EDUARDO E MÔNICA

EDUARDO E MÔNICA

Renato Russo escreveu a música Eduardo e Mônica no começo da década de 80. Ela só foi lançada pela Legião Urbana em 1986 e, se muitos reclamavam do tom pessimista da maioria das músicas da banda, esta narrava uma história de amor improvável que dava certo ao final.

O diretor René Sampaio, que já tinha feito uma adaptação para o cinema de outra canção da Legião Urbana, Faroeste Caboclo (2013), expande o universo da música, que possui quatro minutos e meio, em um filme de quase duas horas e o mais impressionante é que a literalidade da adaptação com a inserção de diversas transições, para preencher as lacunas que o universo cinematográfico exige, sobretudo, quanto à espaço e tempo, acontece de forma extremamente harmônica e orgânica. A impressão é de que tudo que está no filme está na música e vice-versa.

Eduardo e Mônica não é a minha canção preferida da banda, a qual sou fã. Mas é inegável a sua importância na carreira da banda, principalmente, para seus fãs de Brasília. A música conta uma história de amor que se passa em Brasília, e como o próprio Renato Russo disse em entrevistas, as pessoas de lá iriam se identificar com várias passagens presente na letra. O filme consegue captar bem essa ideia. E como pontuei no capítulo anterior, o diretor absorve tudo da música e entrega algo ainda maior. Não que na musica original faltasse algo, mas uma vez que é concebido um longa adaptado, o áudio e o visual se complementam de tal maneira, que parece que em todo o filme estamos ouvindo a canção.

Falando em ouvir, é preciso pontuar aqui a belíssima trilha sonora com musicas da época e que acentuam o romance vivido pelos personagens Eduardo (Gabriel Leone) e Mônica (Alice Braga). Há o rock inglês, libertador, compartilhando essa característica com o espirito livre de Mônica e há, também, espaço para músicas como “Total Eclipse of The Heart” (música que faz parte também da trilha do longa Deserto Particular (2021), do diretor Aly Muritiba – minha crítica aqui) e que está em sintonia com o romantismo puro e inocente do garoto Eduardo.

Como na música, o longa vai trabalhar com os diversos contrastes entre os personagens e seus mundos também. No início vemos a câmera a todo tempo saindo do Eduardo, indo para Mônica e voltando para o Eduardo. É com esse frenesi que vamos percebendo as muitas diferenças entre eles. Não só no aspecto físico ou nas vestimentas, mas na maturidade e na forma de olhar o mundo. Quando já há um relacionamento estabelecido a câmera passa a ser mais lenta nessas alterações de personagens e “Eduardo e Mônica” passam a ser um personagem só.

Muito embora na canção haja a citação de conflitos como no trecho: “E também brigaram juntos muitas vezes depois”, era necessário que no filme isso acontecesse de forma mais marcante, algo que servisse de estímulo para o amadurecimento de ambos nessa caminhada que tinham pela frente para que tudo desse certo. É nesse ponto que a química dos atores/personagens é, então, testada. E, aqui, o menos é mais, já que não há momentos forçosamente dramáticos, mostrando, então, que a força do longa está na sutileza em como tudo é conduzido. E o filme se estabelece muito próximo ao que acontece na vida real, na qual as pessoas se decepcionam, criam expectativas e se frustram ao mesmo tempo que amam perdidamente. Esse não forçar a mão no drama passa, justamente, pelos alívios cômicos que existem na figura do próprio Eduardo, afinal é um garoto de 16 anos, com todo o tipo de receio, inicialmente, com Mônica. Mas quem rouba as cenas, na verdade, é o personagem Inácio (Victor Lamoglia). Ele funciona para seu amigo Eduardo como um incentivador, e por muitas vezes é quem tem o poder de sacudir um pouco as estruturas do amigo, que é criado por um avô militar e ultraconservador. E o desfecho do arco deste personagem, que possui um desenvolvimento em segundo plano, é lindo. Poderia ser melhor, caso não houvesse uma recaída no “macho padrão” quando Eduardo, ao demonstrar todo apoio ao seu amigo, incita uma certa violência. Mas talvez essa conduta tenha um pouco da educação recebida por seu avô, inclusive é o Avô Bira, ou melhor Seu Bira (Otávio Augusto), a personificação do primeiro conflito entre Eduardo e Mônica. Neste momento escolhas são feitas, sem qualquer tipo de reflexão e, claramente, a solução encontrada não agrada a nenhum dos dois. Ambos passam por provações e nenhum deles quer ceder. Estão absortos em suas vidas e em seus sonhos. Mônica quer ir para o Rio de Janeiro, para sair de um certo controle que sua Mãe, médica, tem por ela, já que ela é uma de suas residentes. Já Eduardo não se vê fora de Brasília. É ali que está sua história. E como ele mesmo diz que no sofá ninguém senta no lugar que sua mãe sentava para assistir novela, isso mostra que é alguém muito ligado à sua história, à sua família e às suas raízes.

A câmera então passa a viajar entre os personagens novamente, o tempo passa, e mesmo sem saber o final do filme, mas sabendo como a música acaba, é nítido que o reencontro é inevitável. Mônica, principalmente, é uma mulher com muitos conflitos com sua família (Mãe e Irmã) e esse senso de liberdade as vezes pode ser confundido com uma fuga daquela relação que ela tem. O filme gasta um certo tempo nesse entendimento dela como mulher, filha e irmã. E as reconciliações fazem parte do seu arco afim de que ela consiga se reconectar consigo mesma. E isto só é possível, em sua totalidade, nas suas manifestações artísticas, uma herança genética que puxou de seu pai.

Se no início Eduardo é um garoto imaturo e um pouco infantil, a sua modificação se dá justamente nessa vivência, não só na faculdade de engenharia civil mas na faculdade da vida. E ele é quem primeiro entende os conflitos entre liberdade e egoísmo em um relacionamento.

O roteiro, assinado por Matheus Souza, se mostra muito coeso e promove sempre algo presente na canção. Isto faz toda a diferença já que em nenhum momento nos desconectamos de ambas as mídias, a música e o filme. Eduardo e Mônica é um romance dramático muito gostoso de assistir. Um filme bem leve e embalado por uma trilha que nos joga no final dos anos 80 e com dois atores completamente sintonizados com seus personagens. Sentimos um afago a cada cena em que vemos Alice Braga e Gabriel Leone juntos.

O poeta Renato Russo certamente agradeceria por um filme como esse.


Filme: Eduardo e Mônica
Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Otávio Augusto, Victor Lamoglia, Fabrício Boliveira, Bruna Spínola, Juliana Carneiro da Cunha
Direção: René Sampaio
Roteiro: Matheus Souza
Produção: Brasil
Ano: 2020
Gênero: Romance, Drama
Sinopse: O romance entre uma estudante de medicina e um adolescente ainda no colegial pode dar certo? Adaptado da canção homônima de Renato Russo. Alice Braga e Gabriel Leone, dão vida ao casal que tem que superar as diferenças para viver um grande amor na Brasília dos anos 80.
Classificação: 14
Estréia: 20 de janeiro nos cinemas
Nota: 7,8

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