AMOR, SUBLIME AMOR

AMOR, SUBLIME AMOR

Ainda que muito se discuta sobre a dificuldade em aceitar musicais pela forma como suas narrativas se estabelecem – com personagens performando entre danças e cantorias –, para aqueles que já passaram deste ponto, um tanto infantil, é extremamente confortante assistir esta nova adaptação do musical da Broadway de 1957, West Side Story.

Em 1961 uma primeira adaptação cinematográfica do musical foi feita e a direção ficou a cargo de Robert Wise e Jerome Robbins. O filme naquela época ganhou 10 estatuetas no Óscar, incluindo a de Melhor Filme. É bem verdade que se olharmos para o passado veremos que alguns equívocos, talvez inerentes à época do filme, como a escalação de atores brancos para os papéis dos personagens porto-riquenhos, sob uma maquiagem que escureciam um pouco o tom de suas peles, foram relevados em nome da arte. Contudo, ainda que a passos mais vagarosos do que gostaríamos, percebemos que o cinema, de um modo geral, tem se atualizado e se colocado como ferramenta importante para discussões acerca de movimentos urgentes como, por exemplo, a discussão de gênero.

Nesse sentido Amor, Sublime Amor de Steven Spielberg se mostra bastante atencioso com tudo o que será mostrado. Há claramente uma estrutura bem estabelecida sobre a versão de 1961, mas em se tratando de Spielberg, um dos poucos diretores dos Estados Unidos da América que não é cerceado de suas liberdades criativas pelas produtoras, o filme navega por caminhos que dificilmente outro diretor, em uma proposta de uma nova versão para West Side Story, se atreveria a fazer.

Spielberg volta com tudo com este seu novo filme. E por mais que tenha dito em entrevistas que esta empreitada por esse gênero, o Musical, tenha seu inicio e fim marcado pelo mesmo filme, não há muitos defeitos a encontrar nesta obra. O elenco, e aqui não estou julgando A, B ou C, e sim o coletivo, é a grande potência que esse filme tem. Mesmo quando temos uma divisão de setores, Os Jets (estadunidenses) e Os Sharks (porto-riquenhos), as cenas são cheias de força, energia e vibração. Até porque são nesses momentos em que há uma grande concentração de personagens e, como consequência, somos agraciados com as belíssimas apresentações musicais. Mas quando a nossa lupa recai sobre um ou outro personagem conseguimos perceber o quão o ator ou atriz careciam de uma postura melhor, de uma química maior com seu par romântico e, até, de camadas mais profundas.

A escalação de Ansel Elgort como o personagem Tony funciona em partes. Ele realmente se coloca como alguém por quem seu amigo de infância Riff (Mike Faist) é quase que um devoto. Se em um passado, o qual não é posto na obra, Tony e Riff eram semelhantes, tudo mudou por conta de um ato violento que quase acabou na morte de um garoto. Tony agora tenta seguir adiante deixando o histórico de violência para trás. Esse conflito, uma quebra de confiança e na amizade, soa completamente verdadeiro. Entretanto não consigo enxergar essa mesma verdade no relacionamento entre Tony e Maria (Rachel Zegler). Por mais que Rachel entregue performance, extensão vocal e muito mais emoção que seu par (Elgort), a compra desta relação por parte do publico fica comprometida. E para um filme que é, na verdade, uma releitura do clássico Romeu e Julieta de William Shakespeare, tal falha é imperdoável.

Embora o núcleo porto-riquenho agora seja composto por um elenco com fortes ligações com a América Latina, ainda é, também, na força do coletivo e no forte senso de comunidade que eles conseguem impressionar o espectador. Claro que deixo a atriz Ariana DeBose fora disso. Mesmo que alguns tenham seus momentos em que conseguem sobressair um pouco mais, Debose, no papel da personagem Anita, dá verdadeiros shows em cada cena que está presente. E sua personalidade, a forma como vai se mostrando aos poucos, tendo um ápice em sua performance principal com a música América chama atenção, principalmente, pelo seu posicionamento forte em relação ao seu namorado Bernardo (David Alvarez). É dela também a responsabilidade por uma das cenas mais fortes deste longa, quando entra, sozinha, na loja da Srª Valentina (Rita Moreno) abarrotada de garotos dos Jets. Ainda que a personagem reflita toda a tensão dessa cena, não posso deixar de pontuar em como as soluções do diretor passam por algo muito simplório e, ao longo do filme, percebemos que Spielberg não está interessado em grandes avanços que possam tornar tudo mais confuso e cheio de camadas. Ele prefere muito mais se tornar explicativo através dos diálogos de certos personagens e, assim, encerrar o assunto a se alongar em cenas com composições muito elaboradas.

Romeu e Julieta é uma história de amor e tragédia. Aqui a tragédia está em um tom acima do amor. A violência, a definição de quem é o inimigo e até mesmo como a câmera mostra ambos, Jets e Sharks, de forma quase que similar perante a uma cidade que pouco se importa com aquela gente, que a estes olhos nada mais são do que a escória, pessoas que estão abaixo da base da pirâmide social, nos faz perceber a falta de perspectivas para todos, o que acaba se tornando o grande catalisador de todos os conflitos. Contudo é visível, mesmo em meio a tanta tensão, que Spielberg escolhe um lado. A forma como, através de sua câmera, mostra cada grupo e, principalmente, por sempre desenvolver o lado reativo do povo porto-riquenho, fica claro que nesta história é este povo, embebido de orgulho pela bandeira que representa, o lado a ser defendido.

Assim como para Maria, que aceita Tony, mesmo este se deixando levar pela violência e lhe provocando uma grande dor, aceitamos, também, esta mesma violência que é intrínseca a vida daquelas pessoas. Essa normalização permite, então, que consigamos, sim, enxergar um lado como o provocado e o outro como provocador.

Amor, Sublime Amor se coloca a frente, na cerimônia do Óscar, apenas na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. DeBose ganhou praticamente todos os prêmios que concorreu nesta temporada de premiação. Mas destaco, também, o excelente trabalho de design de produção, que no Óscar entra na categoria Direção de Arte. O filme se conecta com o espectador de tal forma que o leva para os clássicos musicais da década de 60 ao mesmo tempo que entrega muita contemporaneidade.

Spielberg que, aqui, trabalha bastante com as tramas pessoais entre um número musical e outro, não termina este filme sem antes fechar o arco de uma das principais personagens, sem nome, interpretada por Iris Menas, artista não binaria e que traz para sua personagem toda uma carga real. Ao final ela, a personagem, é, finalmente, reconhecida em como se vê e não em como os outros a veem.

Amor, Sublime Amor não é o melhor filme de 2021. Não é o franco favorito para os grandes prêmios deste próximo domingo, na premiação do Óscar/22, mas é uma obra completa do ponto de vista técnico. Spielberg foi muito além do esperado nessa releitura da obra original de 1957 e da primeira adaptação para o cinema de 1961. Espero que ele repense sua decisão e nos presenteie com outros musicais desse mesmo nível.


Filme: West Side Story (Amor, Sublime Amor)
Elenco: Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose, David Alvarez, Rita Moreno, Brian d’Arcy James, Corey Stoll, Mike Faist
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner, Arthur Laurents
Produção: Estados Unidos
Ano: 2021
Gênero: Musical
Sinopse: Um amor à primeira vista acontece quando o jovem Tony vê Maria em um baile do ensino médio em 1957, na cidade de Nova York. Seu romance florescente ajuda a alimentar o fogo entre duas gangues rivais que disputam o controle das ruas: os Jets e os Sharks.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: 20th Century Studios
Streaming: Disney+
Nota: 8,0

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