Como Matar a Besta é uma coprodução entre Argentina, Brasil e Chile dirigida pela diretora argentina Agustina San Martin. Este é seu primeiro longa e as recepções em festivais como Toronto Film Festival (Canadá), Mar del Plata Film Festival (Argentina) e Huelva Film Festival (Espanha) sempre foram muito positivas. Filmado na fronteira entre Brasil e Argentina, região que a diretora conhece bem e tem verdadeiro fascínio, o filme constrói a partir de uma determinada pluralidade, uma vez que tal local é habitado por pessoas de ambos os países e o idioma bem como a cultura se alimentam dessa fusão, o ambiente mais que oportuno para desenvolver sua história.
A personagem central é Emilia, interpretada docemente por Tamara Rocca em seu debute em longas, tal como a diretora. Ela é contida, introspectiva, muito mais de ouvir do que de falar. Sua chegada naquela região, até então desconhecida por ela tem como motivação a busca por seu irmão mais velho, com quem perdeu todo e qualquer contato. No entanto há tantas outras buscas em sua vida. Sua identidade, suas paixões e, até mesmo, seus medos.
A geografia do lugar é muito confusa. Ora estamos completamente aprofundados em uma zona de mata, distante de tudo e ouvindo apenas o som da natureza e, aqui, vai o elogio para a equipe de som que coloca ênfase em cada estalar de galho, no farfalhar das arvores e no som pulsante que emana do coração daquela floresta, ora vemos uma espécie de cidade mais estruturada, ainda que a infra estrutura seja mínima, como fica claro com ausência de sinal no telefone celular da protagonista, forçando-a a usar um “extinto” orelhão para suas chamadas sem resposta ao irmão Mateo.
O roteiro apesar de ter um senso de direção bem claro, abre algumas portas, nos apresentam situações e conflitos e as solucionam ou pensam solucionar partindo de um pressuposto falso, a negação por parte do espectador, como é o caso do paradeiro de Mateo. Ainda que haja, por parte da cena e dos personagens que a compõe, uma sugestão para o que possa ter acontecido, ainda assim é no campo da subjetividade que ela se estabelece e, infelizmente, outros tantos percursos existentes no roteiro terão conclusões similares.
Como Matar a Besta é um filme que apresenta um universo de dualidades e a própria fronteira já exerce essa força para o filme. Embora haja a busca de Emilia por seu irmão, há também a necessidade de entender quem ela é e como seus desejos serão, ou não, aceitos por uma sociedade que, ali, sofre forte influência da igreja. Inclusive a busca por uma Besta que ronda a cidade reforça, principalmente, a ela, a ideia de medo.
Agustina também trabalha com simbolismos como quando coloca a imagem de um grande touro aparecendo entre as arvores perto da pousada em que Emilia está hospedada e carregando uma corrente – o som que ela faz preenche a tela – se materializando, assim, como o medo que consome a protagonista. O encontro de olhares entre eles é cheio de tensão, mas possuem uma intenção muito mais de desafiar a personagem do que de faze-la recuar.
A cidade, como é escolhida ser mostrada, sempre coberta por névoas e com muitas passagens noturnas com direitos a sussurros e sons indistinguíveis, cria uma atmosfera propicia para como o longa precisa se estabelecer, através da dúvida, dos receios, da paralisia diante do desconhecido e, sobretudo, pela falta de uma identidade. Muito embora estes elementos se complementem para, assim, construir uma unidade importante dentro do longa, faz falta a exploração dos movimentos pertinentes a uma cidade como aquela. Com uma câmera estática na maioria das vezes – entendo que o filme desejasse esse ar contido, também, através da captação das imagens – o longa peca um pouco com esse efeito de colagem de vários quadros estáticos na tentativa de formar ideias.
A falta de dinamismo que atrapalha em outros momentos do filme, atinge o timing perfeito quando estamos conhecendo a protagonista. Os impasses na vida de Emilia são reais. A busca por seu irmão, que pode muito bem ser revertida numa busca por ela mesma é extremamente feliz, principalmente, quando percebemos para quem vai seus olhares e em como a diretora constrói alguns de seus flashbacks. A forma cadenciada, coerente com os movimentos de Emilia em toda a trama, faz total diferença para entendermos por tudo o que ela está passando, seja em relação a seu irmão desaparecido, a sua irmã, ao seu namorado e à Julieth (Julieth Micolta), uma nova hospede da pousada em que ela está.
O longa se apresenta de forma confusa, mas tem na confusão o centro da sua lógica. Rodado na região das Missões, na fronteira Brasil/Argentina, o filme possui o raciocínio dentro do que essa realidade, da pluralidade e da diversidade confrontando com uma presença religiosa e, de certa forma, conservadora pode trazer. A personagem se vê cada vez mais perto de se mostrar como é, mas seu medo parece se tornar ainda mais real, mais palpável.
Como Matar a Besta está em exibição nos cinemas brasileiros através do projeto Sessão Vitrine. Acessando o site da Vitrine Filmes você fica sabendo os locais de exibição deste filme.
Filme: Matar a la bestia (Como Matar a Besta) Elenco: Tamara Rocca, Ana Brun, João Miguel, Sabrina Grinschpun, Juliette Micolta, Kaique Jesus Direção: Agustina San Martín Roteiro: Agustina San Martín Produção: Argentina, Brasil e Chile Ano: 2021 Gênero: Drama, Suspense Sinopse: Emilia chega a uma cidade religiosa na fronteira entre Argentina e Brasil. Ela busca pelo seu irmão desaparecido, com quem tem assuntos obscuros e mal resolvidos. Ela se hospeda na casa de sua estranha Tia Inés, próxima a floresta onde, de acordo com rumores, uma perigosa besta apareceu uma semana antes. A besta – as pessoas dizem – é o espírito de um homem mau que toma a forma de diferentes animais. Entre realidade e mitologia, humano e animal, e culpa e sexualidade, Emilia terá de confrontar seu passado. Classificação: 14 anos Distribuidor: Vitrine Filmes Streaming: Indisponível Nota: 7,0 |