Se tem uma coisa que sabemos, é que o acesso à cultura no Brasil ainda está longe de ser democrático. Segundo uma pesquisa feita pela Revista Piauí, em 2022, constatou-se que apenas 7% dos municípios do país possuem salas de exibição. Isso significa que existe uma sala de cinema para cada 59 mil habitantes e que 90 milhões de brasileiros vivem em cidades onde não há salas para exibição de filmes. Dessa maneira, falar sobre democratizar o cinema é pensar em alternativas para que ele chegue a mais pessoas. Cinema itinerante
Devido à escassez de salas de exibição, os festivais de cinema tornam-se uma das principais alternativas para contornar essa problemática. Além de, muitas vezes, serem difusores de filmes que não entrariam em circuitos comerciais, trazendo novas perspectivas de linguagem audiovisual e apresentando novos realizadores – principalmente em curtas-metragens, algo que não assistimos com grande frequência –, esses eventos podem ser o primeiro contato de muitos com o cinema. O espaço dos festivais traz renovação à sétima arte. Além de ser positivo para quem trabalha com a produção cinematográfica, já que conecta trabalhos, descobre novos cineastas e permite sentir em primeira mão a receptividade do público, para os espectadores é um momento de diversão, catarse e de exercício do pensamento crítico. Afinal, devido aos preços e limitações das salas, não é todo dia (ou semana, ou mês) que podemos ir ao cinema, não é mesmo?
Infelizmente, os festivais, apesar da importância, não atingem todo tipo de público. Muitos são caros, o que é excludente, e muitos localizam-se em áreas privilegiadas. O Festival do Rio, por exemplo, acontece em vários cinemas da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, a maior parte dos filmes e das sessões ocorrem em cinemas na zona sul da cidade, uma área mais elitizada. Se alguém da zona norte quiser assistir a esses filmes, dificilmente os encontrará em uma sala de cinema da região e terá que se deslocar. Nem todos podem fazer isso, mesmo no Rio de Janeiro, considerado um polo da indústria cultural. Se isso ocorre até na região Sudeste, que concentra maior fomento econômico, em áreas onde não há tanto suporte a situação é ainda pior. Ir ao cinema está fora da realidade para muitos brasileiros.
Nesse sentido, o valor do cinema itinerante só cresce. Produzir eventos e festivais de cinema andarilho pelo país é uma alternativa mais igualitária e acessível. Se esses eventos ocorrem em cidades ou comunidades menores, sejam em escolas, associações comunitárias ou praças, leva-se a experiência cinematográfica a periferias e regiões com difícil acesso e amparo cultural. Um acompanhamento e curadoria das produções também são de extrema importância, já que é interessante mostrar o que é produzido no país e na região, gerando identificação do público com o que ele está assistindo. Isso desperta a vontade de assistir a mais filmes e de buscar novas formas de acesso ao audiovisual. Trata-se de apresentar essa arte e enxergar o cinema como uma linguagem possível para pessoas que antes não o viam como tal.
Fomentar a cultura em locais marginalizados é essencial para que o público tenha lazer, desenvolva visões analíticas e estimule o fazer artístico-cultural local. Isso contraria a produção industrial hegemônica – muitas vezes estrangeira e hollywoodiana – que domina as poucas salas de cinema do país. Esses estímulos geram ações, e ações geram mudanças. Com mais acesso, há mais desejo por cinema, o que aumenta a demanda pelo setor exibidor. Com mais desejo cultural, surgem mais possíveis trabalhadores do audiovisual. Com mais gente trabalhando, forma-se mais mão de obra qualificada e, consequentemente, mais cinema de qualidade. Os ganhos são coletivos, tanto para os espectadores quanto para a atividade cinematográfica.
Importantes iniciativas de cinema itinerante, como a Mostra Itinerante de Cinema Ambiental (MICA), que percorre diversas regiões com foco em temáticas ecológicas, e o Circuito Tela Verde, voltado à educação ambiental, demonstram o impacto positivo desse modelo. Outros exemplos incluem o Cinema no Interior, que leva filmes para pequenos municípios do Nordeste, e o projeto Cine Sesi Cultural, que exibe filmes em praças públicas de cidades que não possuem salas de cinema. Esses festivais não apenas democratizam o acesso, mas também fortalecem o vínculo entre o cinema e as comunidades locais, promovendo reflexões e encontros transformadores.