CRÍTICA – FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX

CRÍTICA – FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX

Em meio a múltiplos roncos de motores, engrenagens sujas de óleo e rostos manchados por graxa, ela (Furiosa) só tinha uma semente, um braço mecânico e um sonho. O de vingança. Não é só o retorno da saga Mad Max. É o retorno de um visionário por trás das câmeras: George Miller, um senhor australiano de quase 80 anos que sabe como poucos proporcionar a riqueza da adrenalina. Abençoado mais uma vez no Festival de Cannes, assim como em 2015 com Estrada da Fúria, Miller certamente já está honorado como o mestre da ação no século XXI. Parece que descontou todas suas frustrações orçamentárias nos anos 80 numa (até então) duologia de frenesi atemporal. FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX

Furiosa: uma Saga Mad Max conta a origem da icônica guerreira do deserto, dessa vez vivida por duas novas atrizes: a encantadora juvenil Alyla Browne, nos dois capítulos iniciais, que mostram a infância da Furiosa, e pela deslumbrante Anya Taylor Joy nos três capítulos finais. E é belíssimo destacar que, em meio a tanto caos (divinamente bem orquestrado pelo diretor mestre, diga-se de passagem), é dada a sutileza da intimidade de uma personagem feminina tão complexa rodeada por tanta testosterona. E a chave desse mérito reside na captação dos expressivos olhares das duas atrizes: dentro de toda a poluição visual, testemunhamos os expressivos e penetrantes da Furiosa ao decorrer de sua jornada de dor e vingança.

Planejado para ser gravado simultaneamente com Estrada da Fúria, o adiamento por conta de fatores climáticos, desavenças com a produtora e a pandemia de Covid-19 deixou “Furiosa” para quase uma década depois. Dito isso, a maior crítica a ser feita qualidade ao do filme de 2024 é a irregular queda de qualidade visual.

É verdade que 9 anos atrás, Miller se auto impôs a um limite impossível de ser superado. Contudo, por maior que seja o mérito em manter o nível épico das sequências de ação, é inegável que a parte visual está um degrau abaixo, principalmente quanto ao uso da tela verde. Enquanto Estrada da Fúria remetia a obras de arte em movimento, com perfeita harmonia entre personagens e ambiente – aqui, infelizmente não temos essa autenticidade e naturalidade no envolvimento dos atores com o ambiente.

Com um horizonte mais artificial e menos organicidade estética, a fotografia também fica afetada, prejudicando no estabelecimento da escala que era tão crível no longa antecessor. Felizmente, a franquia que se iniciou em 1979 tem seu salvador, já que Miller permanece ininterruptamente como a mente criativa que move a saga. E o mais corajoso é que ele se reinventa, deixando assim a obra imprevisível e com um teor inédito. Dessa vez separando a trama em capítulos, o roteiro se dedica mais ao desenvolvimento da protagonista, deixando a sinfonia automobilística suicida em segundo plano, mas sem nunca deixar de surpreender com cenas de tirar o fôlego em uma linguagem cinematográfica incansável movida por uma turbulenta orquestra à combustão.

Todos os tipos de ignição são acionadas: na cena mais marcante, temos motores de asa-delta, parapentes, e diversas novidades que só fortalecem para a mitologia e o folclore deste universo distópico, enquanto temos nossa Furiosa numa constante ascensão – inclusive, com um inusitado princípio de romance que, mesmo discreto, dá um gostinho de “quero mais”. Tom Burke, que vive o companheiro de Furiosa, Jack, tem uma presença interessante, e é sádico o não desfecho de seu arco com Furiosa.

Repetidamente chamado, com razão, de “mestre” nessa crítica, George Miller, além de confeccionar uma memorável experiência de caos ordenado, compreende perfeitamente o estabelecimento de ritmo, sabendo a hora de desacelerar e questionar: à medida que o mundo desmorona à nossa volta, como devemos enfrentar suas crueldades?

E por falar em crueldade, Chris Hemsworth vive um novo antagonista comicamente sagaz e memorável – seu personagem mostra mais uma vez a valentia de um filme que não se sustenta no sucesso de seu antecessor (ademais de carecer de seu visual) e que cria sua própria identidade.

Expandindo suas dimensões, incluindo no design de som brutal e o maior entendimento histórico quanto às cidadelas do deserto, Furiosa: uma Saga Mad Max eleva também o subtexto ecológico com o simbolismo da semente a ser plantada em uma terra infértil – a mesma terra violenta que roubou a Furiosa de seu éden materno e a fez iniciar sua saga.


Filme: Furiosa: A Mad Max Saga (Furiosa: Uma Saga Mad Max)
Elenco: Anya Taylor Joy, Alyla Browne, Chris Hemsworth, Tom Burke, Lachy Hulme
Direção: George Miller
Roteiro: George Miller e Doug Mitchel
Produção: Austrália
Ano: 2024
Gênero: Ação, Ficção Cientifica, Fantasia
Sinopse: Acompanhe a história de origem da guerreira do deserto, Furiosa.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Warner Bros
Streaming: indisponível
Nota: 8,5

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