Parte da cobertura oficial da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Fraternidade em filme
“Bratan” é tanto um delicioso filme de viagem quanto uma história sobre o laço entre dois irmãos. O filme acompanha Farukh e seu irmão pequeno Panqueca, enquanto cruzam o que hoje seria o território do Tajiquistão para chegarem na casa de seu pai. Farukh busca oportunidades melhores, e Panqueca busca acompanhar o irmão. Passam por diversas aventuras no trem de um tio, e não fica claro no filme se é um tio mesmo ou se é só como chamam pessoas mais velhas amigáveis, já que chamam outras pessoas de forma parecida ao longo do filme.
O filme equilibra bem o lado sobre a aventura no trem e o lado sobre o amor entre os irmãos. Mesmo que Panqueca às vezes enlouqueça Farukh, este faz de tudo para proteger o irmãozinho no percurso. Essa ternura é encantadora e não é algo que vemos sempre em filmes sobre irmãos – eles se abraçam, Farukh consola os choros do irmão, cuida sempre que ele tenha se alimentado, por exemplo. O filme tem suas violências, mas de longe não é o foco.
Para mim também foi muito positiva a representação do islamismo da região no filme. A religião só está lá, toda a identidade dos personagens não se baseia no fato deles serem, muito provavelmente, todos muçulmanos. Vemos uma sociedade com muito mais liberdades do que o imaginário ocidental tem sobre o islamismo. E isso é algo que esse filme em 1991 fez melhor do que muitos filmes atuais, inclusive.
Uma experiência diferente
O filme, à primeira vista, pode causar um afastamento por não ser em cores (eu diria que é sépia, não preto e branco). Mas, sem as cores, me pareceu ser possível apreciar a história e as lindas paisagens tajiques de forma um tanto pura. No sentido de que era possível apreciar mais o todo, sem focar nos detalhes coloridos disso ou daquilo, e isso funcionou muito para mim. Eu gosto de filmes em preto e branco, então não foi tanto uma quebra de expectativas.
Preciso também elogiar a direção e direção de fotografia que conseguiram imprimir a beleza da paisagem da região em um filme que não é colorido. Isso não é nada fácil de fazer, de um ponto de vista técnico, e conseguiram criar uma vontade de conhecer o país.
Agora sobre os atores. Tanto Farukh (Firus Sasaliyev) quanto Panqueca (Timur Tursunov), após uma breve pesquisa, parecem que eram não-atores, e não fizeram mais nada como atores após esse filme. O que é interessante, pois apesar de algumas escorregadas, conseguem entregar a história e o amor entre os irmãos muito bem. Panqueca em especial é um show à parte, ele está hilário. Uma explicação à parte: não-atores é o termo utilizado para quando uma produção utiliza pessoas “normais”, que não possuem treinamento em atuação.
Tajiquistão
Já que minha formação é em relações internacionais, e é raro que produções tajiques cheguem ao Brasil, queria dar também um breve contexto sobre o país. Como o filme foi lançado em 1991, logo antes do fim da União Soviética, ainda consta como uma produção soviética. No entanto, foi filmado no Tajiquistão, e sua equipe e elenco são majoritariamente tajiques. O Tajiquistão é um país de maioria muçulmana, que foi parte relutante do Império Russo e, posteriormente, da União Soviética, entre o final do século de 19 e 1991. O filme se passa em uma época, no início dos anos 90, durante a qual a região passava por muita turbulência política, social e econômica. O Tajiquistão era a região da União Soviética com alguns dos piores índices de estudo, renda e direitos básicos. Para piorar, após a independência em 1991, o país caiu em uma guerra civil, que só agravou a situação precária da população. Atualmente, o país é uma república sob dominância de um só partido. O presidente, Emomali Rahmon, está no poder desde 1994.
Com esse contexto, é possível entender a motivação de Farukh em procurar novas oportunidades, já que a cidade em que morava com a avó parecia não oferecer muito. Explica, também, algumas das aventuras que eles têm em seu percurso e a situação econômica que encontram pelo caminho.
Bratan na 46ª Mostra
“Bratan” faz parte da seção “Apresentação Especial”, pois foi recentemente restaurado pela Veit Helmer-Filmproduktion no laboratório Cinegrell. Será exibido nos cinema nos dias 21/10, às 18h10 (Espaço Itaú de Cinema – Augusta Anexo 04), 22/10 às 20h40 (Cine Marquise – Sala 02), 23/10 às 16h10 (Instituto Moreira Salles), e 26/10 às 20h (SPCine Lima Barreto – CCSP). Cheque o aplicativo ou site da Mostra para confirmar os horários, estão sempre sujeitos à alteração.
Quando foi lançado, o filme ganhou prêmios no Entrevues Film Festival, no Festival Internacional de Fribourg, no Festival Internacional de Mannheim-Heidelberg, no Nantes Three Continents Festival, e no Torino International Festival of Young Cinema. Quando foi relançado em 2022 no Festival de Veneza, o filme foi nomeado para o prêmio de melhor restauração.
“Bratan” foi uma agradável surpresa, tanto engraçado quanto terno. E ainda dá a oportunidade de assistir um filme de um país com o qual temos pouco contato – para mim isso é riquíssimo!
Filme assistido na cabine de imprensa da Mostra.
A 46a Mostra Internacional de Cinema ocorrerá em São Paulo entre os dias 20 de outubro e 02 de novembro de 2022. Para mais informações, acesse o site oficial: https://46.mostra.org/
Filme: Bratan Elenco: Timur Tursunov, Firus Sasaliyev, N. Arifova Direção: Bakhtyar Khudojnazarov Roteiro: Bakhtyar Khudojnazarov, Leonid Machkamov Produção: União Soviética (no território do atual Tajiquistão) Ano: 1991 Gênero: Aventura Sinopse: Farukh, de dezessete anos, e Panqueca, de sete anos, são dois irmãos que vivem em uma pequena cidade tajique, criados por sua avó desde que os pais se separaram. Eles decidem procurar pelo pai que mora em uma cidade distante, onde trabalha como médico. Para isso, eles pegam um trem no Tajiquistão, atravessando colinas e montanhas, cidades e vilarejos, até a fronteira afegã (Sinopse oficial). Classificação: Não disponível Distribuidor: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Streaming: Indisponível Nota: 8,5 |