Missão: Impossível – O Acerto Final, dirigido por Chritopher McQuarrie, nos leva por uma última vez à jornada de Ethan Hunt (Tom Cruise). Após os eventos do filme anterior, A Entidade se transformou em uma ameaça global, colocando em risco o equilíbrio mundial. Com o tempo se esgotando e inimigos implacáveis em seu encalço, Ethan e sua equipe precisam desvendar uma conspiração que envolve tecnologia avançada, traições inesperadas e um inimigo que parece estar sempre um passo à frente.
A recepção do público
Assistir o filme em uma sessão lotada, numa sala IMAX — o que diz muito sobre a quantidade de gente presente, visto que tais salas tem uma capacidade bem maior — e observar a reação do público talvez seja o detalhe que melhor revele a grande qualidade da franquia. Conseguir não só sentir minhas próprias reações físicas com os acontecimentos do filme, mas também visualizar reflexos dessas mesmas reações nas pessoas ao redor.
Sentir o peso da tensão na atmosfera da sala enquanto todos seguram a respiração em conjunto. Ouvir uma exclamação estupefata de “meu Deus!” algumas fileiras abaixo logo após presenciar um dos maiores stunts do cinema de ação contemporâneo. Perceber sussurros de “será que ele morreu?” após uma sequência perigosa. Contemplar a menina sentada ao meu lado dar socos emocionados no ombro do namorado enquanto efetua pequenos pulos de alegria na cadeira conforme compreende que não, cara companheira de cinema, ele não morreu! Ou, ainda, se assustar com alguns comentários — mais altos do que a norma aceitável para o cinema — vociferando, com certo entusiasmo, “que mentirada!”, vindos do meu pai sentado do meu outro lado. Como você pode imaginar, querido leitor, meu pai falou isso várias vezes.
Se pararmos para pensar, “que mentirada!” é uma exclamação que compreende bem a essência do filme. Na superfície, existe um tom de negação. Contudo, ao olhar a fundo, é possível perceber que possui uma crença muito mais honesta do que o próprio falso ceticismo. Não, meu pai não achava realmente que o Tom Cruise pilotando um avião enquanto se equilibra de pé na asa era uma mentira. A verdade, é muito mais simples. Meu pai, assim como eu (e aquela sala inteira), estava pasmo. Embasbacado. Perplexo. Chocado. Admirado. Aparvalhado — ou qualquer outro sinônimo que você possa imaginar — com a constatação de que aquela mentirada era real.
Visualidade Háptica em Missão: Impossível
Laura U. Marks, em seu livro The Skin of the Film (1999), parte das teorias de Gilles Deleuze para falar sobre Visualidade Háptica. O conceito discorre sobre como imagens no cinema podem agir como um toque, evocando lembranças sensoriais. Assim, se conectando ao público de modo visceral, traduzindo vivências e recordações por meio do corpo. Missão: Impossível – O Acerto Final revela seus acertos (trocadilho não intencional) justamente a partir dessa perspectiva. Um filme que te faz sentir na pele as emoções que percorrem o corpo de Ethan Hunt.
Christopher McQuarrie e Tom Cruise são como queijo e goiabada, como Scorsese e De Niro, Kurosawa e Mifune, Godard e Anna Karina. Daquelas parcerias diretor/ator que se transformam em uma espécie de mutualismo. Uma dimensão artística onde a direção está tão acostumada com o ator que sabe exatamente como o levar ao máximo. E o ator, por sua vez, tem um conhecimento tão profundo da metodologia do diretor que sabe como extrair vida dos pensamentos mais profundos do autor.
Nesse sentido, o trabalho conjunto dos dois consegue gerar sequências estonteantes de ação. Cruise leva seu corpo ao inferno e volta, McQuarrie tem a megalomania necessária para desenvolver as ideias mais absurdas para o personagem. Retomando o conceito de Marks, esses momentos são hápticos. Em outras palavras, nós sentimos eles. Quando Ethan Hunt mergulha nas águas que inundam o submarino Sevastopol, nós prendemos a respiração com ele. Quando ele se arremessa através de distâncias inumanas, nós pulamos da cadeira. A câmera do diretor não age apenas como nossos olhos, mas como nosso corpo inteiro. Somos invadidos pelo poder da presença da imagem, percorrendo cada poro de nossa pele. Não é um cinema para se contemplar, é um cinema para se sentir.
Ausência de ação corriqueira
Sob essa ótica, Missão: Impossível – O Acerto Final tem talvez os melhores set pieces da franquia — a sequência final e o momento do Sevastopol. São os instantes onde mais se percebe a essência cinematográfica da obra, períodos que transpiram cinema. De certa forma, cenas assim são o âmago da série desde a quarta instalação, Protocolo Fantasma (Bird, 2011). Contudo, progressivamente mais absurdas.
Em contrapartida, há uma certa estranheza em constatar como McQuarrie tem dificuldade em lidar com os momentos entre essas sequências. Como uma franquia sumariamente de ação, os filmes sempre transbordaram o gênero. Contudo, nessa oitava peça, há uma dificuldade em compreender o gênero em escala menor. Os personagens saltam de cenário em cenário, progressivamente avançando no tabuleiro apenas em direção ao local do próximo grande momento. Não há muita coisa interessante acontecendo durante essa trajetória no que tange a própria ação. Soa como se o filme se interessasse apenas na grandiosidade dessas sequências, e julgasse que momentos menores (mas ainda funcionais) não fossem necessários.
Desse modo surge, então, espaço para um enfoque maior no drama do protagonista; destaque na palavra “protagonista”. Os coadjuvantes, por sua vez, parecem escanteados. Aqueles veteranos ou tem uma despedida blasé, ou tem seus arcos subdesenvolvidos (se não ignorados). Por outro lado, há uma enxurrada de novatos: Grace (Hayley Atwell), Paris (Pom Klementieff), Degas (Greg Tarzan Davis), etc. Adições que não parecem ter muito propósito dentro da obra — impressão corroborada pela falta de destaque de suas próprias individualidades. São personagens que parecem estar ali apenas para tapar o buraco dos veteranos e, talvez, servirem como uma porta para uma retomada futura da franquia com uma nova IMF.
O passado e o futuro de Missão: Impossível
Em síntese, McQuarrie parece querer lidar dramaticamente muito mais com o passado e o futuro da franquia do que com o presente. Passado, pois, há um ímpeto desnecessário em querer retomar e tratar de questões antigas da saga. Praticamente a primeira hora inteira do filme é dedicada a isso; uma enchente de flashbacks e contextualizações que, para quem viu os outros filmes, mais enche o saco do que auxilia. Se a Visualidade Háptica de Marks revelava seu sentido nos momentos de ação megalomaníaca, aqui atuava fazendo-me contorcer meu corpo de desespero toda vez que um novo flashback aparecia em tela.
São escolhas questionáveis, para dizer o mínimo. Retoma temas e assuntos como se fossem “pontas soltas” mas que, na cabeça de qualquer espectador, eram coisas ordinárias e finalizadas. Em determinado momento, por exemplo, é citado que certo personagem é filho do vilão do primeiro filme. Certo, e para quê? Para nada! Essa informação não acrescenta em nada no longa, não muda nenhum detalhe da trama, não causa nenhum sentimento; parece apenas com o tipo de dado que você encontraria na seção de curiosidades do IMDB.
Nostalgia vazia
Em 2023, eu escrevi neste mesmo site sobre Missão Impossível: Acerto de Contas. No filme em questão, somos introduzidos a Gabriel (Esai Morales), antagonista antigo de Hunt. Na época, comentei em meu texto que achava essa jornada para o passado uma boa maneira de encerrar a franquia. Entretanto, existe uma diferença substancial entre essa retomada no sétimo e no oitavo filme: a artificialidade. Na obra anterior, a inserção de Gabriel soa orgânica e natural. Em O Acerto Final todas essas pinceladas perpassam como artificiais e forçadas; um apelo desesperado por nostalgia — que nem funciona, pois atinge temas que o espectador não está interessado.
Afinal, é um pouco triste a franquia encerrar assim. Não que seja um filme ruim, não é; mas é muito pior do que poderia ser. Sobretudo ao olharmos para as últimas instalações. McQuarrie mantém boa parte da qualidade daquilo que funcionava (e até aperfeiçoa). Como dito, as grandes sequências de ação são espetaculares, se não as melhores da franquia. Momentos de tirar o fôlego, frenéticos e eletrizantes, que farão o espectador se segurar com força na cadeira e não tirar os olhos da tela. Todavia, a direção também abre mão de alguns aspectos que tinham força na série para tentar uma abordagem “nova”, que, por sua vez, não funciona. Ainda assim, é Missão: Impossível. Um bom filme de uma boa franquia. E, para melhorar, um filme com McQuarrie e Cruise. Nossa, como eu sentirei saudades de ver esse coroa colocando sua vida em risco por uma boa imagem!
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Filme: Missão: Impossível – O Acerto Final Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Esai Morales, Pom Klementieff, Henry Czerny Direção: Christopher McQuarrie Roteiro: Christopher McQuarrie, Erik Jendresen Produção: EUA Ano: 2025 Gênero: Ação Sinopse: A Entidade, uma Inteligência Artificial, representa uma ameaça global. Ethan Hunt e sua equipe precisam correr contra o relógio para salvar o mundo. Classificação: 14 anos Distribuidor: Paramount Pictures Streaming: Não disponível Nota: 7,0 |