A QUÍMICA QUE HÁ ENTRE NÓS

A QUÍMICA QUE HÁ ENTRE NÓS

A adolescência não é uma das fases mais calmas na vida do ser humano. Esse momento de saída da infância e o preparo para a vida adulta é recheado de emoções. Alguns passam ilesos por esse período e outros não. É aqui, principalmente, que as grandes paixões surgem, ao mesmo tempo que as desilusões amorosas também nos batem a porta. Tudo é vivido com uma intensidade de como se não houvesse o amanhã.

Já passei por essa fase e sei bem como é.

A Química Que Há Entre Nós, filme de 2020 e que está disponível no catálogo da Amazon Prime, é um romance adolescente que trabalha bem essas emoções a flor da pele. Em um primeiro momento o longa, dirigido e escrito – ainda que seja uma adaptação literária da obra de Krystal Sutherland, Our Chemical Hearts – por Richard Tanne, não vai muito além de um lugar comum para esse tipo de romance, mas, aos poucos, vai conseguindo incrementar a história, principalmente, com tudo o que cerca a personagem Grace Town (Lili Reinhart).

Grace é uma garota muito bonita e, para aquele ambiente escolar, seria o modelo perfeito da garota popular, esnobe e namorada de um veterano atleta e igualmente popular, como é constantemente apresentado em tantos outros filmes com temática semelhante. Mas já de cara percebemos que esse caminho não será adotado. Reinhart, em uma total sintonia com sua personagem, nos traz uma atuação cheia de verdades. Uma garota que sofre por um problema físico em uma de suas pernas, decorrente de um acidente de carro e, que por si só, já entrega camadas mais profundas para a personagem, mas que ainda possui um trauma interno, uma saudade provocada pela perda de alguém e uma culpa por não poder voltar atrás e fazer diferente. Ainda que divida o protagonismo do filme com outro personagem, é Grace quem permite o filme trabalhar certas complexidades que existem nesse período turbulento de nossas vidas. O nosso olhar recai sobre ela no exato momento em que ela é percebida pelo protagonista Henry Page (Austin Abrams). E a partir daí não conseguimos mais deixar de nota-la. Essa relação Grace x Henry e Grace x Espectador é onde está a essência desse filme. É neste ponto em que a obra nos toca. E grande parte desse efeito se dá justamente pela atuação de ambos. Verossímil e improvável ao mesmo tempo, se é que isso é possível.

Casais improváveis são mais comuns do que se imagina. É até o título de um filme de 2019 protagonizado por Charlize Theron e Seth Rogen. Mas aqui o diretor Tanne vai além. É bem verdade que faltam camadas ao personagem Henry, mas, mesmo que na superficialidade, já existe um desenvolvimento diferente dos demais. Henry é o típico garoto tímido que passa, por todo o período da escola, completamente despercebido. Sua única forma de se expressar é através dos textos, que nem mesmo consegue escrever pela total falta de experiências e acontecimentos em sua vida monótona. E nesse caso é interessante notar como um simples ônibus escolar serve como alegoria para demonstrar a diferença entre deixar a vida te guiar ou tomar as rédeas dela.

A improvável união destes dois personagens é o que mais desperta nossa curiosidade para como isto irá se desenvolver ao longo de toda a trama e em como será realizado o desfecho. As problemáticas apresentadas para, justamente, alimentar essa nossa vontade em saber como eles passarão por aqueles obstáculos, são bem semelhantes à um outro romance, “Por Lugares Incríveis”. Entretanto lá tínhamos uma trilha sonora extremamente interligada com tudo o que assistíamos e, aqui, o mesmo não ocorre. Outro ponto em que a diferença entre os filmes se faz notar é que, em Por Lugares Incríveis, o drama vivido pelo personagem de Justice Smith potencializa os efeitos, melodramáticos, que o filme causa no espectador.

Não que esse seja o ponto fraco do longa, mas ao construir um personagem unidimensional, como é o caso de Henry Page, é jogada fora uma oportunidade de desenvolver algo mais reflexivo. Entretanto não chega a interferir de forma significativa na qualidade do filme. Mas a proposta idealizada para a personagem Grace solicitava algo melhor elaborado para aquele por quem ela despertaria algum sentimento.

Ainda que o filme não trate do luto e sim de como o adolescente reage ao que acontece ao seu redor, é marcante como essa dor é colocada e refletida na vida de Grace. Ao mesmo tempo, vemos um Henry absorto, satisfeito com tudo (pouco) o que tem, principalmente, com os pais “perfeitos” que possui. Essa dualidade é trabalhada a todo o tempo no longa.

O núcleo de apoio para que essa história funcione, na verdade, está ali para contar uma outra história e que aos poucos vamos percebendo, mesmo que não haja um cuidado em como aquilo se dará. A personagem Lola, amiga de Henry, nutre uma paixão que, desde o primeiro minuto, sabemos que é correspondida. Entretanto há uma sustentação por tempo demais, muito provavelmente, para funcionar como distração enquanto a trama principal vai criando sua sinuosidade.

A escola, ambiente em que, praticamente, todo o longa se passa, é pouco explorada. Fora as reuniões da equipe do jornal escolar e os momentos no refeitório que serve a um único propósito, o ponto de inclusão da personagem Grace no grupo de amigos de Henry, quase nada acontece ali. O que não faz sentido, já que aquele ambiente exerce, também, uma pressão gigantesca nos alunos. Não só pela excessiva carga de estudos e uma projeção para a universidade como também pelas interações envolvendo adolescentes diversos e complexos. A história é sobre Henry e Grace, mas a escola, para todo adolescente, faz parte desse universo caótico de forma muita ativa, mas que, aqui, foi relegada a um pano de fundo quase translucido, sem qualquer relevância para a construção da maioria dos personagens.

Mesmo assim o filme se mostra muito maduro, principalmente, na distância dada aos personagens caricatos e aos clichês. As idas e vindas aqui, que são bem típicas em filmes como esse, subvertem nossas expectativas, como na cena em que Henry espera por Grace na casa em que ela mora. Além disso o próprio Henry já é uma subversão de expectativas pois, mesmo fora de todo e qualquer padrão próximo a alguém popular, possui uma certa confiança e em nenhum momento a direção tenta quebrar isso naquele personagem. Ainda que não possua muita profundidade, Henry se mostra como alguém que sabe que aquele momento é passageiro, mesmo quando, de forma incontrolável, chora por amor.

A Química Que Há Entre Nós é uma grata surpresa no catalogo da Prime. Tem algumas inconsistências no entorno da trama central, mas, ao contrário do que acontece em outros romances que estão no mesmo catálogo (A Vida em Um Ano e O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas), aqui existe uma química entre os protagonistas com a qual nos simpatizamos de imediato. Os personagens são carismáticos e o ritmo é no embalo certo. Sabemos o que aquela história quer nos contar e torcemos para que fiquem juntos. No fim…ah aí só você assistindo e vindo aqui contar o que achou.


Filme: Chemical Hearts (A Química que Há Entre Nós)
Elenco: Lili Reinhart, Austin Abrams, Sarah Jones, Kara Young, C. J. Hoff, Coral Peña, Bruce Altman, Meg Gibson
Direção: Richard Tanne
Roteiro: Richard Tanne, Krystal Sutherland
Produção: Estados Unidos
Ano: 2020
Gênero: Romance, Drama
Classificação: 16
Streaming: Prime Video
Nota: 7,6

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