A Conversação é um suspense de Francis Ford Coppola, de 1974. Nele, acompanhamos Harry Caul, interpretado por Gene Hackman, um especialista em trabalhos com investigação e captura de áudios sem ser notado. Para mim, as palavras-chave do filme seriam ansiedade, paranoia e obsessão, porém Coppola disse, em sua masterclass no dia 31 de outubro, no Teatro Guaíra de Curitiba, que a palavra-chave é “privacidade”. Entendo o motivo, afinal é daí que nasce toda a angústia do protagonista. Seu desejo por manter sua vida privada a todo custo pelo medo de fazerem com ele o que faz com os outros. A partir disso vemos outra característica de Harry Caul, a culpa. Um sentimento de tamanha força capaz de conduzir a trama. Por se tratar de um suspense, descobrir a verdade sobre o principal mistério nos prende na cadeira do início até o fim. Somos levados pelos delírios angustiantes de Harry supondo todos os possíveis fins terríveis para as vítimas dessa história e, por isso, não se consegue parar de assistir o filme depois de começar.
Por meio do áudio capturado em seu trabalho, Harry escuta a conversa gravada inúmeras vezes ao ponto de levá-lo à loucura. Ele repete o áudio das fitas tanto no aparelho de som quanto em sua mente ao ponto de distorcer a realidade e criar cenários futuros. Ai está um dos pontos mais interessantes do filme, a manipulação da verdade. Por mais que ele melhore o áudio, escute com atenção, repita de trás para frente ou escute cada parte fazendo anotações, nunca saberá o que está por trás das palavras daquelas pessoas. Ele não as conhece o suficiente para entender os detalhes da conversa e nem faz ideia do motivo pelo qual foi contratado para gravar aquilo. No entanto, por se sentir culpado por um trabalho anterior que levou a morte de uma família, ele começa a investigar as falas tentando encontrar indícios de que aquelas pessoas também estão em perigo. Harry quer ter a certeza de que se ele entregar as fitas levará à morte daquelas pessoas, para assim, poder fazer a escolha de não entregá-las e não se envolver mais uma vez com um assassinato que poderia impedir. No entanto, sua memória começa a relembrar os fatos cada vez com mais ruídos de suas fantasiosas suposições e sua mente chega ao ponto de sonhar com a futura cena do crime. Essa representação que Coppola faz de como uma mente ansiosa trabalha sobre pressão é impecável. De fato, não há lugar para a razão em uma cabeça desgovernada pela obsessão.
Na masterclass em Curitiba, Coppola deu dicas sobre como trabalha para os jovens cineastas que lá estavam. A primeira, e por ele dita como mais importante, é que a direção deve sempre ser pessoal para aquele que dirige. Assim, assistindo “A Conversação”, noto como ele pratica isso. Esse é um filme de suspense, o caminho mais usual feito por muitos quando se aventuram por esse gênero é homenagear Hitchcock imitando algumas características dele. Porém, não é o que Coppola faz, ele permanece verdadeiro ao seu estilo pessoal do início ao fim. Vejo isso na dificuldade do protagonista lidando com seus dilemas de “bom ou mau”, no catolicismo aqui intensificando a culpa de Harry, e o intimismo com a mente conturbada do personagem.
Outra dica de Coppola foi “a 1ª melhor coisa que escreveu deve ficar no final, a 2ª melhor no começo e a 3ª melhor no meio”. Consigo ver a primeira cena, o momento em que gravam a conversa, como o segundo melhor momento do filme e a sequência da festa no escritório de Harry, com seus amigos que levam ao seu delírio e pesadelo, como o terceiro melhor. Porém, acredito que tem mais de uma melhor sequência no final. Acredito que o momento em que a verdade é revelada no prédio do chefe de Harry e quando ele destrói sua própria casa com o medo de estar sendo vigiado, são os “primeiros” melhores momentos do filme. Como Coppola explica, é importante ter o melhor no final para agradar sua audiência – e ele está certo, me agradou muitíssimo.
Em conclusão, A Conversação é um clássico do cinema e um grande filme de suspense à Francis Ford Coppola. Nele vemos as experimentações de linguagem do movimento da Nova Hollywood¹ e a autoria do diretor de forma nítida. Coppola é sempre verdadeiro em suas produções e nessa não seria diferente. Ter tido a oportunidade de, no mesmo dia, vê-lo tão perto na minha frente falando sobre cinema e, mais tarde, poder assistir esse filme foi uma experiência única. O que me permitiu assistir esse filme com uma visão diferente da que teria se tivesse assistido quando meus professores indicaram na faculdade. Não assisti como dever de casa, mas para apreciar a obra de um grande artista. Pois, “A Conversação” é acima de tudo uma obra de arte do artista Coppola que faz uso de sua maestria para materializar o sentimento motor do suspense, a ansiedade.
- Nova Hollywood foi o movimento que nasceu da insatisfação de cineastas com o modelo industrial da Hollywood das últimas décadas. Desejando representar de fato o que estava acontecendo no mundo ao redor, cineastas estadunidenses começaram a gravar filmes sem a necessidade de uma estrutura gigantesca, apostando em cenários reais nas ruas e em locações urbanas. Iniciou-se com “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Bala” (1967) e com o fim da censura feita pelo Código Hays – e se encerrou com o fracasso de “O Portal do Paraíso”, de Michael Cimino, em 1980. Coppola fez parte desse movimento, assim como, Martin Scorsese, John Carpenter e David Lynch.
Filme: A Conversação (The Conversation). Elenco: Gene Hackman, John Cazale e Allen Garfield. Direção: Francis Ford Coppola. Roteiro: Francis Ford Coppola. Produção: Estados Unidos. Ano: 1974. Gênero: Drama, Mistério e Suspense. Sinopse: Um especialista em vigilância, paranoico e reservado, tem uma crise de consciência quando suspeita que o casal que ele está espionando será assassinado. Classificação: 14 anos. Distribuidor: Paramount Pictures. Streaming: Apple Tv e Prime Video. Nota: 9,0 |