A MÉDIUM

A MÉDIUM

Sempre me chama atenção o cinema de países menos tradicionais e, normalmente, sou surpreendido pela qualidade que estes filmes possuem. Assim foi com “Honeyland”, um documentário da Macedônia do Norte – filme que chegou a concorrer em duas categorias no Óscar de 2020 – e, mais recentemente, o longa butanês “A Felicidade das Pequenas Coisas” (crítica aqui).

Não é novidade que os países orientais sabem, como ninguém, produzir filmes de terror. O Japão, por exemplo, é um grande exportador do horror para o cinema. Filmes como “Onibaba” de 1964, “Kuroneko” de 1968, “Ringo” de 1998 – a adaptação estadunidense levou o nome de “O Chamado” – e “Pulse” (crítica aqui) de 2001 são obras que solidificaram a escola do Cinema de Terror do Japão. Outros países orientais, de forma mais incipiente, estão a entrar neste mundo, mas ainda não há nada que possua muita originalidade ou que desperte um olhar mais atencioso nestas produções.

A Médium é uma coprodução entre Tailândia e Coreia do Sul e estreou nesta última semana nos cinemas brasileiros. O filme que já ganhou alguns prêmios é dirigido por Banjong Pisanthanakun (Espíritos: A Morte Está ao Seu Lado e Espíritos 2: Você Nunca Está Sozinho). Banjong, aqui, incorpora muitas referências e tenta a todo custo se associar ao gênero Found Footage, mas é preciso sabedoria para usar todas referências que possui. Simplesmente coloca-las no filme e acreditar que isto seja a fórmula do sucesso, é extremamente equivocado. E foi exatamente esta a impressão que ficou ao fim das 2 horas e 10 minutos do longa.

Para quem assiste ao filme sem saber do que se trata ou seus pormenores, assim como eu o fiz, terá boas surpresas, principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento da trama. Há uma espécie de simbiose interessante em um primeiro olhar. O desvio de atenção que é feito quando o documentário se transforma em um filme de terror é bem executado. A grande verdade é que o filme apresentado no início é muito mais instigante do que quando todas as cartas são jogadas na mesa e nada mais consegue nos surpreender. A partir de certo momento fica claro cada decisão que o diretor tomará, causando assim um entristecimento do espectador por estar a frente de um filme cheio de elementos que ele já conhece de outras obras.

No início o tom é similar ao de um documentário, como já dito, e, neste momento, somos apresentados à personagem Nim (Sawanee Utoomma) que, com tanto tempo de tela, acreditamos que seja ela a grande protagonista daquela história. Nesta etapa o diretor nos apresenta a geografia daquela cidade, constrói facilmente a ideia de pobreza dali e sutilmente traz os embates entre a religião predominante no país, o Budismo, e aquela que representa a minoria da população, o Cristianismo.

Nim é uma personagem simpática e cativante. Mesmo para os mais céticos como eu é impossível condena-la por nossa descrença no que ela faz ou diz fazer. Nesse sentido, a forma como a câmera capta a sua imagem, sempre muito perto e de forma muito objetiva, transparece uma sinceridade para ela. Ainda que na trama ela seja um ser elevado e escolhido por uma entidade para ser seu instrumento de fazer o bem, é possível ver o conflito entre o dom e o fardo, o que fica explicito com os relatos que faz de quando era mais jovem e esta “possessão” benigna se iniciou.

Novamente a dualidade entre as religiões se tornará presente pois, além das composições de imagens que o diretor faz em várias cenas demonstrando partes da cidade, ora com estatuas de Buda ora com crucifixos, ao inserir a família de Nim na trama e assim começar a construir o que de fato pretende com a história, ele coloca sua irmã, Noi (Sirani Yankittikan), como uma personagem que renegou seu destino/herança familiar e adentrou em uma outra religião com crenças completamente diversas.

É neste ponto que o longa se perde por completo. Ao apresentar tantos laços que interligam os muitos personagens aqui, o diretor se satisfaz com o pouco desenvolvimento que faz para cada uma destas subtramas: o drama familiar entre os 3 irmãos (Nim, Noi e Manit), a juventude de Mink (Narilya Gulmongkolpech) e a própria divindade presente em Nim. Estranhamente toda a cadencia que existia ao revelar a personagem Nim para o espectador dá lugar para uma cinética que salta por diversos momentos. Somos obrigados a comprar mudanças de humor repentinas de certos personagens por conta de uma edição que em uma ou outra situação recorta demais o filme.

Mas o grande problema mesmo é algo que já escrevi na crítica que fiz do filme “O Exorcismo Sagrado” e que já passou da hora de mudar para filmes como este. É extremamente exaustivo e decepcionante vermos filmes de possessão com mulheres que se insinuam, que ficam nuas ou seminuas e que a prática do sexo para elas seja sempre atrelada a algo demoníaco e maléfico. Dificilmente tal escolha não estará ligada a um certo machismo daquele que está dirigindo o filme e, portanto, tais cenas não estão ali a acrescentar nada ao terror, só satisfazem o diretor.

Narilya faz um trabalho muito competente quando precisa passar por momentos de transe, mas peca no excesso que aplica nas cenas em que precisa indicar manifestações infantis. Ela e Sawanee são as protagonistas do filme, cada uma marcando um momento do longa. Mas mesmo com suas boas atuações, o filme decepciona com tamanha falta de criatividade nas soluções dos conflitos, simples, apresentados aqui.

Em A Médium falta um roteiro mais preciso e com mais brio. O elenco consegue fazer o que tem que ser feito, a proposta do filme é muito clara, mas chega em um determinado momento que não há muito mais para mostrar e, assim, nos deparamos com muitas repetições de cenas. Ainda que cause espanto em uma ou outra cena, este sentimento é completamente passageiro e a nossa inércia é duradoura.


Filme: The Medium (A Médium)
Elenco: Narilya Gulmongkolpech, Sawanee Utoomma, Sirani Yankittikan, Yasaka Chaisorn, Boonsong Nakphoo, Arunee Wattana
Direção: Banjong Pisanthanakun
Roteiro: Chantavit Dhanasevi, Na Hong-jin, Banjong Pisanthanakun
Produção: Tailândia, Coréia do Sul
Ano: 2021
Gênero: Terror
Sinopse: Nim, uma importante médium que mora ao norte da Tailândia, percebe comportamentos cada vez mais sinistros de sua jovem sobrinha Mink, indicando que talvez ela esteja sendo possuída por uma entidade maligna ancestral. O que acaba se revelando é algo muito mais apavorante do que o pior de seus pesadelos.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Paris Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

*Estreou nos cinemas no dia 19 de maio de 2022*

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