Estamos mais que acostumados com a presença de fantasmas no cinema. Essas figuras misteriosas são representadas nos filmes ano após ano, especialmente, é claro, no cinema de horror. Decerto, o mistério do que há após a vida é tão antigo que segue intrigando. É tão inexplicável que pode ser representado de inúmeras formas, com diferenças gritantes entre culturas diferentes. Ainda assim, não é um exagero dizer que, principalmente no cinema estadunidense contemporâneo — estou falando com vocês, filhos de Invocação do Mal (2013) —, o fantasma acaba sendo, por muitas vezes, um elemento genérico, um artifício simples para reger uma trama que almeja ser assustadora. Presença
Por isso, quando me contaram da premissa de Presença (2024), “um filme de terror pelo ponto de vista do fantasma”, fiquei interessado. Devo dizer que, ao longo de sua duração, o filme me despertou uma série de perguntas interessantes quanto à maneira de se concretizar essa ideia, mas todas elas acabaram sendo mais interessantes do que, de fato, acontecia à minha frente. Infelizmente, o filme perde aos poucos a chance de fazer algo criativo com o que tinha em mãos; o que parecia ser original, aos poucos se mostra ser só mais um artifício que falta lapidar.
A principal característica do filme é ser inteiramente feito em planos ponto de vista, através do olhar da presença que assombra a casa de uma família. Antes de entrar nos detalhes da trama familiar, é preciso se debruçar nesse artifício, em como ele é construído, pois isso define a experiência de Presença. A câmera representa o olhar do fantasma, e, como tal, define a maneira como o fantasma se porta, expõe o que interessa ao fantasma. Certamente, a presença é humanizada, age como um ser humano, o que não é spoiler, pois logo no início do filme vê-se que a presença não só observa, mas reage, por exemplo, quando a filha adolescente direciona o olhar diretamente a ela. A câmera se move bruscamente, se afasta, como se tivesse tomado um susto por ter sido encarada.
Acontece que essa humanização de Presença já tira boa parte do potencial de mistério que poderia existir sobre a natureza dessa presença. É como se fosse um indivíduo ali, mas um indivíduo invisível, que não fala e que não tem corpo físico. Reduzir um espírito, inexplicável por si só, em todas as suas possíveis complexidades, a termos tão humanos é resultado de uma persistência de convenções no cinema de horror que, francamente, não intrigam.
Tratando-se da família, interessa mais as breves alusões religiosidade dos Estados Unidos, e mais interessa à reflexão do que é útil ao filme, do que a disfunção familiar, que é escrita de maneira muito convencional. Impressiona como a racionalização protestante dos EUA é tamanha que, não importa quanto tempo passe, o reconhecimento do insólito é tão negado, tão turvo. Um caricato fantasma de lençol com olhos furados poderia aparecer na frente desses personagens que tentariam inventar uma explicação para o fenômeno. As exceções são Chloe, adolescente, Chloe, que demonstra ter uma sensibilidade para com o plano espiritual, e Lisa, a cunhada de um amigo da família que tem experiência em lidar com situações como a que a família passa. Sempre chamam uma personagem afetada para avançar a trama quando a explicação racional não adianta, de etnia mexicana ainda por cima (a atriz Natalie Woolams-Torres é nova iorquina, mas de descendente de mexicanos). Há também a menção da avó católica, que era “muito católica”, como parece ser como todos os católicos são retratados em filmes. Apesar dessa sequência de clichês, a família não tenta exorcizar a presença no final.
O foco da trama é todo em Chloe, já que ela, além de ter essa sensibilidade, perdeu duas de suas amigas há pouco tempo, e se retraiu por isso. Ela volta a se soltar, no entanto, quando se relaciona com um rapaz que a visita quando não há ninguém em casa. Sem entrar em terreno de spoilers, essa relação traz alguns perigos, e a entidade observa tudo com atenção. Esse foco perdura até o fim, tem uma condução previsível e a resolução frustra por não ser nem um pouco inventiva. Até tem uma surpresa na cena final, mas uma que é tão jogada que também não impressiona. Como dito, o filme quer ser misterioso, mas não é, e, assim, o grand finale não impacta.
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Filme: Presence (Presença) Elenco: Callina Liang, Lucy Liu, Chris Sullivan Direção: Steven Soderbergh Roteiro: David Koepp Produção: Estados Unidos Ano: 2024 Gênero: Horror, drama, suspense Sinopse: Uma família se muda para uma nova casa, onde uma presença misteriosa assombra o lugar. Classificação: 14 anos Distribuidor: Diamond Films Streaming: Indisponível Nota: 4,0 |