O Confronto (2014) e A Guerra (2017) se destacaram em seus respectivos anos de lançamento, apresentando um padrão de qualidade bem acima dos blockbusters contemporâneos – essa categoria de filmes, que anteriormente já nos proporcionou obras como Titanic (1997) e Matrix (1999), carecia de títulos mais criativos e ambiciosos. Além dos efeitos visuais da franquia Planeta dos Macacos, que impressionam tanto pela qualidade quanto pelo seu propósito à história, os filmes também propunham uma narrativa densa, contada de maneira eficaz, com personagens marcantes – sobretudo César- e cenas de ação impactantes. Além disso, desde o clássico de 1968 até hoje, as discussões sobre a natureza humana e a sua relação com o mundo eram incorporadas na narrativa. Ao combinar uma trama densa com uma experiência cinematográfica empolgante – em que Matt Reeves se tornou figura crucial -, Planeta dos Macacos se consagrava como um blockbuster verdadeiramente ambicioso.
Certamente O Reinado (2024) resgata o interesse pela franquia, que já estava adormecido desde o lançamento de A guerra (2017), sete anos atrás. Ao promover um tour pelos lugares-comuns do universo, com paisagens que evocam principalmente O Planeta dos Macacos (1968), instiga no espectador uma busca pela conexão entre o presente e o passado da franquia. César, macaco que se consolidou como símbolo de liderança e revolução nos filmes mais recentes, continua tendo um papel importante aqui, mas dessa vez não em vida, e sim através do seu legado. Assim como Deus fez o homem à sua semelhança, o protagonista Noa é feito à semelhança de César, sugerindo uma conexão tanto física – a cicatriz no peito – quanto simbólica entre os dois, facilitando a transição para uma nova fase da franquia. Resgatando elementos visuais e temáticos desse universo, pavimenta o caminho para uma nova era de Planeta dos Macacos.
A jornada do protagonista é composta por diversas camadas apresentadas logo no primeiro ato. Em uma ação de extrema crueldade, o clã Águia é saqueado e seus membros sequestrados. Noa, que escapa, é encarregado de trazer a sua família de volta. O impulso para o resgate emana da necessidade – que se torna sua principal motivação – de honrar a memória de seu pai Koro, líder do clã morto no ataque. As jornadas física e interna são acrescidas de uma dimensão mítica simples, mas instigante. Raka, o orangotango gigante com quem segue viagem, se torna o seu guia espiritual e transmite os ensinamentos de César. Como uma reverência quase messiânica, Raka transfere a Noa a responsabilidade de passar adiante esse legado e promover a paz entre macacos e humanos. Ao estabelecer essas premissas cuidadosamente, desenvolvendo tanto personagens quanto o universo visual que pavimentarão a narrativa, o filme se propõe denso e impactante.
Assim como nos dois filmes anteriores, o ritmo em O Reinado (2024) é deliberadamente lento, favorecendo uma construção mais gradual da história, coerente com a abordagem minuciosa que o início do filme impõe. Em vez de apressar os acontecimentos, como é comum em grande parte dos blockbusters, o ritmo contemplativo convida o espectador a refletir não apenas sobre os elementos da jornada de Noa, mas também sobre o legado de César e as tensões existentes entre o passado e o presente da franquia. Ao definir muito bem os caminhos que a narrativa propõe, além de estabelecer a atmosfera, em que se inserem as construções visuais e as demarcações de ritmo, o filme opta por um itinerário estético-narrativo que em muito lembra O Confronto (2014) e A guerra (2017), de Matt Reeves, e que em muito se distancia de A Origem (2011) e Planeta dos Macacos (2001).
Ao percorrer esse itinerário, o filme articula elementos estéticos que são comuns a diversos filmes da franquia. As florestas densas e inexploradas, palco para emboscadas, e as paisagens sombrias e desoladas, que intensificam a luta pela sobrevivência. Esses códigos não apenas definem Planeta dos Macacos, como também formam a espinha dorsal do primeiro gênero a explorar essas relações: o Faroeste. O confronto entre as noções de civilidade e barbaridade, onde se exploram as fronteiras entre humanidade e selvageria, presente em Planeta dos Macacos, ressoa diretamente as dinâmicas do gênero. Assim, O Reinado (2024) estabelece um diálogo visual que serve de palco não só para as tensões entre o passado e o presente da franquia, mas também de ressignificação e reinterpretação das convenções do faroeste anteriormente exploradas , mas que aqui amplificam o seu efeito.
A exploração dos efeitos visuais, especialmente a computação gráfica (ou CGI), é integrada de forma significativa à proposta do filme, contribuindo tanto para a construção imagética quanto para o reforço negativo. Ao compor paisagens que ajudam a expressar o tom das cenas ou conflitos internos dos personagens, e ao fomentar esse diálogo de imagens entre os filmes da franquia e o gênero de faroeste, o CGI desempenha papel crucial na estética do filme, ao mesmo em tempo que estimula discussões filosóficas. Essa abordagem, que vai muito além de um uso fetichista ou voltado somente para a distração (“à La Marvel”), aproxima-se de blockbusters clássicos como Titanic (1997) e Matrix (1999), aliando inovação e profundidade estético-narrativa.
Entretanto, na medida em que vai se aproximando do desfecho, a impressão é que o filme se perde em diálogos e digressões desnecessários, até mesmo redundantes. A jornada de Noa, que antes apresentava diversas camadas e possibilidades de significado, vai perdendo a sua ressonância, e sua complexidade vai se diluindo gradativamente, comprometendo a sua força inicial. Somado a isso, o apuramento visual também vai sendo gradualmente abandonado. Dessa forma, a narrativa vai perdendo a harmonia entre os elementos que a compõem, abandonando um dos principais pressupostos de um blockbuster: possuir uma narrativa eficaz, envolvente até o final.
Os dilemas do protagonista, entrelaçados já de maneira não tão equilibrada, culminam no confronto com Proximus César. O antagonista, além de distorcer os ensinamentos que foram deixados por Césarfoi o responsável pelo sequestro do clã de Noa. Assim, o enfrentamento do vilão representa não somente a liberdade do seu clã, mas também é simbólica, pontuando finalmente a conquista do orgulho do seu pai e a reafirmação do legado de César. O confronto, que deveria ser o ponto culminante da narrativa, onde todos os conflitos encontram o seu clímax, ocorre em um momento que já não há tanto interesse do público, diluído pela perda de foco e ausência de equilíbrio. Isso enfraquece tanto o impacto da jornada de Noa quanto a presença de Proximus César como antagonista, resultando em um desfecho aquém do esperado para um blockbuster de tal magnitude.
O Reinado, apesar das imperfeições apontadas em sua narrativa, faz com que a franquia Planeta dos Macacos continue a se destacar entre os blockbusters contemporâneos. Isso não ocorre somente pelos efeitos visuais que continuam a impressionar, mas também pela sua habilidade em articular reflexões interessantes e adotar uma abordagem estética incomum, sem abrir mão do entretenimento. Além disso, o longa resgata o interesse que estava adormecido desde o último lançamento, que marcou o encerramento da trilogia de César. Combinando elementos nostálgicos e novas propostas, O Reinado (2024) se estabelece como prenúncio de novos trabalhos, sinalizando o início de uma nova fase para a franquia, em que o legado de César – e a marca de Matt Reeves -, continuará a moldar o seu futuro.
Filme: Planeta dos Macacos: O Reinado (Kingdom of the Planet of the Apes) Elenco: Freya Allan, Kevin Durand, Owen Teague, Peter Macon Direção: Wes Ball Roteiro: Josh Friedman, Amanda Silver, Rick Jaffa, Patrick Aison Produção: Estados Unidos Ano: 2024 Gênero: Ação, Ficção Científica Sinopse: Muitas sociedades de macacos cresceram desde quando César levou seu povo a um oásis, enquanto os humanos foram reduzidos a sobreviver e se esconder nas sombras. Um líder macaco começa a escravizar outros grupos para encontrar tecnologia humana, enquanto um jovem macaco, que viu seu clã ser capturado, embarca em uma viagem para encontrar a liberdade, sendo uma jovem humana a chave para todos. Classificação: 14 anos Distribuidor: 20th Century Studios Streaming: Disney+ Nota: 6,5 |