CRÍTICA – A FLOR DO BURITI

CRÍTICA – A FLOR DO BURITI

Lendo alguns textos no Letterboxd sobre A Flor do Buriti percebi que muitas pessoas fizeram comentários sobre este filme sempre se pautando pelas experiências que tiveram com o primeiro longa da dupla de diretores, Renée Nader Messora e João Salaviza, Chuva e Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018). Como eu não o assisti, esta crítica terá apenas as impressões sobre A Flor do Buriti sem nenhum tipo de comparação ou relação com o filme anterior dirigido por Messora e Salaviza.

Com o pensamento de assistir a muitos filmes brasileiros, sobretudo os lançados em 2024 através das cabines de imprensa, A Flor do Buriti apareceu e de imediato me interessei. Meu interesse ficou ainda maior quando no release que recebi constava, entre os vários prêmios, o prêmio de Melhor Elenco no Un Certain Regard do Festival de Cannes. E que elenco!!!

A Flor do Buriti retrata a vida dos Krahô, povo indígena que vive no norte do Tocantins. O filme é contado pelos próprios indígenas, mas não de uma maneira distante. Em uma mistura de ficcional com a realidade, onde o presente, em determinado momento, se fragmenta para contar o passado, passamos a ter uma noção das dificuldades que aquele povo já teve de passar.

É interessante notar a naturalidade de tudo o que está sendo apresentado para espectador. Vemos indígenas falando sua língua nativa, acompanhamos seus costumes e rituais bem como conhecemos suas crenças. E tudo isso não nos soa distante, pois acredito que de certa forma nos reconhecemos ali na tela, seja pelas nossas ancestralidades ou até mesmo por compartilharmos do mesmo espaço geográfico, esse país continental chamado Brasil.

Patpro é uma das personagens centrais do filme. Ela é quem faz a ligação entre seu povo e o que está do lado de fora. É através dela, usando um celular, que vemos a Sônia Guajajara – hoje Ministra dos Povos Indígenas do Brasil –, em uma audiência no senado pela Comissão dos Direitos Humanos em 2019, falando sobre a importância da terra para seu povo. É por esse espelhamento, ao ver uma igual, que ela, Patpro, começa a se interessar em fazer algo a mais, nem que seja apenas para se juntar às outras centenas de vozes em Brasília em uma manifestação pela vida dos povos originários.

É através dessa personagem que determinadas reflexões e afirmações são passadas ao público. Quando ela diz para sua filha Jotat que o pai dela virou caçador de supermercado, há ali duas informações: a primeira é que os ditos civilizados poluem os rios, acabam com o habitat dos animais que por sua vez fogem, não restando aos Krahô outra alternativa. Mas também a própria história desse povo mostra uma convivência com aqueles que moram nas cidades, não a toa falam bem o português. Em um outro momento, na cidade, conversando com sua amiga Deby, ela demonstra uma preocupação quando diz que as mulheres precisam ter filhos para que seu povo não acabe.

Um outro olhar que temos em A Flor do Buriti é a da pequena Jotat, filha de Patpro. Se ao acompanharmos as idas e vindas de Patpro o filme se relaciona muito mais com um documental, vemos o oposto ao conhecermos Jotat. Ela ainda é uma criança absorvendo tudo ao redor, mas recai sobre ela uma preocupação por ser introspectiva demais, para alguns até, de certo modo, triste. Essa preocupação leva a Patpro pedir ajuda a seu tio Hyjnõ e, a partir daí, entramos um pouco nas crenças e nos costumes do povo Krahô.

Hyjnõ se constrói como sendo a representação da sabedoria daquele povo, bem como a coragem por defender os seus. É a ele que Patpro recorre quando necessita de ajuda com sua filha Jotat e é ele quem faz a defesa do território fiscalizando quem entra e quem sai e impedindo o tráfico de animais pelos homens brancos.

Um ponto importante a salientar aqui é a ideia de perigo que ronda aquele povo. O medo não chegar a assumir um rosto. Mas está para além do que se pode enxergar através daquela mata. A história que em certo momento volta no tempo para 1940, nos mostra um atentado contra aquele povo praticado por fazendeiros que pouco a pouco iam avançando suas terras provenientes de grilagem. Há um outro momento, durante a ditadura militar, em que uma força indígena é instituída, levando os homens da aldeia para a fronteira de suas terras, deixando muitas mulheres sozinhas e com medo de invasões por parte dos fazendeiros e seus capatazes. O medo é constantemente colocado desta forma. Sempre através de alguém de fora, um homem branco invasor.

Algo muito presente durante todo o longa é o trabalho sonoro e sobre esse aspecto destaco a importância dada ao som da natureza, o que faz com que a imersão seja ainda mais profunda, bem como os cânticos daquele povo. Ao fundo é sempre possível ouvir alguém cantando e essas duas melodias se fundem como se fossem algo único, acabando por servir de uma identidade sonora para eles.

A Flor do Buriti é uma aula de história mesmo sem querer ser. Abre uma janela para que tenhamos a oportunidade de ver a luta daquele povo. Constrói pontes para que a humanidade prevaleça e que os Krahô, enfim, estejam seguros para viver em paz em suas terras. Ao fim uma mensagem de esperança, mas também de luta: o nascimento de mais um guerreiro.


Filme: A Flor do Buriti
Elenco: Francisco Hyjno Kraho, Ilda Patpro Kraho, Luzia Cruwakwyj Kraho, Solane Tehtikwyj Kraho, Raene Kôtô Krahô, Debora Sodre
Direção: João Salaviza, Renée Nader Messora
Roteiro:João Salaviza, Renée Nader Messora, Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô, Henrique Ihjãc  Krahô
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um violento massacre, perpetrado pelos fazendeiros da região. Em 1969, durante a Ditadura Militar, o Estado Brasileiro incita muitos dos sobreviventes a integrarem uma unidade militar. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô seguem caminhando sobre sua terra sangrada, reinventando diariamente as infinitas formas de resistência.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Embaúba Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 9,0

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