A GIS

A GIS

Para muitos o poder de impacto de um curta metragem é equivalente à sua diminuta duração. Há quem ache que aqueles 5, 10 ou 30 minutos de exibição de um curta servem apenas como uma distração para a dureza do dia a dia, principalmente, se estivermos falando de um curta-metragem de animação. E certamente essas pessoas não assistiram ao recente Bao (2018) – que ganhou até o Óscar de Melhor Curta-metragem de Animação –, um filme que trata sobre a maternidade, o zelo e os caminhos distintos que mãe e filho trilham em certo momento de suas vidas. E não assistiram também ao “Se Algo Acontecer…Te Amo”, ganhador do último Óscar na mesma categoria mencionada acima e que se encontra disponível na Netflix. Mal sabem estas pessoas que, mesmo em uma fração de hora, um curta-metragem pode fazer/dizer o que dezenas de longas não conseguiriam mesmo se durassem um dia inteiro.

Esse é o caso do curta-metragem documentário “A Gis” (2017).

Conheci essa obra através de uma atividade proposta no curso de crítica do excelente Professor e Crítico de Cinema, Marcelo Muller. Deveríamos analisar o curta ao fim de cada uma das 5 aulas, afim de complementar nossos textos com aquilo que havíamos acabado de aprender. Confesso que fui relapso, mas aqui está o meu exercício concluído.

O brasil é o país (com letras minúsculas mesmo) que mais mata pessoas Trans no mundo. E dia após dia constatamos que o país parece se orgulhar dessa posição, pois o combate a esta violência, apesar de se mostrar presente dentro da comunidade LGBT+, é quase nula fora dela.

Entretanto, Gisberta, uma Mulher Trans, brasileira, não foi assassinada aqui. Gisberta saiu do Brasil, com 18 anos, por medo da violência cada vez mais crescente no país e que já havia vitimado um dos seus amigos. Seu destino foi Portugal onde, ironicamente, fora torturada durante dias e assassinada, justamente por ser trans.

A Gis, filme de 2017 dirigido por Thiago Carvalhaes, narra um pedacinho da história de Gisberta. Sem explorar sua imagem, e o faz de propósito, prefere criar em nossos pensamentos sua silhueta através dos relatos do crime, das entrevistas com familiares e amigos e pela narração espinhosa e sem floreios de cada ação executada neste crime brutal.

A narração é um dos elementos mais fortes da obra. Uma voz rouca, falando o português de Portugal, por vezes parece até se embaraçar com tamanha crueldade sofrida, repetidas vezes, nos últimos dias da vida de Gisberta.

Imagens acompanham essa narração, de maneira que a complementa e nos dá quase que a exata cena do ocorrido nos últimos dias de vida dela. E quando não somos levados a uma espécie de literalidade, a metáfora, como na cena das velas se apagando, vai bem direto ao ponto, ao fim do último sopro de vida de Gisberta, o que restou foi a escuridão na tela.

A violência que vitimou Gisberta não foi só aquela física. Os jornais noticiando sua morte, também a violentaram, quando mesmo em memória a identificavam como um homem. Seu próprio irmão, Domingos Salce, mesmo depois de sua morte, em uma entrevista para este documentário, insistia em citar sua irmã Gisberta como “ele”.

“- Uma coisa é o ser o que ele era, outra coisa é o contrário do que Deus fala. Então, mesmo assim, eu amava ele. Só não amava o que ele era”.

Infelizmente a vida de Gisberta teve de ser tirada para que as leis de igualdade de gênero fossem mudadas em Portugal. Ela se tornou um marco para a luta pelos direitos LGBT+. E sua história inspirou muitas pessoas como foi o caso do cantor e compositor Pedro Abrunhosa que compôs em 2007 a canção “Balada de Gisberta”, posteriormente interpretada magnificamente pela não menos magnifica Maria Bethânia.

E como não poderia deixar de ser, é ela, Bethânia, quem dá as últimas notas desse curta. Sua voz marcante em uma letra dolorosa se mistura com as informações disponibilizadas em tela. Há esperança, mas a dor permanece.


Filme: A Gis
Direção: Thiago Carvalhaes
Roteiro: Thiago Carvalhaes
Produção: Brasil
Ano: 2016
Gênero: Documentário Curta-Metragem
Sinopse: Gisberta Salce era uma mulher transexual brasileira que vivia como imigrante em Portugal. Ela foi brutalmente assassinada em 2006 e, desde então, se tornou símbolo da luta pelos direitos transsexuais. O documentário constrói um retrato delicado, peça por peça, de uma mulher despedaçada por um mundo indiferente.
Classificação: Sem classificação
Streaming: Vimeo
Nota: 8,0

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