CRÍTICA – A FAVORITA DO REI

CRÍTICA – A FAVORITA DO REI

“A Favorita do Rei” é um filme dirigido, protagonizado e roteirizado por Maïwenn. A história é sobre a vida de Jeanne Vaubernier, interpretada pela diretora, sendo ambientada pouco antes da época de Maria Antonieta e da Revolução Francesa – e com um foco maior ao recorte da vida de Jeanne, no Palácio de Versalhes, como amante do rei Luís XV (Johnny Depp). Visualmente é uma obra muito bem dirigida, porém em sua narrativa encontramos as falhas comuns a cinebiografias e ainda mais comuns a filmes em que a direção também atua como personagem principal.

Na primeira parte do filme, somos apresentados a infância e adolescência de Jeanne de maneira breve. Pela necessidade dos pontos de virada acontecerem o mais rápido possível para chegarmos a Versalhes, alguns acontecimentos parecem arquitetados demais; mesmo assim, é uma parte do filme agradável de assistir por conta da narração e da fotografia. Há uma beleza na maneira de filmar que, somada à narração, parece nos levar a um local de fábula, um mundo encantado, onde – por mais terrível que possa ser – tudo que acontece com Jeanne não a perturba tanto quanto poderia; ela se apresenta como uma personagem que aceita tudo o que lhe acontece e vive sua vida como pode.

Por conta da leveza da protagonista ao lidar com sua situação, o arco inicial parece um quadro Rococó, principalmente nos cenários da natureza, nas casas nobres e quando ela está com suas roupas enfeitadas de cortesã. E podemos dizer que o filme continua com esse belo visual, porém não é o suficiente para agradar o público. Afinal, quando vamos ao cinema queremos mais do que um belo quadro.

Em se tratando de uma cinebiografia, é interessante observar as escolhas feitas em relação ao recorte da vida da personagem. Vemos com rapidez sua infância e adolescência na pobreza, provavelmente com a intenção de nos fazer simpatizar com sua história; depois debruçamos por longo tempo em sua vida como amante de Luís XV e, por fim, há uma breve passagem narrada sobre seus últimos anos de vida. Essa passagem final é o que mais me chamou atenção. Positivamente não nos apresentaram esses fatos finais em uma tela preta com letras em branco – o que é extremamente sem graça e muito comum em cinebiografias.

Permanecendo com o formato apresentado na primeira parte, temos novamente uma narração e o plano enquadrado é uma paisagem. A cena consegue nos colocar no ponto de vista de Jeanne, mesmo ela não estando ali. Isso demonstra como a direção tem respeito pela personagem. No entanto, o que me desagrada nessa passagem é um defeito do filme que a cena intensifica. Defeito causado pela admiração cega com a figura de Jeanne. Aqui contam os seus últimos anos de vida e como ela se reaproximou da monarquia; por isso, foi julgada e sentenciada à morte pela revolução. Contar esses fatos não é um problema, mas a forma como isso foi feito dá a entender que acreditam que ela não deveria ter sido sentenciada, pois veio de origem pobre.

Além disso, sugerem que Zamor, africano comprado quando era uma criança pelo rei Luís XV para servir a ela, traiu Jeanne ao se unir a revolução. O que se esperava? Que ele vivesse contente e servindo a monarquia para sempre? A representação desse personagem no filme é claramente outro problema porque fica dúbia a relação entre ele e Jeanne; uma hora dá a entender que Zamor era como um filho para ela, em outros momentos apenas um servo. Essa confusão e a necessidade do filme transformar Jeanne em uma vítima perfeita de seu acaso – quase uma santa que nunca fez nada de ruim a ninguém e uma pobre mulher que não deveria ter sofrido com a Revolução Francesa, apesar de viver dos frutos da monarquia – transforma a história em algo muito mais raso. Assim como um quadro Rococó.

Não há necessidade alguma de uma cinebiografia retratar a figura histórica com uma admiração tão gigantesca, bem como a falta de respeito deve ser evitada. Dessa forma, o filme peca ao agir como se o mais interessante na vida de uma pessoa fosse apenas suas qualidades ignorando seus defeitos. Acredito que uma das grandes razões disso é o fato de Maïwenn estar no roteiro, na direção e interpretando Jeanne. É comum vermos diretores-atores tentarem esse tipo de produção e falharem no mesmo ponto que Maïwenn falha aqui. Por se colocarem na posição da atuação, estudam aquela personagem com enorme paixão e desejam honrá-la com o respeito e admiração que acreditam ser merecido.

Assim, o filme se torna um estudo de personagem mais do que uma contação de história. Raros são os casos de uma direção-atuação que consegue fazer os dois bem, Maïwenn não é um desses. “A Favorita do Rei” se torna, dessa forma, um filme mediano e facilmente esquecível por perder a oportunidade de contar uma história com as complexidades que deixam a vida mais interessante.


Filme: A Favorita do Rei (Jeanne du Barry)
Elenco: Johnny Depp, Maïwenn, Stanislas Stanic
Direção: Maïwenn
Roteiro: Maïwenn, Teddy Lussi-Modeste, Nicolas Livecchi
Produção: França
Ano: 2023
Gênero: Biografia, Drama, História
Sinopse: Jeanne Vaubernier, uma jovem trabalhadora faminta por cultura e prazer, usa sua inteligência e charme para subir os degraus da escada social, um por um, até conhecer e iniciar um relacionamento escandaloso com o rei Luís XV.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Le Pacte
Streaming: Prime Video
Nota: 5,0

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