A JAULA

A JAULA

Eu preciso concordar com Selton Mello quando, na premiação dos “Melhores do Ano” de 2021 no Domingão do Huck, este rasgou elogios merecidos ao ator Chay Suede. Naquela ocasião Mello não só elogiou o trabalho da nova geração como apontou Suede como um dos maiores atores dessa geração atual.

O que pude ver do trabalho desse jovem talento tanto em novelas como no cinema já me impressionava, mas em A Jaula, novo filme do diretor João Wainer, ele carrega sozinho, já que é um projeto, praticamente, solo e o faz de forma muito segura. Boa parte do filme ele está sozinho ou em uma interação através de uma ligação telefônica pelo aparelho multimídia do carro em que está preso. O ator passa, através de seu personagem, toda a angustia experimentada naquela situação.

Suede é Djalma, um jovem que pratica furtos a carros e, em sua nova tentativa de furto a um carro de luxo, se vê preso no que viria a se mostrar como uma grande armadilha montada por alguém cansado de tanta violência, de tanta injustiça e de ter sofrido dezenas de assaltos nos últimos anos. A Jaula é uma adaptação do roteiro original do filme argentino 4×4 (2019). Ambos compartilham de muitas semelhanças inclusive nos enquadramentos como por exemplo no plano detalhe do ferimento na perna do protagonista causado por uma bala que ricocheteia no espaço interno do carro.

A violência e a criminalidade é um tema universal. Ouso afirmar que este roteiro faria sentido em qualquer canto desse mundo. Talvez precisem apenas de pequenas alterações, como foram feitas para o nacional A Jaula, mas só com a intenção de deixar o publico mais familiarizado com aquela história. Para poder comprar que a trama é factível e que acontece, mesmo, em nossas vizinhanças.

Wainer, nesse projeto, consegue elaborar uma linha de raciocínio muito própria e dentro do universo brasileiro. O diretor apresenta logo no início os jornais sensacionalistas comandados por apresentadores que bradam que “bandido bom é bandido morto”, constrói de forma fiel, sobretudo a maneira torta de pensar, o cidadão de bem, o homem de Deus que, aqui, recebe o nome de Dr. Henrique Ferrari (Alexandre Nero). Um sujeito que acredita na meritocracia, mas que em toda a sua vida pertenceu à classe média do Paraná e sempre teve tudo na mão.

Por outro lado, o diretor também acena para uma humanidade do personagem Djalma, quando em sua mochila, há uma escolha clara da direção em mostrar um livro de colorir, nos levando a crer que o personagem tem família e, consequentemente, aquela atividade ilícita era um meio de sobrevivência para o jovem rapaz e aqueles que dependiam dele. Tudo bem que há, logo depois, uma ação do personagem que vai fazer muitos duvidarem dessa falta de opção dele, mas eu continuo convicto de que, mesmo ali, vemos um personagem que está só dando o troco no sistema que oprime com muita violência quem mais necessita.

A ambientação do filme se dá praticamente no interior do carro e Suede consegue, através de sua transpiração e de sua respiração ofegante nos transmitir a sensação claustrofóbica e o pavor de não ter como sair. Por vezes parece até que o espaço interno encolhe, ampliando mais ainda esse sentimento. Uma falha, aqui, está na pouca evolução do quadro clinico do personagem Djalma, afinal ele se encontra em um carro fechado, com fome, com sede e sem qualquer tipo de medicação para o ferimento a bala que possui. Em certos momentos ele aparenta estar muito bem, muito lucido e totalmente saciado. E para quem já viu o filme argentino é possível notar que, nesse aspecto, lá o longa trabalha muito bem essa caracterização física, definhada, do personagem.

Outro ponto de discrepância entre os dois filmes e que na obra argentina, 4×4, funciona melhor que em A Jaula são as motivações do personagem Dr. Henrique Ferrari. Enquanto que lá há, de fato, algo palpável e uma busca de se fazer justiça pelas próprias mãos, aqui temos apenas um desejo, compartilhado infelizmente por muitos brasileiros, de serem os justiceiros do país sem se importar se usarão forças desproporcionais ou punições desmedidas. Na verdade Wainer nos dá uma demonstração de como um povo, levado a crer que a solução está nas próprias mãos, consegue se despir de toda e qualquer racionalidade – características intrínsecas ao ser humano – para demonstrarem uma violência animalesca finalizada com o gozo do dever cumprido, afinal são todos cidadãos de bem, zelando pelos seus patrimônios.

É a partir da entrada física do personagem Dr. Henrique Ferrari, quando vemos, então, o ator Alexandre Nero pela primeira vez, que o filme perde a potência do discurso até então desenvolvido. O filme passa para um tom sensacionalista, que vinha sendo criticado, até então, pela própria obra, e para muitos a ideia a partir daí não ficará tão clara. Afinal qual a mensagem do filme A Jaula? Todos merecemos uma segunda chance? Como se combate a violência? Com mais violência?

A polícia, que tem um certo destaque nos minutos finais, é tratada como ineficiente, irresponsável e que claramente escolhe lados. Não nos surpreende que, para um médico branco apontando uma arma para alguém, a polícia faça tanto esforço para negociações. Por muito menos, negros da periferia são alvejados. Se vale a lembrança, um homem negro foi morto por policiais que confundiram o seu guarda-chuva com um fuzil. Esse é o nosso Brasil.

Como citei, o diretor Wainer perde uma boa oportunidade de ser taxativo quanto sua mensagem ao final do filme. Ao levar ao publico a decisão sobre o valor da vida daqueles personagens, dá margem, também, para aqueles que ainda defendem o porte de armas contemplarem o filme por um viés dessa direita catastrófica que, felizmente (chega logo Outubro), está com seus dias contados no poder do nosso país.


Filme: A Jaula
Elenco: Chay Suede, Alexandre Nero, Mariana Lima
Direção: João Wainer
Roteiro: Mariano Cohn, Gastón Duprat, João Cândido Zacharias
Produção: Brasil
Ano: 2022
Gênero: Suspense
Sinopse: Era só mais um dia de roubo em São Paulo, o alvo, um carro de luxo que já estava nos planos de Djalma há um bom tempo. Tudo ocorre como previsto, ele entra no carro e rouba o que quer, mas quando está prestes a sair, o ladrão percebe que foi trancado dentro do automóvel e que não vai conseguir sair facilmente. O que ele não percebeu é que caiu na armadilha de um médico, que já foi o alvo de vários roubos e decidiu vingar-se. Agora a questão é: Quem é o vilão e quem é a vítima?
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Walt Disney
Streaming: Não disponível.
Nota: 6,6

*Estreia dia 17 de fevereiro de 2022 nos cinemas*

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