CRÍTICA – SUGARCANE

CRÍTICA – SUGARCANE

Traduzir o trauma geracional de uma comunidade para o audiovisual é uma tarefa difícil, principalmente quando a história é cheia de lacunas. Sugarcane (2024) é um documentário que faz isso da melhor forma possível. Ao tratar das histórias dos povos originários afetados pelas escolas residenciais, escolhe alternar entre os poucos relatos dos sobreviventes e mostrar o impacto que esse passado tem nas comunidades indígenas da província canadense de Colúmbia Britânica. 

Em uma entrevista para a Vanity Fair Lily Gladstone, que é produtora executiva do filme, afirmou que os programas que aconteceram nos Estados Unidos e Canadá como os das escolas residenciais e missões católicas são a “segunda onda da colonização”, algo que se torna óbvio no decorrer do filme, quando se aprofundam cada vez mais nas histórias das crianças levadas para essas instituições. 

O foco do filme é a investigação sobre a escola residencial de Saint Joseph, que funcionou de 1886 até 1981 na região de Sugarcane, onde vive a comunidade indígena de Secwepemc. Aos poucos entendemos a extensão da violência que ocorreu nesse lugar, a história da única criança a sobreviver ao infanticídio depois de ter sido deixada no incinerador, dos abusos dos padres e das punições envolvidas. Sequências de vídeos em preto e branco de crianças indígenas por volta dos seis anos rezando entre freiras e ícones católicos, nos faz confrontar a realidade do que se passou e cria uma sensação de assombro.

Muito mais do que contar traumas, o filme canadense mostra um processo de reparação, que ocorre quando vemos gerações mais novas aprendendo suas línguas nativas, pesquisarem suas histórias com parentes mais velhos, aprofundando as investigações sobre as escolas residenciais e, acima de tudo, exercendo o seu direito de reivindicar a própria história e a cultura que lhes foi roubada. 

São mencionados no filme alguns desses esforços de reconhecimento para as agressões sofridas, como o Orange Shirt Day (Dia da Camisa Laranja) e o Nacional Truth and Reconciliation Day (Dia Nacional da Verdade e Reconciliação). Também mostram outras controvérsias que marcaram os povos originários canadenses, como a recusa do Papa Francisco em fazer um pedido de desculpas em razão da violência causada pela igreja católica e a inação do Primeiro Ministro Justin Trudeau frente à descoberta de mais de 200 covas indígenas.

Ainda que Sugarcane faça um ótimo trabalho ao mostrar precisamente o impacto de algo não tangível, acredito que faltou um aprofundamento nos achados das investigações  para pessoas não familiarizadas com essa parte da história canadense. O documentário também perde momentos de conexão com o seu público ao optar por usar o espaço entre entrevistas e partes das investigações, para mostrar a região de Williams Lake repetidas vezes, o que acaba dando a sensação de desgaste para o público, principalmente considerando a tensão que envolve o tema apresentado. Apesar disso, o concorrente ao Oscar de melhor documentário consegue transmitir sua mensagem de maneira clara e tocante, compartilhando um pedaço da história que não pode ser esquecida.


Filme: Sugarcane
Elenco: Julian Brave NoiseCat, Willie Sellars, Charlene Belleau, Ed Archie Noisecat, Chief Willie Sellars
Direção: Emily Kassie, Julian Brave NoiseCat
Roteiro: Emily Kassie
Produção: Canadá
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Sinopse: Túmulos sem identificação em escola indígena canadense causam indignação. Comunidade indígena inicia investigação e os sobreviventes confrontam o passado, desenterram verdades e buscam romper ciclos de trauma, enfrentando atrocidades históricas.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Dogwoof
Streaming: Disney Plus
Nota: 7

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