A Lenda de Ochi (2025), dirigido por Isaiah Saxon, leva o espectador para uma vila em uma ilha remota. O povo local teme uma criatura mágica chamada Ochi. Yuri (Helena Zengel) é filha de Maxim (Willem Dafoe), que dedica sua vida a caçar essas criaturas. Certo dia, a garota descobre um bebê Ochi ferido, e parte em uma aventura para devolvê-lo ao seu habitat natural.
Os visuais de A Lenda de Ochi (2025)
Isaiah Saxon é uma pessoa que, sem dúvida, possui uma forte paixão por visuais lúdicos e encantadores – reforçado pelo resto da filmografia dele que, mesmo composta por curtas, evidencia um apelo grande nesta questão. A Lenda de Ochi (2025) é um longa repleto de apreço imagético. A começar pela proporção de tela, com uma área vertical maior, que permite o espaço necessário para que as belas paisagens da Romênia tomem conta do quadro. As altas árvores das florestas romenas se encaixam dentro do plano por inteiro, como o perfeito encaixe de um livro em uma estante. A imponência das montanhas ao fundo do cenário rouba nosso ar tal qual um soco na boca do estômago. Um filme que, dentro da lógica fotográfica, sabe como extrair beleza de seus espaços.
A proposta de filmar in loco na Romênia é, por si só, um atestado disso. Uma câmera que filma de modo com que permita que a belíssima locação engrandeça dentro da lente. Ainda, Saxon tem um senso muito bom para posicionamento espacial, sabendo bem como alocar os atores dentro do quadro para paralelamente captar bem esse cenário, e conseguir compor uma imagem interessante a partir do amálgama dos corpos com o ambiente. Quando a paisagem por si só não é suficiente, A Lenda de Ochi (2025) recorre para matte paintings – pinturas de cenários distantes usadas para criar ilusão espacial. Obviamente não é uma regra; entretanto, a substituição do físico pelo efeito digital – sobretudo em artefatos do cenário – por vezes faz com que o filme perca sua conexão com nossa realidade material e descarrilhe em situações onde o CGI parece não ter peso ou consequência, sendo algo desconexo do mundo diegético.
Criaturas reais
Não é apenas no cenário que Saxon dá preferência ao material; é algo que reflete até mesmo nas criaturas do longa. Diferente do que você talvez pense, leitor, infelizmente não foi possível contratar um monstro de verdade para atuar no filme – fontes sigilosas me contaram que todos os monstros para os quais Saxon ligou estavam ocupados na data. Como consequência disso, e com uma lógica de manter a materialidade do filme, o longa recorre a fantoches animatrónicos. Os animatrônicos nada mais são do que um dispositivo, quase um robô – exceto que não tem inteligência (felizmente! Já imaginou um monstro robô?) –, que reproduz movimentos de seres vivos. Ou seja, um boneco realista que se move.
Os Ochis, como são chamados no filme, são uma espécie de mistura entre símios e, talvez, goblins. Uma criatura mágica e fantástica, mas que, com exceção da sua pelagem azul na face, não é nada tão distante do nosso mundo. O bebê, então, é quase uma espécie de lêmure no que tange sua forma física. Dessa maneira, sua presença dentro do quadro não oferece um estranhamento tão forte à primeira vista. Não é como se estivéssemos vendo um alienígena ou um monstro direto de um pesadelo; está mais para uma criatura terráquea há muito tempo esquecida nos confins do planeta. Assim sendo, imbuir um animatrônico dessa pelagem macaco-goblin-lêmure-duende (?) traz uma fluidez e uma naturalidade ainda maior. Um recurso que permite uma crença, mesmo que momentânea, na realidade material daquele mundo. Durante os 80 minutos do longa, o Ochi não existe só na diegese, ele existe de verdade!
Atuando com efeitos práticos
Há algo de profundamente verdadeiro quando um ator se depara, de fato, com uma criatura com materialidade física (ou qualquer outro elemento prático) bem ali, diante de seus olhos. A reação é carne e osso – um susto que vibra nas pupilas, um toque que escorre pela pele. A interação decorrente disso é algo muito orgânico. O digital, por mais versátil que seja, exige imaginação. O ator não tem que reagir ao monstro, mas à uma bola de tênis pendurada num palito verde. Mesmo que inconscientemente, é uma diferença que pode ser sentida pelo público.
O digital pode simular tudo – mundos inteiros, monstros, desastres, deuses –, mas não entrega a textura do real; não oferece a aspereza do látex contra a pele, o tremor do chão após uma detonação. Os efeitos práticos, por outro lado, colocam peso no quadro. Artifícios que pertencem à cena desde o primeiro “ação!”. E, por estarem lá, respirando o mesmo ar que os atores, amarram o filme à realidade, mesmo que fantástica. Ajudam a manter a continuidade física do espaço fílmico – essa coisa frágil e preciosa que o CGI, às vezes, dissolve feito fumaça.
Olhe bem, não quero fazer um texto-manifesto contra o uso do CGI e a favor dos efeitos práticos. Pelo amor de Deus, que eu não esteja soando como um velho reacionário que brande o punho no ar e berra aos ventos “no meu tempo era melhor!”. Os efeitos digitais têm sim suas vantagens, e têm também os momentos onde se encaixam melhor do que algo prático. Não estou pontuando-os apenas pois estamos tratando de A Lenda de Ochi (2025), que é um longa focado no prático. Por mais que o parágrafo anterior pareça uma carta romântica ao passado cinematográfico dos efeitos especiais, ele está aqui apenas para salientar algo inegável: o físico tem tato. E, sendo sincero, também porque eu gosto deles, rs.
A Lenda de Ochi (2025) e o mundo real
Voltando ao filme, é perceptível que o longa parte de um princípio que vai na contra-mão à digitalização do cinema. A gravação in loco, as pinturas de fundo, os animatrônicos, o uso da lente – que foi fabricada na década de 1930 e escolhida para prover mais textura para a imagem –, etc., são escolhas técnicas que não parecem mero fetiche, mas corroboram para um aspecto que comentei alguns parágrafos acima: a inserção do Ochi dentro do mundo material.
A Lenda de Ochi (2025) tem sua trama focada na interação entre Yuri e as criaturas; ou, melhor, uma criatura específica, o filhote. Todos os caminhos que o filme percorre e todas as atitudes que os personagens tomam surgem como consequência desse vínculo. A naturalização do Ochi e a materialização dele no mundo físico através do animatrônico trazem para essa relação uma naturalidade e uma espontaneidade muito maior. Como consequência, o vínculo entre o bebê e a protagonista se fortalece ainda mais, pois a forma como ele é desenvolvido é transportada para o mundo do espectador e o leva a crer com mais força na intensidade daquilo. Existe uma certa magia na construção dos elementos daquele universo que é honestamente encantadora.
Entretanto, parece que Saxon tem tanta fé nos artifícios práticos que falta empenho conteudista na dramatização desse relacionamento. No fim, fica algo até um pouco tecnicista; quase um showcase de técnicas. Como se apenas a materialização daquele mundo fosse suficiente para carregar todo o drama da jornada da protagonista. Em certos momentos parece dar mais enfoque em outros personagens (que não estão fisicamente juntos da protagonista) do que em Yuri e o bebê Ochi, trazendo assim tramas paralelas que até são interessantes, mas que proporcionalmente ocupam muito tempo se comparadas com o núcleo principal.
Dramaticidade relacional
Desse modo, se o cerne da narrativa é a relação entre Yuri e a pequena criatura, e o vínculo entre eles é dramaticamente fraco, não resta muito ao filme. Parece que a única coisa que acontece entre os dois é serem parceiros de trilha enquanto percorrem a floresta de um destino ao outro. Enquanto isso, o mundo se desenrola ao seu redor. Durante esse fragmento do filme – que ocupa a maior parte entre o início e o finalzinho –, os maiores desenvolvimentos são nos personagens secundários.
Segue assim até os minutos finais, onde todos os núcleos culminam em um mesmo lugar. Mesmo que o desfecho seja um momento bonito (literalmente e figurativamente), o clímax que o antecede é um negócio meio abrupto. Os acontecimentos que fazem com que todos os personagens cheguem no mesmo ponto são meio repentinos e decorrem em um ritmo mais acelerado do que o resto, causando um certo estranhamento.
Não é como se o filme todo fosse arruinado por isso. Os artifícios formais de A Lenda de Ochi (2025) são bem fortes e por si só já fornecem o interesse necessário para manter o espectador entretido. O mundo é encantador, e o visual daquilo tudo é lúdico e mágico. O antagonista é divertido, e Dafoe está incrível como sempre. Apenas poderia ser mais forte se soubesse conciliar melhor a forma e o conteúdo, sem usar os aspectos técnicos de muleta. Afinal, é um filme que anda mancando, mas ainda anda.
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Filme: A Lenda de Ochi Elenco: Helena Zengel, Finn Wolfhard, Emily Watson, Willem Dafoe, Razvan Stoica, Carol Bors Direção: Isaiah Saxon Roteiro: Isaiah Saxon Produção: EUA, Finlândia Ano: 2025 Gênero: Aventura, Fantasia Sinopse: A garota Yuri parte em uma jornada após encontrar um filhote ferido de Ochi, uma espécie mágica de criaturas que habita sua ilha. Classificação: 12 anos Distribuidor: Paris Filmes Streaming: Não disponível Nota: 7,0 |