CRÍTICA – BETTER MAN: A HISTÓRIA DE ROBBIE WILLIAMS

CRÍTICA – BETTER MAN: A HISTÓRIA DE ROBBIE WILLIAMS

Primeiramente, a título de sinceridade para com o leitor, é necessário confessar desconhecimento quase completo sobre a vida e carreira do cantor e compositor britânico Robbie Williams. Nem mesmo seu repertório soa familiar – ainda que grandes sucessos da pop music contemporânea como Angels, Let me Entertain You, Feel e Rock DJ sejam cantados por ele. Em virtude dessa “nuvem de ignorância”, baixas eram as expectativas com relação a Better Man: A História de Robbie Williams, cinebiografia dirigida pelo australiano Michael Gracey. Afinal de contas, apesar de toda a magia imanente à sétima arte, no caso de filmes cujo desenvolvimento narrativo possui um viés biográfico, um certo entusiasmo ou engajamento prévio do espectador com a personalidade retratada em tela acaba facilitando o processo de identificação com a obra.

A despeito de todos os indicativos contrários, assistir a Better Man foi uma das experiências mais singulares e surpreendentes já vividas em uma sala de cinema. Isso se deve, sobretudo, à ousadia do diretor em propor um projeto realmente diferenciado, detentor de personalidade própria, fugindo, assim, ao formato protocolar e “chapa branca” da maioria das cinebiografias lançadas nos últimos anos, especializadas em fornecer uma visão asséptica de seus homenageados, como se almejassem incluí-los no cânone dos santos ilibados e/ou redimidos. Ao fazer tal escolha criativa, Gracey contou com o apoio do próprio Williams, para quem não fazia sentido que a sua história fosse contada apagando-se os momentos mais controversos e sombrios de sua jornada.

Daí a inusitada opção por retratar Williams como um macaco (interpretado pelo ator Jonno Davies), espécie de autorrepresentação imaginada fruto de um sentimento existencial de insegurança que o acompanha desde a infância pobre em Stoke-on-Trent, cidade onde nasceu, e ganha contornos mais agudos com a fama conquistada ainda adolescente. A estética do absurdo subjacente a essa imagem simiesca, tornada possível graças ao uso de CGI em sintonia com a técnica de captura de movimentos e expressões, não apenas proporciona um deslumbre visual, mas, também, um impacto bem particular no público com o filme, na medida em que consegue aliar uma extravagância de ordem psicológica, radicalmente obscura, a uma mise-en-scène naturalista a qual flerta, de maneira assumida, com tendências estéticas maneiristas. Não à toa, a precisão e eficiência do trabalho gráfico realizado renderam a Better Man uma indicação ao Oscar de Efeitos Visuais.

Em sua disposição narrativa, Better Man se estabelece dentro dos padrões de linearidade cronológica aos quais as cinebiografias comumente obedecem. Inicialmente, os tempos de infância, em que vivia com os pais e a avó materna Betty (Alison Steadman) numa pequena casa no subúrbio proletário; em seguida, o sucesso como integrante da boyband Take That, até hoje um marco da indústria fonográfica local; e a fase adulta, quando sua carreira solo decola e, a despeito do reconhecimento como artista, Williams vivencia situações críticas nas relações com o pai Peter (Steve Pemberton), a companheira Nicole Appleton (Raechelle Banno) e até mesmo pessoas do entorno musical, tudo isso entremeado com o vício em álcool e heroína.

Ainda que a plasticidade dos efeitos visuais e a dramaturgia sejam elementos que confiram vigor ao filme, o grande destaque, no entanto, fica por conta da estruturação do longa sob o formato de musical, aposta de risco considerável, mas que se vale muito bem da experiência do diretor com o gênero em O Rei do Show. Para nossa sorte, o resultado que se vê são sequências em que as canções se amalgamam com louvor ao estado de espírito do protagonista em determinado contexto da trama, não estando ali apenas com intuito de fan service rasteiro. Além disso, no que diz respeito à sua execução, as cenas musicais seguem uma decupagem que preserva a fluidez dos movimentos contínuos dos corpos e otimiza ao máximo o uso dos espaços nos quais a performance ocorre, sobretudo por intermédio da fusão de planos.

Better Man: A História de Robbie Williams certamente é uma das grandes surpresas do ano até aqui. Mesmo para quem não é fã do astro britânico, o longa reserva um raro espetáculo, capaz de fisgar a atenção do início ao fim. A imersão dá-se a ponto de fazer com que nos sintamos íntimos de alguém cuja história de vida é cheia de altos e baixos e que, contrariando todas as expectativas, não teve qualquer receio em expor quem ele verdadeiramente é (era), ainda que isso o levasse a evidenciar os medos, fraquezas e, principalmente, demônios internos que lhe afligem em meio à tentativa de ser um homem melhor.


Filme: Better Man (Better Man: A História de Robbie Williams)
Elenco: Robbie Williams, Jonno Davies, Steve Pemberton, Alison Steadman, Kate Mulvany, Rachelle Banno, Frazer Hadfield, Damon Herriman, Tom Budge, Jake Simmance, Liam Head, Chase Vollenweider, Jesse Hyde, Anthony Hayes, John Waters, Leo Harvey-Elledge, Chris Gun
Direção: Michael Gracey
Roteiro: Simon Gleeson, Oliver Cole, Michael Gracey
Produção: Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, China, Chipre
Ano: 2024
Gênero: Biografia, Musical, Fantasia
Sinopse: A ascensão meteórica, a queda dramática e o notável ressurgimento da estrela pop britânica Robbie Williams.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Diamond Films
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

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