A Matriarca é um belo filme de drama que acompanha a vida de duas personagens marcadas pelo trauma da morte: Ruth, uma senhora que quando jovem fotografou os horrores das guerras, e Sam, um adolescente que recentemente assistiu a morte lenta de sua mãe pelas complicações de uma doença. Os dois lidam com a vida de formas semelhantes, se afastando dos outros para não demonstrar seus sentimentos e, também, são muito teimosos quanto as suas convicções podendo causar violências e destruições para demonstrar seu poder e valor em uma discussão. Essas semelhanças são interessantes de se analisar, já que se trata de um neto e uma avó que não tinham convivido intimamente até aquele momento. Assim, a história acompanha o dia a dia dos dois durante o curto período em que a avó Ruth morou na casa de Sam e seu pai, Robert.
O diretor e roteirista Matthew Saville, em seu primeiro longa-metragem, cria essa história baseada em memórias suas sobre sua avó, dessa forma criando um filme até certo ponto autobiográfico. Sobre isso, ele diz: “Semelhante à personagem de Sam, minha avó se mudou para a casa da minha família quando eu tinha 17 anos. Ela quebrou a perna e dominou a casa, bebendo uma garrafa de gim por dia. Eu não a conhecia até aquele momento. Ela tinha uma personalidade forte e foi uma experiência única – mas eu estive ao seu lado até ela morrer.”¹ Sendo assim, o cineasta tem um cuidado ao retratar essa história, escolhendo planos belos e escrevendo diálogos muito bonitos também.
Uma cena que sinto ter um poder visual e emotivo grande é quando Sam tenta suicídio e a égua, Grace, que era de sua mãe aparece. Visualmente tem um impacto muito grande por ser um animal de pelo todo branco o que chama atenção em meio a paisagem de tons frios e narrativamente representa a mãe de Sam, o que carrega um peso emocional. Porém, não senti o impacto que essa cena poderia causar, pois foi feita uma escolha de decupagem por uma montagem paralela entre a tentativa de suicídio de Sam e os esforços de Ruth em alcançar a garrafa de gim mesmo sem conseguir mover as pernas. Desse modo, uma cena que necessitava uma atenção e foco maior por retratar um momento intimista em que cada pequeno movimento diz muito acaba sendo apagada ao ser colocada lado a lado com uma cena de movimentos e expressões fortes carregada pela experiência dramática de uma atriz veterana como Charlotte Rampling.
Essa é a maior dificuldade do filme, colocar lado a lado uma atriz de enorme experiência, Charlotte Rampling, interpretando uma personagem expansiva que rouba a cena mesmo quando não diz nada com um ator menos experiente, George Ferrier, em um papel que sua força está nos pequenos detalhes da personagem. Por isso, um filme que precisava gerar uma conexão entre a audiência e o protagonista, Sam, para nos emocionarmos com a história que ele vive, acaba não conseguindo.
Sam fica responsável de cuidar de sua avó quando o pai precisa viajar de última hora. Inicialmente, a relação não tinha chance alguma de existir, já que Sam se esforçava ao máximo para se distanciar de Ruth e em alguns momentos de forma verbalmente agressiva. Os motivos por trás dessa raiva vêm da vontade de se proteger e não se aproximar de uma pessoa de saúde debilitada que pode vir a falecer como aconteceu com sua mãe. Essa morte recente causa muitas dores em Sam que não sabendo lidar até considera suicídio. Pensando nisso, poderíamos nos compadecer e aproximar da personagem por conta de seus sofrimentos comuns a todos nós, porém isso não acontece. Mesmo que eu considere favorável que a direção não tenha seguido por um caminho de clichês melodramáticos explorando a tristeza de forma exagerada, acredito que o filme acaba tentando demasiadamente fugir do expressionismo melodramático e por isso acabou se tornando frio demais. Aqui as escolhas de plano parecem objetivas, construindo fotografias lindíssimas, mas que raramente conseguem transmitir o sentimento da história. Com isso, não sinto nenhuma proximidade com Sam e, consequentemente, não me emociono com nenhuma das situações de grande peso dramático do filme. O que o filme precisava não eram os clichês melodramáticos, mas uma direção sensível e subjetiva na hora de filmar suas personagens que nos conectasse as suas dores, pois um texto e falas bonitas não são suficientes para comover o público.
Existe apenas uma sequência no filme que consegue carregar a subjetividade que gostaria que estivesse presente ao longo de toda a história, é quando Sam volta às aulas. A câmera parece o seguir de forma mais intimista, não mais fazendo escolhas por planos objetivos e belos, mas por enquadramentos que transmitam a sensação de raiva, culpa, tristeza e confusão que a personagem vive naquele momento. Isso somado a uma música que em sua letra e instrumental sucinta a rebeldia depressiva dos jovens dos anos 90 que, assim como Sam, se sentiam perdidos, cansados, tristes e raivosos com o mundo e sua posição nele. Essa sequência seguida da visita à avó no hospital e Sam a levando de volta para casa, escolhendo passar por toda a dor e intensidade de ver um parente querido falecer carrega um significado lindíssimo para o filme e é um ótimo encerramento para a história. Já que vimos Sam tentar fugir desses sentimentos e não saber como processá-los durante toda a narrativa. Eu apenas desejava que essa capacidade de transmitir as emoções fosse mais presente ao longo do filme para nos conectarmos mais com Sam e suas dores.
Outra crítica negativa ao filme é a rapidez com que Sam e Ruth se aproximam, não por uma falta de naturalidade, mas por uma falta quantitativa de cenas que nos causasse a sensação de estarmos também nos aproximando dessas personagens. Pela pouca duração desse processo de aproximação, sinto que estava apenas observando de longe a história, em vez de vivenciá-la. Dessa forma, quando Ruth passa mal e precisa ser internada, entendemos que ela irá morrer, mas, novamente, não nos emocionamos tanto. Se tivéssemos acompanhado a amizade dos dois se desenrolar com mais cenas, teríamos uma lembrança mais forte da relação e iríamos desejar com mais afinco que aquela união não acabasse. O que nos faria sofrer mais por sua morte. Isso para mim é mais um sintoma dessa tentativa do filme de não cair em clichês melodramáticos e no fim nos entregar um filme seco e frio.
Com isso, concluo que é um filme de fotografia muito bela, que tem um cuidado e carinho por suas personagens, uma atuação maravilhosa de Charlotte Rampling, mas que não consegue emocionar mesmo tendo personagens com histórias emocionantes. É um filme dirigido de uma maneira parecida com o agir de suas personagens, se protegendo e fugindo dos seus sentimentos mais profundos. Por isso, considero A Matriarca um filme mediano em meio aos outros de seu gênero. Matthew Saville ainda tem muito o que aprimorar em sua habilidade como realizador cinematográfico e ficarei feliz de poder acompanhar sua jornada de crescimento. O filme estreia nos cinemas brasileiros no dia 28 de março.
1 – Tradução feita por mim, versão original do comentário de Saville: “Much like the character of Sam in my film, my grandma moved into our family home when I was 17. She broke her leg and dominated the house, drinking a bottle of gin a day. I didn’t really know her at the time. She was a real character, and it was a crazy experience – but I was there with her until she died.” Fonte: pressbook enviado a imprensa.
Filme: Juniper (A Matriarca). Elenco: Charlotte Rampling, Marton Csokas e George Ferrier. Direção: Matthew J. Saville. Roteiro: Matthew J. Saville. Produção: Nova Zelândia. Ano: 2021. Gênero: Drama. Sinopse: Quando um adolescente autodestrutivo é suspenso da escola e solicitado a cuidar de sua avó alcoólatra como castigo, seu tempo juntos muda sua vida. Classificação: 16 anos. Distribuidor: Pandora Filmes. Streaming: Indisponível. Nota: 4,0 |