“Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” é um filme que trata da vida em morte de Hector Babenco, cineasta que nasceu e viveu na Argentina até os 17 anos e logo depois, aos 19, veio viver e trabalhar no Brasil. Seus filmes costumam trazer uma sensibilidade específica que sempre se choca conosco e consigo mesma. É sempre um impacto imprevisível, como aquela cena em “Pixote” na qual Sueli, personagem da Marília Pêra amamenta o próprio Pixote e, logo em seguida, o rejeita. Pixote, aliás, é o personagem do ator Fernando Ramos da Silva que, fora da ficção, foi morto aos 19 anos pela polícia em São Paulo. A cena e a vida comovem, acalentam, assustam. A realidade impregna as intenções da ficção. E no documentário, o próprio Hector Babenco diz: “Assim que nasce a ficção: de você inventar uma sensação e desenvolvê-la. Minha grande dor é ter dito uma relação sempre difícil com o fazer (…) e a sensação de que a grande obra não foi feita.”
Sabemos que não é fácil para a maioria dos/das cineastas fazerem o filme que querem. Além, claro, das questões financeiras e técnicas, há uma outra tão relevante quanto essas: o próprio filme. Sim, por vezes o próprio filme se repele da própria forma. Após um certo ponto, o próprio filme, principalmente através da história que conta, decide como quer ser, qual sua forma. Não surpreende muitas pessoas eu dizer que um filme tem vida própria. Mas talvez surpreenderia muitas pessoas saberem que quando se está completamente desejante de contar uma história, pode ser difícil ouvi-la dizer como ela quer, merece e/ou precisa ser contada.
Há, sem dúvidas, limitações técnicas, mistérios, silêncios, ritmos imprecisos que permeiam sobretudo os filmes que buscam uma Fotografia e um Roteiro mais poético, subjetivo, sensorial. Algo cheio da precisão inexata, não limitante para o público, com a poesia que a história busca e necessita. Há muitas dificuldades para se transmitir adequadamente aos variados públicos essa proeza.
Bárbara Paz é diretora e principal produtora do filme e também divide o roteiro com Maria Camargo e a montagem com Cao Guimarães. A fotografia de Carolina Costa e Stefan Ciupeck, contando principalmente com registros feitos por Bárbara, consegue despetalar e revelar várias sensibilidades sem ser incoerente. Todos os departamentos do filme, bem como a história e o público, querem a mesma coisa. Bárbara aprendeu a fazer um foco delicado. Tanto que o documentário estreou no Festival de Veneza e logo ganhou o prêmio de melhor documentário. No Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, ganhou os prêmios de Melhor Documentário, Melhor Primeira Direção, Melhor Montagem e Melhor Som. “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” foi a Indicação Oficial do Brasil para a Categoria Melhor Filme Internacional para o Oscar 2020.
O filme traz informações, afinal, trata-se de uma “biografia”. Uso aspas porque o documentário se concentra na reanimação que o Hector recebia, e ainda recebe, do cinema. Eram os filmes que estendiam seu prazo e, embora não removessem o câncer, o venciam. Os filmes o faziam e o Hector, através deles, o faz. A nutrição típica de um documentário não deixa de existir nesse, mas vem de com alguma sutileza e a já citada poesia. O filme ao trazer cenas em preto e branco de filmes dirigidos pelo Hector, não apenas se preenche e mostra a sua obra. Mas também desperta o fascínio em quem ainda não os tenha assistido. E faz com que quem já os assistiu, assista novamente de forma ao menos um pouco diferente. “Babenco” realiza esse feito sem permitir que os filmes do Hector sejam resumidos à associação com sua vida íntima. Instiga-nos sim a os olharmos como histórias contadas em diálogo com uma realidade vivida e trabalhada através do imaginar para transmitir emoções outrora ou nunca sentidas.
O filme trata da memória, da dor, da vida íntima de forma muito mais que elegante e digna. Vê-se ali o retrato de um homem no qual nada nos procedimentos médicos e diagnósticos doía, mas doía sim a própria vida. Hector teve parcerias que lhe permitiam sonhar acordado, dançar na chuva e realizar filmes, como Bárbara soberanamente faz. Além do trabalho de uma excelente diretora, emociona a parceira que ela é.
Talvez o filme exija que seja publicado e guardado em segredo o spoiler mais importante: Hector Babenco está vivo e morando em Hong Kong, casado com uma deusa do cinema e lendo obituários num belo apartamento com vista para o mar. Lá onde ninguém nunca irá o encontrar. Hector já viveu a sua morte, faltava apenas fazer sobre ela um filme. Faltava-lhe silêncio. Por favor, silêncio!
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Filme: Babenco- Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou Elenco: Hector Babenco, Williem Dafoe, Bárbara Paz, Ana Simonsen, Pedro Simonsen, Chen Li. Direção: Bárbara Paz Roteiro: Maria Camargo e Bárbara Paz Produção: Brasil Ano: 2019 Gênero: Documentário Sinopse: “Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela” – disse o cineasta Hector Babenco a Bárbara Paz, ao perceber que não tinha muito tempo de vida. Ela aceitou a missão e realizou o último desejo do companheiro: ser protagonista de sua própria morte. Nesta imersão amorosa na vida do cineasta, ele se desnuda, consciente, em situações íntimas e dolorosas. Revela medos e ansiedades, mas também memórias, reflexões e fabulações, num confronto entre vigor intelectual e fragilidade física que marcou sua vida. Classificação: 12 anos Distribuidor: Imovision Streaming: Apple iTunes, Net Now, Looke, Google Play Movies, Microsoft Store Nota: 8,0 |
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