50 ANOS: A VIAGEM DE ALICE E DE SCORSESE NUM POSSÍVEL REGISTRO FEMINISTA DA AMÉRICA DE 1974

50 ANOS: A VIAGEM DE ALICE E DE SCORSESE NUM POSSÍVEL REGISTRO FEMINISTA DA AMÉRICA DE 1974

Efeméride? Efeméride é um substantivo feminino que se refere à comemoração de algum fato importante ou de uma data relevante.

O Cinema – cujo “nascimento” pode ser comemorado a partir de 22 de março de 1895 com a histórica exibição dos filmetes de 1 minuto dos irmãos Lumiére, no Le Grand Café, de Paris – já passou por diversas efemérides em seus 129 anos de existência. É claro que a comemoração de datas agrupadas em números subsequentes fica melhor para a divulgação e destaque dos fatos: daí o uso de sequências numéricas a partir de 5 – 10, 20, 30, 50 anos e mais – para publicizar datas importantes da sétima arte.

A introdução acima serve para identificar o conjunto de textos que iremos publicar numa efeméride cinematográfica que destaca os filmes cinquentenários do Cinema. Ou seja, aqueles produzidos em 1974 e que completam 50 anos em 2024. A proposta é selecionar obras que sobreviveram ao famoso teste do tempo e devem ser conhecidas (e reconhecidas) por suas qualidades, dificuldades ou polêmicas.

Obviamente, é uma lista de escolhas que pode ser contestada, atualizada e melhorada durante o próprio processo de escrita e publicação dos textos. Afinal, a definição de 22 de março no segundo parágrafo é um tanto arbitrária para atender ao objetivo desse texto – e pode ser questionada por historiadores e especialistas. Mas sigamos na proposta de passear pela memória cinematográfica em companhia de alguns filmes cinquentões.

Quarto filme dirigido por Martin Scorsese, “Alice Não Mora Mais Aqui” (Alice Doesn’t Live Here Anymore, 1974) é um projeto bancado pela atriz Ellen Burstyn, graças ao reconhecimento obtido pelas suas interpretações em “A Última Sessão de Cinema” (1971) e “O Exorcista” (1973) – ambas indicadas ao prêmio da Academia de Hollywood. Coincidentemente, o Oscar de melhor atriz foi conquistado em “Alice”.

A sinopse apresenta a história de Alice Hyatt (Burstyn), uma mulher de classe média baixa que, após a morte do marido, embarca em uma jornada junto com o filho para realizar o sonho de se tornar cantora. No caminho até Providence, ela trabalha em vários bares e enfrenta o assédio dos homens que encontra nas cidades; entre eles, o sedutor Ben Eberhardt (Harvey Keitel) e o romântico David (Kris Kristofferson). É uma história estruturada conforme o ideário feminista dos anos 1970 com uma protagonista que vai se fortalecendo durante a viagem e assumindo a responsabilidade e as consequências de suas decisões.

O deslocamento pelas cidades permite a diversidade de cenários e locações bem como a variedade de pessoas que Alice encontra em sua jornada. Interessante é como a agressividade e a violência dos homens aparece sob um verniz superficial de cordialidade; e a maturidade crescente que Alice desenvolve para lidar com as atitudes desses personagens. Ao aceitar um emprego de garçonete, a protagonista encontra a amizade da cínica Flo (Diane Ladd) e da atrapalhada Vera (Valerie Curtin) reforçando o apoio para que Alice possa tomar as decisões quanto ao seu destino no final de sua jornada.

Scorsese conduz a narrativa com uma câmera cúmplice dos personagens registrando suas emoções e ações com naturalidade e realismo. Os quartos de hotel, as casas, os bares, a lanchonete, o rancho são cenários que atraem o olhar do espectador e têm presença relevante no desenrolar dos acontecimentos. Depois do reconhecimento com Caminhos Perigosos (1973), o diretor encarou uma produção para mostrar que não era “apenas um realizador de fitas de gângsteres” e vai refinando uma elegância no registro das imagens cotidianas sem esquecer os momentos em que a violência irrompe na narrativa. Os clichês estão ali na história sendo subvertidos ou reforçados na narrativa de acordo com o ideal que o filme assume.

As cenas iniciais de “Alice” merecem destaque pela maneira como relembram “O Mágico de Oz” numa abordagem onírica em que a personagem se revela uma garotinha que quer realizar o sonho de se tornar uma cantora; é esta convicção e força que Alice vai reencontrar e amadurecer durante a sua jornada. Outro destaque é a participação especial de Jodie Foster como a atrevida Audrey, a amiga espertinha de Tommy (Alfred Lutter), o filho de 12 anos de Alice; fica evidente o talento que iria desabrochar em “A Menina do Fim da Rua”, “Bugsy Malone – Quando as Metralhadoras Cospem” e “Taxi Driver” – três filmes lançados em 1976.

Obra importante na construção do estilo de um dos maiores cineastas estadunidenses do Cinema, “Alice Não Mora Mais Aqui” sobrevive com a narrativa construída num ideal de feminismo setentista que valoriza o amadurecimento individual e pessoal da protagonista. Embora o início e o final da jornada sejam bem delimitados no filme, é evidente que o percurso da protagonista – com suas quedas e retomadas – tem a maior importância na obra. E a pequena Alice cresce, amadurece, foge e se fortalece para encontrar o seu destino ao final desta jornada.


Filme: Alice Doesn’t Live Here Anymore (Alice Não Mora Mais Aqui).
Elenco: Ellen Burstyn, Kris Kristofferson, Alfred Lutter, Diane Ladd, Harvey Keitel, Jodie Foster, Valerie Curtin.
Direção: Martin Scorsese.
Roteiro: Robert Getchell.
Produção: Estados Unidos.
Ano: 1974.
Gênero: Drama.
Sinopse: Alice Hyatt fica viúva e parte, com seu filho Tommy, para Providence em busca do sonhe de se tornar cantora. Na viagem, trabalha em bares e lanchonetes envolvendo-se com o sedutor Ben e o romântico David. A trama mostra a jornada de amadurecimento de Alice ao assumir as consequências de suas escolhas e superar os desafios emocionais.
Classificação: 14 anos.
Distribuidor: Warner Bros.
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

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