Adeus, Idiotas foi a sensação do cinema francês desse último ano de 2021. No que seria a premiação equivalente ao Óscar, só que na França, esta comédia dramática do diretor Albert Dupontel levou para casa 7 prêmios no César Awards, incluindo o de Melhor Filme. Dupontel, além de dirigir, assume o roteiro e é um dos protagonistas do filme ao lado da atriz Virginie Efira (Benedetta).
O próprio título do filme já propõe as principais características da narrativa que serão apresentadas nessa dramédia francesa. Temos um tom de despedida ao mesmo tempo que há, também, uma total insatisfação para com quem está se despedindo. Os dois protagonistas, Suze Trappet (Efira) e Jean-Baptiste Cuchas (Dupontel), compartilham de muitas decepções com o que a vida lhes impôs. Trappet é uma mulher que acaba de descobrir uma doença terminal e que lhe resta pouco tempo de vida, Cuchas almeja uma promoção no trabalho que nunca acontecerá, seu destino será sempre o de ensinar profissionais mais jovens, para que estes ocupem os altos cargos que tanto deseja. Tanto Trappet quanto Cuchas tem motivos de sobra para não estarem nem um pouco contentes com o que o destino os reservara. Até esse ponto, Dupontel, na posição de diretor, vai desenhando as entradas e saídas destes personagens de forma muito semelhante nos planos escolhidos, nos ângulos de câmera e na própria composição de suas cenas e, com isso, cria de imediato uma conexão entre os dois personagens.
Entretanto o diretor, em pouco tempo, começa a desenhar uma Trappet mais firme em busca da realização de um último desejo, enquanto demonstra uma impulsividade ao personagem Cuchas. E será através dessa discrepância de ambos que acabaram se unindo. Entretanto o roteiro não está preocupado, somente, com o que se passa com estes dois personagens, Dupontel coloca o ambiente ao redor destas pessoas como ponto fundamental no processo de reflexão não só dos próprios personagens como nosso também. A tecnologia dominando tudo e todos, fazendo com que as únicas duas pessoas que interajam, dentro de um trem, seja Trappet e Cuchas, demonstra a crítica social que o diretor faz aos novos tempos. Há uma cena em especial, quando acompanhamos um novo personagem no trem, que todas as pessoas possuem um celular na mão a aparentam estar em transe e totalmente desconectados do mundo real.
O filme também flerta com o nonsense e esta característica é geralmente acompanhada do humor quando, por exemplo, um cego dirige um carro com medo da polícia chegar. Esses momentos, que são bem ponderados, servem para equilibrar o tom do filme, assim, em nenhum momento sentimos o pesar da mão em algum dos gêneros do filme, drama, romance e comédia. Está tudo muito bem-posto e, sobretudo, posicionado nos momentos certos do filme.
Discussões diversas são levantadas aqui, a tecnologia que não ajudou a extinguir a burocracia, o preterimento de profissionais com mais idades e currículos extensos por jovens inexperientes e a invasão cibernética que viola toda e qualquer privacidade dos nossos dados. Mas Dupontel sabe que jogar muita luz para estes problemas geraria um problema ainda maior para o andamento da trama. Logo, ele utiliza essas ferramentas para gerar interações entre os personagens que ora soam cômicas ora alimentam e fazem a trama andar.
Em determinado momento o longa assume um ritmo mais acelerado, justamente por conta do flerte com o cinema de perseguição. Cuchas é apontado como um criminoso que está a solta e por isso precisa ser capturado. Trappet é a única que pode esclarecer os fatos o inocentando. Em contrapartida, o conhecimento de Cuchas em tecnologia é a chave para ela conseguir a única coisa que falta em sua vida. Esse jogo entre eles se transforma em uma cumplicidade, gerando até um ar de romance que não chega a sobressair mas consegue soar natural quando percebemos.
Virginie Efira, Albert Dupontel e Nicolas Marié (Serge Blin) entregam muita química em cena. O galanteador Blin é extremamente eficiente para com suas cenas e isso é notável desde a sua apresentação no longa. Por vezes funciona como alivio cômico e outras serve de impulsionador para o personagem de Dupontel, Cuchas.
A paleta de cores sempre tendendo ao vermelho e amarelo demonstra muito o estado de espirito, principalmente, da personagem Trappet. Uma mulher combalida mas impulsionada por um grande e último objetivo.
Ao final somos convencidos de que o que tinha de ser feito foi feito. De fato não havia espaços para dramaticidades de improváveis reencontros. É bem verdade que há um pensamento de “deixar para lá” certos acontecimentos, principalmente, no fim do filme, mas o caminho escolhido para o desfecho ao mesmo tempo que surpreende também gera, minutos após o fim, o sentimento de que não haveria como terminar de forma diferente.
Adeus, Idiotas demonstra muita firmeza em como quer tratar cada mensagem colocada no filme. Dupontel acerta a mão em um equilíbrio importante e no timing perfeito das cenas e do clima que oscila entre o humor, o drama e o romance. Mas eu não poderia finalizar essa crítica sem antes citar um dos pontos altos do filme. Quando o policial está a tentar encontrar uma narrativa factível para o que aconteceu – o tiro disparado por Cuchas que acertou o Sr. Dupuis – há uma definição certeira sobre aqueles que defendem o armamento:
“Expressão fálica de uma virilidade mal administrada e reprimida que só serve para ejacular uma raiva terrível”.
Dupontel parece estar falando diretamente com o brasileiro cidadão de bem.
Filme: Adieu Les Cons (Adeus, Idiotas) Elenco: Virginie Efira, Albert Dupontel, Nicolas Marié, Jackie Berroyer, Bastien Ughetto, Marilou Aussilloux Direção: Albert Dupontel Roteiro: Albert Dupontel, Marcia Romano, Xavier Nemo Produção: França Ano: 2020 Gênero: Comédia, Drama Sinopse: Quando Suze Trappet descobre, aos 43 anos, que está seriamente doente, decide ir procurar a criança que foi forçada a abandonar quando tinha 15 anos. Sua busca vai fazê-la cruzar com JB, um quinquagenário em pleno esgotamento mental, e com o Sr. Blin, um arquivista cego de um entusiasmo impressionante. Juntos, eles embarcam em uma missão tão espetacular quanto improvável. Classificação: 14 anos Distribuidor: Polifilmes e Mares Filmes Streaming: Não disponível Nota: 7,2 |