BELFAST

BELFAST

O mundo, tal qual conhecemos, parece ser forjado na guerra e nos incontáveis conflitos, sempre violentos e sangrentos, que costumeiramente insistem em marcar presença em diversos momentos da história, como é o caso da guerra atual envolvendo Rússia e Ucrânia. Evidente que as guerras e os conflitos existem sob proporções distintas, entretanto as marcas causadas na população presente em ambos, muitas vezes, são impossíveis de distinguir.

O conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, que teve um dos seus piores capítulos na década de 70, se iniciou no século XII, com o Rei inglês Henrique II. Ao longo dos séculos muito sangue foi derramado em nome das duas religiões, similares e distintas ao mesmo tempo, dos diferentes vieses políticos, socioeconômicos e, até, históricos. É através desse pano de fundo que o diretor Kenneth Branagh conta sua história em Belfast, filme de 2021 que concorre em cinco categorias no Óscar 2022: Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante. E já adianto que este é um dos meus filmes preferidos de 2021, ficando atrás somente de Ataque dos Cães (Crítica aqui).

Nessa volta ao passado, Branagh se expões através do personagem Buddy (Jude Hill) – poderia, facilmente, estar entre os indicados a Melhor Ator – uma criança de 9 anos, de uma família protestante, que vive como toda e qualquer criança da sua idade, mas que vê, ainda que com olhos infantis e imaturos, toda sua vida, de certa forma, desmoronar. Sua identidade, que está muito ligada ao lugar que pertence, seu lar, passa a ser questionada e esta confusão é muito bem desenvolvida pelo jovem ator. É interessante como tudo flui de forma suave, calcificando assim o propósito do longa, em ser um grande quadro preenchido somente pelo pequeno Buddy.

Além disso, Branagh faz uso, por muitas vezes, da câmera baixa, assim como foi feito por Alfonso Cuarón em sua visita ao passado com ROMA (2018), remetendo e reforçando a ideia de quem é o ponto de origem de tudo o que se vê, Buddy. Essa acuidade também é vista na escolha por rodar o filme em preto e branco, mas utilizar os filmes e as peças que o pequeno Buddy assiste em sua forma colorida. Afinal ali está a arte, o incentivo à imaginação e, em determinado momento, seu único momento de fuga da realidade que lhe corroía aos poucos. Outro movimento importante feito pelo diretor e roteirista é a forma como compõe a escalada de tensão em Belfast e a enorme preocupação da personagem Ma (Caitriona Balfe) em contraste com as preocupações do pequeno Buddy que, toda noite, ora para Deus pedindo que na manhã seguinte ele seja o melhor jogador de futebol do mundo e que sua colega de sala case com ele mesmo gostando de outro garoto. Aliado a esse ponto, é importante ressaltar como todo o elenco orbita em torno desse personagem.

Remando ao contrário, destaco a grande atuação do ator Ciarán Hinds, interpretando o avô Pops, o único que realmente escuta Buddy e que fala de uma maneira agradável e entendível para o seu neto, fazendo com que o próprio garoto consiga encontrar soluções para seus problemas.

Conforme o filme avança, as tensões se intensificam e os conflitos tomam corpo em sua própria casa com as diferenças que vão surgindo entre seus pais e, principalmente, pela constante ausência de seu pai (Jamie Dorman).

Se já citei Ciarán Hinds, sou obrigado a elogiar, também, o ótimo trabalho feito por Caitriona Balfe no papel da Mãe. Sozinha, ela cuida de dois filhos no meio de um estado de tensão crescente, com problemas financeiros e assédios por parte dos protestantes da região que insistem que eles tomem partido neste conflito, já que são protestantes também. Muita gente questiona a cena em que há uma espécie de celebração. Eu discordo, vejo com muito bons olhos em como tudo ale é desenvolvido, servindo inclusive como uma reaproximação da família. Todos ali, naquela cena, estão envolvidos com aquele clima, mas, de fato, a performance de Caitriona surpreende. Sua desenvoltura concebe a personagem uma tranquilidade por saber que, naquele momento, tem a liberdade de sair do estado de alerta em que se encontrava, constantemente, já a algum tempo.

É com esse reencontro da família que Buddy se sente melhor, mais confiante e protegido. Mesmo no ápice do conflito, não parecendo entender a gravidade do que está ocorrendo, se vê envolto pelos braços de seus pais. Não há lugar mais seguro que aquele. O entendimento de que o importante é que fiquem todos juntos se torna, agora, muito claro para todos.

Belfast emociona por vermos uma infância marcada, de certa forma, por cenas lamentáveis de intolerância e violência. O diretor, porém, escolhe não carregar essa raiva para, assim, dar um tom mais suave à sua trama, sobretudo ao desenvolvimento do personagem Buddy. O jovem ator que, repito, merecia uma vaga entre os indicados da categoria de Melhor Ator, possui uma destreza nos vários tons que precisa entrar ao longo do filme. Há o amor que sente pela colega de sala, há a cumplicidade que tem por sua prima, a idolatria que tem por seu pai, a amizade incondicional por seu avô e sua mãe como a representação de seu maior porto seguro. O elenco todo vai muito bem com o que lhe é solicitado. Belfast, apesar de um filme que remonta um passado, ainda é muito atual diante, principalmente, de quando refletimos sobre o que o futuro nos reserva.


Filme: Belfast
Elenco: Jude Hill, Ciarán Hinds, Jamie Dornan, Judi Dench, Caitriona Balfe, Colin Morgan, Lewis McAskie, Lara McDonnell
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Kenneth Branagh
Produção: Reino Unido
Ano: 2021
Gênero: Drama, Biografia
Sinopse: Na Irlanda do Norte dos anos 60, um menino de 9 anos experimenta o amor, a alegria e a perda. Em meio a conflitos políticos e sociais, o garoto tenta encontrar um lugar seguro para sonhar enquanto sua família busca uma vida melhor.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Universal Pictures
Streaming: Não disponível
Nota: 8,1

*Estreia dia 10 de março de 2022 nos cinemas*

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