CRÍTICA – O SENHOR DOS ANÉIS: A GUERRA DOS ROHIRRIM

CRÍTICA – O SENHOR DOS ANÉIS: A GUERRA DOS ROHIRRIM

Houve esperança em algum momento? Talvez a esperança de que não fosse um  fracasso total como tantos outros filmes que buscam promover a empolgação através da divulgação de nomes envolvidos na produção da trilogia renomada de O Senhor dos Anéis (2001-2003). Lembro-me até hoje o caso de Máquinas Mortais (2017), em que no meio do trailer estava escrito em grandes palavras “dos mesmos produtores de O Senhor dos Anéis” como um meio de validação para o público ir aos cinemas e ter uma experiência tão grandiosa, épica e emocionante similar a de uma das trilogias mais reconhecidas da história do cinema contemporâneo.

Aqui em específico é a velha tática de associar ao nome do diretor da trilogia, Peter Jackson, pois, se ele está envolvido na produção do longa-metragem animado, logo devemos confiar que o projeto está em boas mãos, não é mesmo? Olha, com o perdão das palavras, preciso utilizar de certa informalidade para expressar os meus mais honestos e profundos sentimentos em relação a esse novo título que compõe o universo cinematográfico da Terra-média… Um simples e direto p*** que p*****. Prometo ser o único momento em que palavras de baixo nível se manifestarão nessa crítica porque gera certa sensação libertadora falar dessa maneira; afinal, ao sair do cinema em plena meia-noite, no meio de uma semana corrida, após uma experiência no mínimo medíocre – e ao máximo horripilante –, é necessário algum palavrão para limpar a alma. Então venha comigo para entender as tantas problemáticas e erros presentes nesse longa-metragem.

O recorte histórico-narrativo escolhido pelos roteiristas é embasado em acontecimentos registrados pelo próprio autor J. R. R. Tolkien, adaptando uma guerra que ameaçou a estabilidade e continuidade do reino de Rohan frente as ameaças orientais dos Haradrim. Descobrimos, assim, que O Retorno do Rei não foi a primeira vez que os cavaleiros de Rohan se defrontaram com os Orifantes colossais e seus guerreiros ferozes. A protagonista Héra, filha do famoso rei Helm Mão-de-Martelo (que recebe a eternização de sua força com seu nome sendo alcunhado na fortaleza de Abismo de Helm), testemunhará um conflito político entre casas nobres pelo trono de Rohan. Nosso vilão é Wulf, filho de Freca, que vê o pai sendo morto em um duelo com Helm e jura vingança.  O longa-metragem toca em várias temáticas: o preconceito contra povos não majoritários na região de Rohan, a desqualificação das mulheres no campo de combate (simultaneamente se opondo a essa visão por colocar Héra como protagonista e tendo como parceira Olwyn, uma protetora que é sobrevivente de uma extinta casa de mulheres guerreiras), a cegueira dos líderes que ignoram as opiniões mais jovens e, por fim, o sacrifício e a luta pela proteção daqueles que amamos.

Talvez o aspecto de maior qualidade ao longo de todo o filme seja a construção das personagens que compõe a centralidade da história, por mais rasos que alguns possam ser. Não há dificuldade em compreender suas personalidades e seus traços de ação, mesmo que tenham clichês (como o famoso personagem do garoto pequeno com personalidade mais boba e desastrada entre o elenco de adultos) não há espaço para uma construção superficial daqueles que ganham tempo de tela. Dentre todos os presentes (e existe um grande elenco de personagens), o maior acerto está em Héra e Wulf, amigos de infância que possuíam sentimentos um pelo outro e agora devem lutar em campos opostos pelas adversidades que a vida impôs sobre eles. Héra é de longe a maior qualidade do filme e isso envolve não só a qualidade textual, pois os visuais da personagem são um dos poucos que quase não possuem cenas de estranheza, tendo em sua grande parte o uso da animação 2D no estilo mais tradicional. A personagem demonstra força e determinação, relembrando a construção de Éowyn na trilogia original (que é também a voz narradora do filme) e nos encantamos com suas tomadas de decisão que em nenhum momento beira o exagero ou a idiotice.

Houve certa polêmica, quando a produção foi anunciada, dos famosos conservadores que acusaram o filme de “woke” por dar o enfoque em uma personagem feminina o que deixaria de lado a figura de Helm Mão-de-Martelo, porém, longe disso, Helm possui um longo tempo de tela e todo um arco narrativo bem estruturado sobre sua personalidade não esquecendo de realçar o porquê de seu apelido de guerra. Wulf já é o clássico vilão que sacrifica tudo em nome da vingança, abandonando a honra e o respeito, ambicionando objetivos que giram em torno de satisfazer o vazio da perda de seu pai, assim manipulando e eliminando qualquer um que se mostre um empecilho em sua jornada. É clichê, mas, comparado à tantos outros elementos, é uma luz no túnel. Vale a pena citar, também, a trilha sonora; porém, as músicas originais trabalham em cima dos temas já criados por Howard Shore na trilogia original, logo existem variantes temáticas dos Rohirrim e dos cenários de Rohan. Geram sentimentos nostálgicos e apelativos, no entanto, nada novo ou grandioso, apelando para os apegos emocionais. Nem tudo são flores, certo?

Existem duas camadas problemáticas com a animação: estética e técnica. A adaptação da Terra-média para o estilo japonês – optando pelo modelo bishoujo, em que todo o elenco é belo e homens e mulheres possuem traços compartilhados de masculinidade e feminilidade – não parece ter sido a melhor escolha para animação. A estranheza de ver personagens no estilo característico dos romances em “anime” de guerreiros(as) medievais promove um quê de resistência, o qual, somando-se ao trabalho de dublagem original (sim, cometi o erro de assistir o longa-metragem dublado em inglês…), que não é das mais impecáveis, deixa a sensação alienígena de que a obra foi gerada por uma inteligência artificial de qualidades duvidosas.

Quando se puxa o aspecto técnico, que busca mesclar 2D com 3D, apelando-se para um falso “2D” em muitos momentos, as personagens possuem movimentações não naturais e travadas, havendo inúmeras cenas em que o cenário de fundo com estética mais realista ressalta a bizarrice 3D. Isto acontece, principalmente, nos diálogos longos – em que se tentou passar naturalidade fazendo os personagens gesticularem repetidamente e anormalmente –, nos momentos de batalha com muita coisa acontecendo em cena (como assisti o filme em uma sala IMAX, esses detalhes ficaram gritantes) e nas passagens mais íntimas dos personagens sozinhos interagindo com os próprios pensamentos e objetos da cena – aqui nem mesmo Héra se salva.

Existem momentos em que a animação possui qualidade – os efeitos sonoros são incríveis. Ressalto aquele em que o bando de Héra se depara com um Orifante perdido, que ataca o grupo, e todas as cenas de animação da criatura impressionam, promovendo real temor e admiração pela periculosidade que o elefante colossal deve causar em qualquer um que testemunhe sua existência. Uma ousadia é a animação não ter medo do uso de violência gráfica, manifestando-se em vários momentos com mutilações, mortes e torturas, nada exagerado que quebre também com as convenções previamente estabelecidas pelos filmes. Inúmeras personagens do elenco têm sua vida ceifada ao longo da narrativa e suas cenas de morte (com exceção de uma única) tem a exposição dos ferimentos que causam o fim de suas vidas. São cenas raras que geram aquele prazer estético de testemunhar a animação pela animação.

Outra maldição que persegue todas as produções posteriores à trilogia de O Senhor dos Anéis é a necessidade constante (já testemunhada em peso na trilogia O Hobbit) de se conectar aos eventos, seja direta ou indiretamente, dos filmes originais. Existem diversos momentos que buscam referenciar passagens épicas da trilogia original ressaltando a sensação de pedantismo que o filme apelativamente busca para que o fã do universo, nas cenas em questão, diga: “meu Deus! Está referenciando aquele momento!”; sem uma construção devidamente elaborada, isto não gera qualquer sentimento que um típico filme da Marvel nos dias contemporâneos já não tenha exaustivamente apresentado: o famoso fan service pelo fan service.

A quantidade de referências que acontecem gratuitamente provocando somente um apelo de emoção nostálgico, sem conexão alguma com o roteiro em si do filme ou com os eventos macronarrativos da Terra-média, gera uma sensação de que houve pouco zelo dos roteiristas em agregarem elementos que façam sentido. Por exemplo: Helm, em uma das batalhas do filme, fala o mesmo discurso do rei Théoden para os Rohirrim diante dos Campos de Pelennor. É uma desconexão inclusive temporal, afinal, o discurso de Théoden só ocorreria quase trezentos anos após os eventos da narrativa do longa-metragem animado.

É mais uma incursão triste pela Terra-média, uma maldição que vem perseguindo todas as adaptações posteriores à trilogia de Peter Jackson. É frustrante com respingos de alívio… Talvez valha a pena em um dia sem nada a mais para assistir. Talvez seja melhor com a dublagem brasileira, mas, não sei comentar por ter cometido o erro de assistir ao filme na linguagem original. Vá por sua conta e risco…


Filme: The Lord of the Rings: The War of the Rohirrim (O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim)
Elenco: Brian CoxGaia Wise, Miranda Otto, Luca Pasqualino
Direção: Kenji Kamiyama
Roteiro: Jeffrey Addiss, Will Matthews
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Aventura, Animação. Fantasia
Sinopse: 183 anos antes das aventuras de Frodo e dos eventos da trilogia original de filmes, O Senhor dos Anéis: A Guerra de Rohirrim acompanha o destino do reino de Rohan e a saga de seu rei Helm, ambos em guerra com Wulf, lorde do povo Dunlending, que busca vingança pela morte de seu pai. Será Hera, filha de Helm, porém, quem irá liderar a resistência contra os ataques desse implacável inimigo antes que seja tarde demais.
Classificação: 14
Distribuidor: Warner Bros
StreamingIndisponível
Nota: 4,5

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