É curioso pensar nos problemas que existem na Ucrânia e como através do cinema podemos perceber, principalmente, que este conflito, que ainda perdura até os dias de hoje (Junho/22), tem suas raízes lá no passado. Recentemente escrevi uma crítica sobre o filme “Klondike: Guerra na Ucrânia” que trata, justamente, sobre o inicio dos conflitos entre Rússia e Ucrânia no ano de 2014. Já Armadilha Explosiva (Déflagrations), filme francês do diretor Vanya Peirani-Vignes, joga luz em outro problema, este um pouco mais pontual, na região de Donbas: as minas terrestres.
O longa que começa com tomadas aéreas da cidade de Paris e com uma trilha sonora extremamente sugestiva indicando ao espectador o ar de suspense que paira no ar, logo troca o ambiente externo por uma trama que se passa majoritariamente dentro de um carro estacionado em uma garagem localizada no que aparenta ser o subsolo de um edifício residencial. Tramas que se desenvolvem em espaços reduzidos não chegam a ser novidade, aqui no site, por exemplo, tem a crítica do filme brasileiro “A Jaula“, protagonizado por Chay Suede, no qual, de forma semelhante, tem como ambientação o interior de um veículo também.
O grande problema deste tipo de escolha é que, desta forma, a atenção fica toda em cima dos personagens e, com isso, o trabalho dos atores precisa ser perfeito já que não há muitas distrações para o público. O roteiro precisa ser inteligente e a todo momento instigar o espectador a comprar tudo o que está acontecendo em cena, mas é, justamente, nesse ponto que o filme dá sua primeira derrapada. O roteiro que é escrito pelo próprio Vanya Peirani-Vignes não consegue encontrar elos entre o que está acontecendo e o passado daqueles personagens. Tenta através de diálogos rasos e ligeiros informar, minimamente, o que poderia ter gerado toda aquela situação em que a protagonista Sonia (Nora Arnezeder) e seus dois filhos se encontram.
Um carro com uma mina terrestre acoplada em seu chassi e uma contagem regressiva no painel do veiculo geram tensão suficiente, mas enquanto o cronometro marca pouco mais de 20 minutos e ainda estamos no inicio do filme sabemos que, por não estarmos assistindo a um curta-metragem, muita história ainda irá rolar mesmo depois do fim daquela contagem – a menos que o diretor resolvesse subverter a lógica da trama e do desenvolvimento de sua protagonista, o que não é o caso.
Se o roteiro não consegue sustentar o estado de alerta por muito tempo, os personagens tampouco. Na verdade esse filme incita um exercício nosso de criar e recriar conflitos para a trama, muito embora aqueles personagens pareçam não ter noção do perigo iminente que os rondam: o risco de explosão daquele carro a qualquer momento que mataria não só as pessoas que estão dentro dele como muito provavelmente acarretaria em um colapso da estrutura do edifício, ampliando ainda mais o rastro de destruição. Ainda que uma hora ou outra haja uma subida de tom e que alguns personagens fiquem mais ríspidos, dando a ideia de ansiedade, preocupação e medo, ainda assim é pouco para o que de fato está em jogo ali.
Outro ponto bastante discutível é uma certa preocupação demonstrada pelo diretor em dar para este filme um comando feminino. Com quatro personagens importantes na trama: Sônia, Camille (Sara Mortensen), Nina (Olga Korotyayeva) e a Major Feller (Alika Del Sol), me parece razoável pensar que a intenção era dar a elas o protagonismo – tão comum a personagens masculinos – para este tipo de filme. Se pensarmos na personagem Camille e em como ela toma as rédeas da situação por várias vezes, demonstrando total destreza no que está fazendo ao mesmo tempo que possui uma confiança inabalável até quando é questionada por alguém superior, podemos ter uma impressão equivocada quanto aos desdobramentos para essa escolha do diretor. Ela é, na verdade, a única que possui um arco realmente motivador. As demais, até mesmo a protagonista Sônia, parecem apenas figurar naqueles recortes de vida que o diretor desenvolveu neste filme. Nina é uma mulher cuja a dor da perda de seus filhos a transforma em alguém irracional, a Major Feller, mesmo sendo, ali, a personagem de maior respeito, passa todo o longa sendo jogada de um lado para o outro sem tomar nenhuma decisão efetiva ou que mudasse os rumos da história. Por ultimo temos Sônia, uma mãe desconectada de seu filho, muito apegada a adrenalina de seu trabalho – desativar minas terrestres – e com uma oportunidade de reconexão. Há todo um desenvolvimento feito para isso, mas quando precisa escolher, é seu trabalho que ainda fala mais alto.
Aos homens resta um papel de observador. O namorado de Sônia, Fred (Pierre Kiwitt), passa todo o filme esboçando muito pouca ou quase nenhuma reação mesmo tendo Sônia e seus filhos dentro de um carro que pode explodir a qualquer momento. Igor (Radivoje Bukvic), colega de trabalho de Sônia, por quem nutre, também, uma forte paixão, possui um desprezo totalmente injustificado por Fred – sim ele ama Sônia e não se conforma que ela tenha escolhido fica com outro – ainda assim, aquela situação, em que a vida de pelo menos quatro pessoas estão em risco, era motivo de sobra para que toda essa imaturidade fosse esquecida.
O filme que é dividido em três núcleos: Camille e Igor tentando desarmar a bomba, Major Feller tentando descobrir o que há por trás desta situação (foco da trama) e o conflito familiar entre Sônia e seus filhos que se estende para fora do veículo nos contatos que tem com Fred, são bem pontuados, porém com um núcleo mais bem trabalhado que os outros. Nesse ponto, como já citei, a parte em que vemos Camille em ação nos coloca interessados em saber quais serão os próximos movimentos para que todos saiam com vida. Já a investigação que é feita pela Major Feller é totalmente desprovida de qualquer inteligência. O pouco que é descoberto se faz de forma tão jogada que não representa nenhuma reviravolta à trama. O drama familiar, por sua vez, não consegue nos emocionar. Possui apenas um ponto de grande reflexão que é justamente na “escolha de Sofia” que deve ser feita por Fred, fora isso o filme demora demais em argumentações sem profundidade que estão ali por mera formalidade.
Armadilha explosiva possui no titulo uma ideia muita mais instigante do que o filme se mostrou ser. Personagens a um primeiro olhar com dimensões à explorar, mas que ficaram apenas nas camadas mais superficiais. O filme que precisava, por ser esta a sua premissa, se fundamentar em uma tensão crescente, leva o espectador em banho maria o tempo todo. Com isso, por conta desse drama sonolento, mesmo as informações reais, dadas ao fim do filme, sobre as minas terrestres que existem em Donbas e de todas as tragédias que já ocorreram devido a elas, não conseguem surtir um maior efeito no público.
Filme: Déflagrations (Armadilha Explosiva) Elenco: Nora Arnezeder, Pierre Kiwitt, Radivoje Bukvic, Sara Mortensen, Marius Blivet, Léwine Weber, Alika Del Sol, Olga Korotyayeva, Edouard Montoute Direção: Vanya Peirani-Vignes Roteiro: Vanya Peirani-Vignes, Pablo Barbetti Produção: França Ano: 2021 Gênero: Suspense, Drama Sinopse: Em um estacionamento parisiense, Sonia está presa em seu carro, junto com seu filho Thomas e Zoé, filha de seu parceiro Fred, que ficou do lado de fora, sem poder fazer nada. Uma mina anti-tanque foi instalada em seu carro. Sonia é especialista em desarmar bombas e trabalha na mesma ONG que Fred. Ela liga para Igor e Camille, dois colegas de trabalho, para ajudá-la. Eles têm menos de 30 minutos. Para Sônia, acostumada a se colocar em perigo, o risco é maior do que ela imagina. Será que eles conseguirão permanecer unidos diante dessa ameaça iminente? Classificação: Sem Classificação Distribuidor: A2 Filmes Streaming: Indisponível Nota: 5,7 |