Sobrevivência. Esse tema sempre esteve presente no cinema. Contudo, fica a impressão de que essas produções foram perdendo espaço nos últimos anos com a ascensão do gênero de super-heróis. É difícil imaginar que alguém com poderes sobre-humanos fique perdido em uma cordilheira, desamparado em uma ilha deserta ou soterrado em uma caverna. Contudo, pessoas comuns estão o tempo todo sujeitas a essas situações e, mais ainda, aos medos paralisantes que cercam esses momentos. É essa experiência que A Queda (Fall), dirigido por Scott Mann, proporciona.
É difícil começar
O filme, que estreia 29 de setembro, conta o drama de uma dupla de amigas presa no topo de uma torre de sinal de televisão no meio do deserto de Mojave, sul da Califórnia. Praticantes de escalada, as duas decidem subir os quase 600 metros da estrutura metálica abandonada, mas ao chegarem lá em cima, acabam impedidas de voltar ao solo.
No entanto, antes de chegar ao drama de sobrevivência das protagonistas, A Queda mostra as personagens em outra escalada perigosa cerca de um ano antes. Além de Becky (que ganha vida na ótima interpretação de Grace Caroline Currey) e Hunter (Virginia Gardner), também vemos Dan (Mason Gooding) em um paredão de pedra.
Enquanto o trio de amigos desafia a gravidade em uma subida com o mínimo de equipamentos possível, o filme despeja algumas informações no espectador que serão fundamentais mais tarde. Dentre elas estão o fato de que Becky e Dan são recém-casados, que os três são fascinados pelo esporte e pela adrenalina, e até que todos são muito próximos – talvez até um pouco demais, mas isso é quase subliminar.
Em poucos minutos e algumas linhas de diálogo somos apresentados a esses personagens até que Dan se descuida e cai para a morte. Depois disso, a vida de Becky entra em colapso e, sem o marido e grande amor de sua vida, ela está só. Por algum motivo, ela evita todo o contato com o pai, James (interpretado por um muito subaproveitado Jeffrey Dean Morgan), se atira em um abismo de alcoolismo e não há nenhum sinal de Hunter, supostamente sua melhor amiga.
Enfim, a escalada
De fato, esse início parece apressado. É difícil comprar o amor desmedido de Becky e Dan sem ter visto como ele nasceu. Isso reflete diretamente na rachadura na relação entre a protagonista e seu pai. Embora ele dê a entender que não era muito fã do marido da filha, não sabemos o motivo disso – uma falta de informação que faz parte da trama – e podemos apenas imaginar que alguma atitude forte causou esse distanciamento.
Ao mesmo tempo, fica a pergunta sobre o paradeiro de Hunter enquanto sua melhor amiga segue em uma queda livre emocional. Porém, nesse momento o filme traz a personagem de volta à cena. Depois da tragédia, ela se tornou uma YouTuber caçadora de emoção, que faz vídeos enquanto desafia o perigo em saltos e escaladas. E ela tem uma proposta para Becky.
Mais uma vez, A Queda oferece pouca exposição e deixa algumas “conclusões” por conta da imaginação do espectador. Hunter sugere que a amiga precisa encarar o perigo escalando a torre de TV abandonada para espalhar as cinzas do falecido marido e sair do poço de depressão em que se afundou.
A ideia teria surgido inspirada em um lema de Dan e após uma ligação do pai de Becky, mas fica a dúvida se não é apenas mais uma estratégia da influenciadora para conseguir cliques e curtidas. Tudo parece solto, mas, as duas partem para a escalada que, enfim, dá substância à trama.
Ação do tempo
É a partir desse arco de desafio e sobrevivência que A Queda finalmente engrena e surpreende. Enquanto o espectador mais envolvido questiona a motivação real de Hunter, em alguns momentos também fica a dúvida de até onde tudo que aparece em cena é real ou apenas um delírio nascido do medo e do trauma de Becky.
Apesar de recorrer a efeitos de qualidade duvidosa para dar a dimensão de altura, o filme brilha mesmo quando a fotografia explora a alternância entre cenas das personagens escalando a torre e enquadramentos de detalhes da própria estrutura, abandonada e corroída pela ação do tempo, para dar a sensação de perigo da empreitada.
É fácil pensar que o título do filme talvez seja seu principal spoiler, mas o diretor Scott Mann faz um trabalho competente em construir a tensão da jornada. Mais do que isso, apesar de tudo que acontece em cena dali em diante, ele faz com que a obra deixe de ser sobre saber se as duas mulheres vão sobreviver, mas sim sobre o que vai ou não mudar nelas durante esse desafio.
Assim como o tempo agiu de forma impiedosa sobre a estrutura da velha torre deixada sozinha no meio do nada, a amizade de Becky e Hunter também sofreu com o abandono após a morte de Dan. Por mais que fique a sensação de que essas relações (voltando ao próprio Dan e ao pai da protagonista) tenham sido mal construídas no início do filme, A Queda faz o espectador querer saber se o laço entre as duas amigas vai se fortalecer e salvá-las ou simplesmente se romper de uma vez por todas.
Uma obra aterrorizante
Ainda antes de seu desfecho edificante, o filme entrega um plot twist (espécie de virada drástica na trama) surpreendente e que leva o espectador a repassar mentalmente vários momentos da história. Além disso, essa reviravolta reforça o medo da altura que o a obra constrói cuidadosamente em seus detalhes.
Particularmente, não tenho acrofobia (pânico em lugares altos ou medo irracional de altura), mas a descarga de eletricidade por cada terminação nervosa do corpo diante do risco real de uma queda fatal sempre foi inevitável. Ainda que A Queda tente – e em bons momentos até consiga – tratar de dilemas emocionais, seu brilho reside mesmo no triunfo em causar o pavor de um mergulho mortal do topo da torre.
Mais uma vez, Jeffrey Dean Morgan é tão relevante no papel de pai de Becky quanto foi no papel de pai do Bruce Wayne de Ben Affleck, mas isso não importa. Fato é que Virginia Gardner e, especialmente, Grace Caroline Currey te fazem sentir os pelos do corpo se arrepiando e a esperança de sobreviver se desfazendo. No fim, você torce para vê-las salvas e com uma amizade inabalável em terra firme. Vale os momentos de tensão.
Filme: A Queda (Fall) Elenco: Grace Caroline Currey, Virginia Gardner, Mason Gooding, Jeffrey Dean Morgan Direção: Scott Mann Roteiro: Scott Mann e Jonathan Frank Produção: Reino Unido e Estados Unidos da América Ano: 2022 Gênero: Suspense Sinopse: Para as melhores amigas Becky e Hunter a vida é sobre conquistar medos e testar limites, mas depois que escalam até o topo de uma torre de 600 metros de altura abandonada, elas acabam presas sem formas de descer. Agora, as habilidades de escalada de Becky e Hunter passarão pelo teste definitivo enquanto elas tentam sobreviver ao clima, a falta de suprimentos e à altura vertiginosa. Classificação: 12 anos Distribuidor: Lionsgate Streaming: Indisponível Nota: 7,2 *Estreia dia 29 de setembro de 2022 nos cinemas* |