Zhangke, que empresta sua voz a um personagem.
Faculdade de Artes 1994 é um filme de discursos. Eles estão presentes em cada fala dita pelos personagens, e mesmo as ações que eles desempenham durante a narrativa são ditadas por algum tipo de discurso. Ao inserir indivíduos jovens que estão ingressando na vida adulta, a narrativa do longa potencializa a discussão sobre vocação, intuição, destino – como quisermos chamar –. Assistir a esses indivíduos lutando para encontrarem seus caminhos, seja na arte, em um casamento ou mesmo na saída do país é assistir a si mesmo em muitos momentos. Acredito que o apelo do longa esteja nessa característica.
Ao mesmo tempo em que os personagens buscam uma libertação, seja da mente fechada da academia ou de seus pais e mães, eles são confrontados por suas próprias convicções, que muitas vezes podem ser tão atrasadas quanto as de um adulto conservador. O ponto do filme de Liu é, talvez, o de mostrar que sempre teremos opções, enquanto formos jovens. O problema dessa questão é que a juventude não é eterna e em algum momento devemos enfrentar o problema, seja ele qual for.
Assistir a Faculdade de Artes 1994 e lembrar da juventude é uma ótima forma de ficar nostálgico, talvez seja por isso que esse foi um dos meus filmes favoritos da Mostra SP. Porém, acredito que não seja esse o único fator decisivo em minha experiência com o longa. É claro que quando uma obra, seja ela cinematográfica, ou um quadro, uma música, conversa diretamente com o pano de fundo do espectador, a associação e identificação é muito mais fácil e natural.
No caso de Faculdade de Artes 1994, imagino que qualquer um que o assista seja capaz de se identificar ao menos em alguma medida com as questões exploradas através dos personagens. A animação pode ser um pouco “estranha”, porém, agradável e confortável de se ver. Ao fim, retratar o comum e cotidiano para contar uma história às vezes é o melhor recurso possível que um criador pode utilizar. É efetivo e cumpre seu papel, que muitas vezes não é nenhum além de apresentar uma história sobre as confusões e angústias que a maioria dos jovens passam antes da vida adulta e as consequências que esse momento decisivo da vida de cada um traz consigo.
Filme: Art College 1994 (Faculdade de Artes 1994) Elenco: Dong Zijian, Zhou Dongyu, Dong Chengpeng, PAPI, Ren Ke, Huang Bo, White-K, Jia Zhangke. Direção: Liu Jian Roteiro: Liu Jian, Lin Shan Produção: China Ano: 2023 Gênero: Animação, Drama Sinopse: Um retrato da juventude ambientado no campus da Academia de Artes do Sul da China no início dos anos 1990. Ao mesmo tempo em que reformas institucionais abrem a China para o Ocidente, um grupo de estudantes universitários vivem intensamente enquanto dá os primeiros passos na vida adulta, quando o amor e as amizades estão interligados com atividades artísticas, ideais e ambições. Presos entre a tradição e a modernidade, eles agora têm que escolher quem querem ser. Classificação: 14 anos Distribuidor: Memento International Streaming: Indisponível Nota: 8,0 |