CRÍTICA – ASSASSINO POR ACASO

CRÍTICA – ASSASSINO POR ACASO

O saudável Id, Ego e Superego de Linklater assassino por acaso

Na sua nova obra, Richard Linklater começa com uma exploração dos conceitos freudianos de Id, Ego e Superego, populares entre os usuários de redes sociais que buscam demonstrar inteligência. Surpreendentemente, ao invés de adular seu próprio ego como diretor, Linklater opta por uma abordagem sutilmente humorística. Ele utiliza a presença imagética de Gary Johnson (interpretado por Glen Powell) em uma rotina mundana e desinteressante, desafiando nossas expectativas, principalmente nossos pensamentos em torno daquela figura. Ao invés de diálogos profundos, somos confrontados com a simplicidade e normalidade desse personagem, convidando-nos a refletir sobre a complexidade subjacente à banalidade do seu cotidiano, a complexidade de apenas um homem comum.

Entre sua jornada como professor de psicologia e seu trabalho de meio período como agente da polícia, Gary Johnson decide sair de sua zona de conforto, deixando para trás o banco de uma van policial para assumir o papel de um assassino de aluguel. À medida que ele mergulha nesse novo papel, suas abordagens e a frequência de suas incursões começam a moldá-lo de maneiras inesperadas, transformando-o em um personagem concebido para confrontar seu medo de ser apenas um homem comum. Quando ele conhece uma mulher que pede para que ele mate seu marido, alegando um relacionamento abusivo, Gary começa a desenvolver uma empatia por ela, que logo se transforma em paixão e, eventualmente, em um tipo de amor.

Num longa-metragem que habilmente entrelaça diversos gêneros, como romance, comédia e thriller, a transição entre esses elementos não prejudica a obra; ao contrário, eles se amalgamam de forma harmoniosa na tela. Em vez de experimentarmos uma desconexão durante as mudanças de tom, somos envolvidos pela jornada emocional desse homem em crise, que emprega diversas máscaras sociais para sobreviver num mundo cada vez mais caótico. O que começa como a representação de um indivíduo comum logo nos confronta com os desafios de conviver com duas personalidades distintas. Um recurso visual marcante do filme é o uso da câmera, que frequentemente enquadra mais de um personagem em tela, mesmo em planos mais fechados, como os acima do ombro, criando uma sensação de presença de julgamento por parte dos outros corpos presentes. Quando a opção é delimitar apenas um corpo ou rosto, isso gera uma tensão maior no ambiente; se não há corpo, então quem está julgando diretamente o personagem somos nós, os espectadores.

A metamorfose do professor tímido para um assassino experiente ocorre de forma gradual, enquanto ele continua a desempenhar suas funções policiais cotidianas. Conforme interage com diferentes criminosos, ele adapta sua aparência visual para se adequar a cada cliente. Esse aspecto da trama também proporciona um tom humorístico, que brinca com os clichês e estereótipos dos filmes de assassinos, transformando Gary em personagens recorrentes desse gênero cinematográfico. Além disso, há uma montagem criativa que adiciona um elemento didático interessante, revelando aspectos intrigantes de Richard Linklater.

As cenas entre Gary e Madison (Adria Arjona) exemplificam uma química poderosa, revelando dois indivíduos em crise que transformam suas frustrações em algo que se assemelha ao amor tradicional. Através da peculiaridade de sua relação, eles encontram uma conexão profunda, expressando sentimentos genuínos um pelo outro. O ápice desse amor improvável é quando Gary, em um momento de intensidade emocional, confronta o ex-namorado de Madison, mostrando-se disposto a tudo para protegê-la, como uma arma na cabeça dele, um gesto que redefine o curso dessa história e desafia sua cabeça com conceitos freudianos.

Para remediar os desafios tumultuados de seu relacionamento, Gary se vê obrigado a assassinar um de seus colegas policiais, devido aos complicados desdobramentos envolvendo sua amada e a morte de seu ex-namorado. Num instante, Gary Johnson desaparece e a identidade da vítima é substituída por um saco de supermercado. Com um último suspiro, ele morre, assim como Gary Johnson naquele dia.


Filme: Hit Man (Assassino por Acaso)
Elenco: Glen Powell, Adria Arjona, Austin Amelio, Retta, Molly Bernard e Evan Holtzman
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater e Glen Powell
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024.
Gênero: Romance, Policial e Comédia
Sinopse: Gary Johnson (Glen Powell) é o assassino profissional mais procurado de Nova Orleans. No entanto, nem tudo é o que parece: para os seus clientes, Gary passa como um assassino de aluguel comum, mas, na verdade, ele trabalha para a polícia. Como parte do seu trabalho, ele investiga a vida daqueles que o contratam para eliminar outra pessoa. Gary sempre seguiu a risca o protocolo do seu trabalho, até um dia em que ele precisou ajudar uma mulher desesperada tentando fugir do seu marido abusivo e se viu encarnando uma das suas falsas personas apaixonando-se pela mulher e flertando com a possibilidade de se tornar de fato um criminoso..
Classificação: 14 anos.
Distribuidor: Diamond Films
Streaming: Indisponível.
Nota: 9,0

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