CRÍTICA – A BELA AMÉRICA

CRÍTICA – A BELA AMÉRICA

Em A Bela América (Ferreira, 2023) somos apresentados a Lucas (Estêvão Antunes), um cozinheiro que mora com a mãe na cidade de Coimbra, em Portugal. Após ser despejado injustamente de sua casa, o personagem vai morar em um barraco de madeira e tenta sobreviver vendendo marmitex. Nisso, conhece América (São José Correia), candidata à presidência por quem Lucas desenvolve uma obsessiva paixão.

O formalismo melancólico de A Bela América

Existe uma aura muito melancólica em A Bela América (Ferreira, 2023), que reforça o seu discurso sociopolítico. Inegavelmente, a trajetória de Lucas é, por si só, melancólica. Uma vez que o homem basicamente perde tudo o que tinha — suas casas, seu pai, sua liberdade, e até mesmo sua perspectiva de vida — é impossível falar que sua vida não é repleta de desalento. 

Portanto, esse formalismo desanimado de António Ferreira casa muito bem com a história do personagem principal. Entretanto, esse não é o único aspecto conteudista reforçado pela forma. Em A Bela América (Ferreira, 2023), Lucas divide seu protagonismo com a candidata à presidência América. Ainda que a vida da mulher não seja melancólica como a de Lucas, o contexto que a envolve é. 

Populista e intimista

Isto é, a candidata é apresentada como uma grande populista. Em outra palavra, ela e sua equipe se aproveitam de apelos (e mazelas) populares para alavancar sua eleição. A cena do drone, por exemplo, sumariza muito bem isso. Uma casa pegou fogo, destruiu uma família, e a equipe de América só quer um belo plano disso na TV. “Tragam o velho e a cega”!

Nesse sentido, sob a ótica do populismo, a câmera de Ferreira, próxima e na mão, ganha ainda mais força. Afinal, uma câmera assim gera empatia, intimismo e aproximação. Basicamente todo o conceito de um político populista. Entretanto, apesar de abordar esse lado do populismo, A Bela América (Ferreira, 2023) não aprofunda muito em aspectos mais políticos da candidata.

A Bela América e o famoso “centrão”

Em determinados momentos a candidata apresenta pautas que flertam mais com a esquerda. Ora sua equipe a encaixa na direita — chamam até a oposição de “comunistas”. Em outra ocasião, América se qualifica como centro — “nem direita, nem esquerda, muito pelo contrário”. Desse modo, essa estratégia de jogar a candidata para vários lados se alinha muito com o que vemos muito no Brasil com o “centrão” populista. 

Apesar dessa linha vem-pra-cá vai-pra-lá fazer sentido com o perfil da candidata, sua figura acaba sendo afetada com uma falta de desenvolvimento político maior. Assim sendo, as intenções ou até mesmo as políticas de América nunca ficam muito claras. Por consequência, outros personagens, como aqueles retratados como oposição ou apoiadores, ficam com suas motivações meio perdidas dentro do filme. Em virtude disso, parece que suas presenças estão ali mais para movimentar Lucas do que para estirar a trama de desrespeito, desalento e populismo do filme.

Estrutura de classes em uma sociedade desigual

Ainda assim, existe um certo teor crítico bem consistente no filme, que se resume quase a uma luta de classes. O diálogo final entre Lucas e América, sobre o elevador, deixa isso bem evidente. A elite sobe, não importa quem tenha que descer para isso. Nesse sentido, o final com os trabalhadores cantando Bella Ciao (hino italiano concebido contra a elite fascista) é bem simbólico.

No entanto, mesmo com essa certa lacuna desmotivadora política, A Bela América (Ferreira, 2023) consegue trazer um comentário bem pertinente quanto a nossa sociedade atual. O rico fica mais rico, o pobre fica mais pobre. E a elite fará o que for necessário, inclusive populismo barato, para se aproveitar da parcela frágil da população.

Por fim, o filme se mostra como um drama bem melancólico. Alinhado à comentários sagazes, uma crítica pontual, um elenco bem coeso — Estêvão Antunes está ótimo, com toda a caricatura que seu personagem requer —, um certo humor ácido e uma pitada de um bizarro romance. Afinal, A Bela América (Ferreira, 2023) é uma boa adição ao catálogo de 2023 e ao cinema português como um todo.


Pôster do filme "A Bela América", de António Ferreira. Filme: A Bela América
Elenco: Estêvão Antunes, São José Correia, Custódia Gallego, Carlos Areia
Direção: António Ferreira
Roteiro: António Ferreira
Produção: Brasil, Portugal
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Após ser desepejado de sua casa, o cozinheiro Lucas acaba em um barraco de madeira. Nisso, conhece a candidata à presidência América, e desenvolve uma paixão obsessiva por ela.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,0

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