Primeiramente, “A Casa é Escura” ou “خانه سیاه است” aborda uma das temáticas mais universais na arte: a estética. Muitas vezes, o conceito de estética é influenciado pelo consenso popular, limitando-se a análises genéricas da beleza que seguem padrões europeus ou representações consideradas ‘angelicais’, deixando de lado outros parâmetros de representações plásticas, especialmente aqueles que não se encaixam nessa harmonia clássica da arte.
Sob a direção de Forugh Farrokhzad, uma das figuras mais influentes da história do Irã, sua contribuição foi de suma importância para os movimentos feministas no Oriente, principalmente por meio de sua expressão poética. Lamentavelmente, devido à sua prematura partida, ela teve a oportunidade de participar apenas de duas obras cinematográficas notáveis: “A Casa é Escura” e “O Fogo”. Na obra no qual escrevo, Forugh imerge em uma colônia de leprosos em seu país, buscando extrair novas formas imagéticas através do contato direto com o meio de registro, ou seja, a câmera. Através de uma narrativa textual inspirada no Antigo Testamento, o filme apresenta imagens em preto e branco que continuam a ser inovadoras em nossa consciência, mesmo quando assistido em 2023. Além disso, tais imagens provocam reflexões profundas sobre quais os propósitos daquele diálogo entre a diretora, os indivíduos em frente a câmera e a presença da câmera.
De maneira prolongada, a câmera percorre esse ambiente como uma máquina fotográfica, captando os rostos que se revelam na presença da lente. Notavelmente, essa colônia se desdobra em diferentes locais internos, incluindo espaços religiosos, uma escola, um centro médico e as ruas. Quando os personagens estão ao ar livre, há uma sensação ampla de liberdade, como se as feridas e cicatrizes em seus rostos permitissem uma comunicação mais profunda com o mundo. Os rostos e corpos que poderiam ser vulneráveis diante da objetificação da câmera e da edição, desta vez, sob a direção da cineasta, abrem espaço para novas interpretações da beleza presente no mundo. O choque inicial ocorre para aqueles de nós que não estão familiarizados com essas pessoas ou seu universo, mas, à medida que nos desprendemos de nossas próprias noções de beleza, passamos a perceber um mundo harmonioso, onde as pessoas se amam, brincam e sorriem juntas.
Apesar de o curta-metragem terminar com uma nota pessimista, com as portas se fechando e o olhar da diretora se afastando, como se ela estivesse impotente naquele momento, a maior parte dessa obra singular, na qual a diretora deixou sua marca autoral, apresenta uma perspectiva de beleza em meio a uma situação que poderia ser fortemente criticada por expor essas pessoas à sociedade. Ao longo desse material, Forugh Farrokhzad revela novas facetas de beleza em um contexto que, à primeira vista, poderia ser visto como desfavorável para esses habitantes. Contudo, à medida que exploramos mais profundamente, percebemos que essas pessoas enfrentam desafios que não são tão distintos dos nossos. Isso nos leva a questionar por que elas são segregadas em uma região chamada de colônia, em um contexto desfavorável para suas condições? O cinema tem o poder de denunciar, e, conhecendo um pouco da direção de Forugh Farrokhzad, fica evidente que ela desejava trazer essa realidade ao mundo, desafiando preconceitos e estereótipos e mostrando que, mesmo em meio às adversidades, esses habitantes têm suas próprias histórias e beleza a compartilhar com todos nós.
Além disso, o curta-metragem apresenta uma interação notável entre o texto e as imagens. O texto que ouvimos é retirado do Antigo Testamento, e fica a questão se os narradores estão se referindo ao seu próprio destino final ou a própria humanidade, que estava mais preocupada com o primeiro homem no espaço.
Filme: خانه سیاه است (A Casa é Escura) Elenco: Ebrahim Golestan, Forugh Farrokhzad e Hossein Mansouri Direção: Forugh Farrokhzad Roteiro: Forugh Farrokhzad Produção: Irã Ano: 1963 Gênero: Documentário Experimental, Curta-Metragem Sinopse: A vida dos internos de uma colônia de leprosos situada no norte do Irã. Classificação: 12 anos Distribuidor: Não informado Streaming: Filmicca Nota: 9,0 |