O quinto dia de exibições do festival, realizado no Cineteatro do Parque, no centro do Recife (um dos últimos cinemas de rua da capital pernambucana), foi dedicado à projeção de documentários nacionais de todas as regiões do país.
CACICA: A MULHER XAVANTE, de Jade Rainho
Abrimos com Cacica: A Mulher Xavante, do Mato Grosso, de Jade Rainho. Nesta experiência singela e singular, respiramos natureza ao passo em que somos alertados do quão íngreme e perigoso está sendo o caminho traçado para o futuro da preservação da memória e identidade indígena e à sobrevivência da flora brasileira.
Somos incorporados à perspectiva da encantadora Carolina Hewaptu. Além de ser uma mulher extremamente valente, é a líder indígena considerada primeira Cacica brasileira. Somos gentilmente apresentados à sua integridade intelectual e à sua luta pela educação, como professora. O documentário nos imerge à uma espécie de “encantamento indelicado”, pois por mais que seja um prazer conhecer Hewaptu, é também muito duro saber todo o sofrimento passado e enfrentamento que ainda persistirá adiante – o documentário sabe provocar urgência nesse tema tão atual.
Adotando a musicalidade como estratégia narrativa, temos aqui a imponência das vozes nativas e dos tambores indígenas, num documentário que se desenrola através de um fluxo musical radiante. É como se a cena final de Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, fosse incorporada à uma penetração simbólica da luta indígena brasileira contra o extermínio, e ainda lançando o convite a uma conexão com a natureza.
VERMELHO-OLIVA, de Nina Tadesco
O próximo documentário é uma fotomontagem monotônica carioca chamada Vermelho-oliva, de Nina Tadesco. Muito semelhante ao Democracia em Vertigem, da Petra Costa, temos uma diretora ativista política, que é a narradora e protagonista, fazendo uma leitura de seu posicionamento diante de sua família conservadora, que de certa forma, corroborou para a ditadura militar no Brasil. A estrutura é simples: Nina Tadesco narra imagens que passam em formatos de slide (incluindo a adição dos barulhos de um projetor ao trocar de um slide para o outro).
O documentário, todavia, é irrelevante. A diretora protagonista fala de si mesma, como reitora de cinema na UFRJ, e, infelizmente, faz uma grande lamentação desinteressante e chorosa, beirando uma redundância histórica sem profundidade e sem reflexão. Ela supõe que o conteúdo seja o bastante para a confecção desde trabalho. No entanto, é apenas uma mostração rasteira, que revela alguma qualificação formal, mas anulação da expansão dialética. Existe, por exemplo, uma diferença entre realizar uma obra pessoal semi-biográfica e de mostrar fotos de si própria em sequência (como literalmente acontece) ao som de sua própria narração, falando ainda mais de você mesma, ou falando, com todo respeito, o “óbvio”, a respeito do golpe militar de 64.
Infelizmente, um material muito centrado no próprio umbigo, incapaz de engrandecer qualquer perspectiva ou de inserir relevância por si só.
GUARACY, de Eliete Della Violla e Daniel Bruson
Adiante, temos a obra-prima da noite: a animação Guaracy, do interior paulista, dirigido pela dupla de artistas visuais Eliete Della Violla e Daniel Bruson. Guaracy é o nome do vô de Eliete. E conhecê-lo (incluindo suas dualidades simbólicas) foi realmente o prazer da noite.
A começar pela colagem misturada ao stop motion: técnicas adotadas com autoralidade promovendo um estilo único. E ainda mais complexo que isso, foi pincelar as facetas de um ser humano, o Seu Guaracy, numa abordagem nostálgica multidimensional e extremamente tocante. O vô é era policial, em casa era alegre, amava música, tocava violão. Mas de repente, Eliete (neta e narradora) se questiona: “Será que o vô já matou alguém”?
É como se Eliete pincelasse memórias, afetos e as curiosidades de seu inconsciente e as expusesse num amontoado de complexidades animadas como um registro imortal e leal à sua própria identidade e relação com seu avô. Os filmes nunca morrem, e a memória, como guardiã do passado, está preservada com sucesso, ainda que certas dúvidas ainda não tenham respostas.
GEOGRAFIA AFETIVA, de Mari Moraga
Finalizando, expandindo Brasil à fora: temos o também sensacional Geografia Afetiva, da diretora Mari Moraga. Este documentário é poderoso porque carrega consigo o poder do registro genuíno em busca do desvendar de suas origens: Mari, gaúcha que mora em SP, vai atrás de suas origens em El Salvador, quando sua família precisou ser separada após a guerra civil.
Geografia Afetiva é, como sugere o título, um vai-e-vem em busca de desvendar este quebra-cabeça de sua origem, e de seus laços afetivos. O documentário possui uma elegância exuberante, e gera no espectador, além do interesse pelo desfecho da busca de Mari, a possibilidade de se conectar através de auto reflexões.
Diferente de Guaracy, onde as memórias são resgatadas de forma mais direta e espontânea, Geografia Afetiva é mais sucinto e sem pressa nesse resgate. Ainda assim, é carpintado com muita precisão e primazia.
CONCLUSÃO
Por fim, podemos dizer que este quinto dia foi dedicado à uma viagem pelo Brasil (e américa central) repleta de singularidades: assim como deve ser, culturalmente diverso e consciente do poder transformador do Cinema; este país.