A ASSISTENTE

A ASSISTENTE

O sonho de todo universitário é sair da faculdade com um bom emprego garantido. E não apenas isso. Que esse emprego seja satisfatório em algum nível; que te garanta o mínimo de felicidade e satisfação possível – já que ali foi a área que você escolheu para trabalhar. Jane, interpretada por Julia Garner, consegue tudo isso, com a diferença que toda essa imagem do sonho americano (ou americanizado) é cruelmente derrubada pelas micro relações de poder instauradas dentro da estrutura trabalhista da indústria do entretenimento – Cinema e TV. Isso cria em Jane um forte sentimento de desilusão e, por não ter a quem recorrer, solidão.

A assistente, em uma primeira perspectiva, fala sobre abusos e violência. A diretora e roteirista Kitty Green escolhe mostrar isso do micro para o macro. Vemos de início, uma personagem solitária em um escritório vazio, fazendo serviços diários que poderiam ser comparados a domésticos, já que a cozinha do lugar é idêntica à de uma casa. Um primeiro sinal de que a vida particular está vendida e de certa maneira escravizada ao trabalho.

Depois vemos sua relação com os colegas. Aqui é onde mora o texto principal do filme. Todas as interações entre Jane e eles é envolta por pequenos abusos, reflexo direto do que podemos chamar de machismo estrutural, completamente normalizado. Inclusive, ao espectador menos atento, pode até passar batido. Aparentemente ocupando cargos de nível equivalente, sempre parece que Jane trabalha mais e lida com situações classificadas como “femininas” ou de mulher. A ponto de resolver “problemas” da esposa do chefe e a relação dele com as amantes.

Nesse ponto, Kitty Green cria junto a uma atuação muito boa de Garner um contraponto entre esses abusos estruturados na empresa com as relações entre as mulheres que trabalham ali. Todas sabem o que acontece, mas ninguém se atreve a comentar ou conversar sobre isso. Alias, nenhuma esta muito interessada em fazer amizades. Cada uma por si, garantindo a longevidade de seu trabalho. Ou seja, é inexistente uma rede de apoio. Quando Jane tenta, inclusive, é desvalidada e desencorajada pelo funcionário do RH – uma das melhores cenas do filme. Obviamente isso não acontece com os homens que o tempo todo fazem piadinhas apesar das tensões geradas no dia a dia. Em nenhum momento eles são ameaçados pela sombra das relações e do patrão.

Patrão esse que se assemelha a um Deus. Onipresente, onipotente e, principalmente, onisciente, é um personagem que atua de forma invisível. Consequência direta de seu poder e, claro, de sua grandeza. O roteiro faz questão de apenas mostrar os seus rastros, o que já é suficiente para notarmos o tipo de pessoa que ele é. Bebidas alcoólicas durante reuniões, restos de comida em sua sala, roupas intimas de mulheres que ele leva ao escritório. Tudo tendo que ser apagado e limpo pela assistente recém contratada. E ao pequeno deslize, mostra suas garras e garante seu poder.

[Pelo telefone] [Chefe] Não vou gritar com você. Estou gritando? Não… Porque você não é alguém digno disso. Porque você nem sequer teve a porra da cortesia de falar comigo sobre qualquer merda de fantasia que você decidiu vomitar em cima de mim… Então, deixe-me perguntar, você quer manter este emprego

Jane: Sim.

Chefe: Ok… Então me mande uma porra de desculpas.

Tudo isso é permeado pela excelente direção de Kitty Green que reveza entre planos mais fechados e amplos, uma fotografia com tons mais escurecidos, sempre com o objetivo de mostrar a solidão vivenciada por Jane tanto dentro do escritório, como na fria e gigantesca Nova York. A atuação de Julia Garner também destoa de seus outros trabalhos. É precisa, consegue passar a imagem perfeita de quem esta insatisfeita com o próprio trabalho e sofre por conta disso. O sentimento de solidão e solitude, a decepção de ver que o sonho não era bem o que imaginava. Com intervalos grandes de silencio ela mostra um trabalho de expressões faciais excelentes.

Enfim, A assistente é um filme que tem como tema central o abuso e as violências que uma funcionária de um executivo de cinema/tv sofre durante um dia de trabalho. Mas ele se destaca mesmo em seus vários subtextos, mostrando as influencias de poder dentro da estrutura da produtora. Tudo permeado pelas micro relações. Filme excelente e completamente necessário.


Filme:  The Assistant (A assistente)
Elenco: Julia Garner, Jon Orsini, Noah Robbins, Tony Torn, Matthew Macfadyen
Direção: Kitty Green
Roteiro: Kitty Green
Produção: EUA
Ano: 2019
Gênero: Drama
Sinopse: Um olhar ardente sobre um dia na vida de um assistente de um executivo poderoso. À medida que Jane segue sua rotina diária, ela se torna cada vez mais consciente do abuso insidioso que ameaça todos os aspectos de sua posição.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Bleecker Street
Streaming: HBO max
Nota: 8,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *