CRÍTICA – A MORTE DO DEMÔNIO: A ASCENSÃO

CRÍTICA – A MORTE DO DEMÔNIO: A ASCENSÃO

A trilogia A Morte do Demônio/Uma Noite Alucinante é um dos grandes e raros marcos da história do terror que pouco foram mexidos ao longo dos anos. A iconografia da saga esteve diretamente interligada as condições autorais de seu criador. Em comparativo com outras sagas de terror, é sintomático que Evil Dead tenha tão poucas continuações e derivados. Apesar de não se propor a dirigir novos filmes, Sam Raimi, fiscalizou como produtor todas as três obras envolvidas com o nome da sua criação – a série Ash vs. Evil Dead, o remake/soft reboot de 2013 e este novo capitulo que se passa no mesmo universo de 2023 – e possivelmente só deu sinal verde para elas porque sabia que preservariam sua identidade característica, ainda que sobre contextos diferentes.

Inclusive, o caso do remake de 2013 e este novo se assemelham bastante. Ambas se propunham a trazer uma proposta mais realista e “aterrorizante” da premissa do original. Embora ame o primeiro e o coloque entre meus filmes favoritos (não só de terror) da vida, não nego que ele tem suas barreiras linguísticas e técnicas para envolver novas gerações admiradoras do gênero – o que mais se vê por aí é gente classificando-o como “tosco/trash” demais. Enquanto o remake de 2013 executa essa proposta mais sóbria surfando na última onda dos “slashers tardios” (leia-se: remakes de clássicos de terror mais focados na violência realista), A Morte do Demônio: A Ascenção carrega a via mais alegórica e psicológica dos terrores modernos.

Além de migrar o cenário de uma cabana na floresta para um prédio semiabandonado no meio da cidade, o novo filme traz uma tipificação diferente de personagens a serem envolvidos no horror. Em vez de adolescentes quase adultos, as vítimas da vez são uma família, composta por duas irmãs e três crianças, filho (as) de uma das irmãs. O intuito dessa mudança é obvio: a narrativa quer que criemos um vínculo afetivo emocional com seus dramas, para que nos importemos e torcemos por eles conforme os desdobramentos sanguinolentos. Pode parecer algo básico para qualquer filme de terror, mas acaba sendo uma ideia bem agregadora dentro da saga que nunca precisou se preocupar com isso, sendo mais comprometida na entrega de um bom e divertido exercício de gênero.

Compromisso esse que também é prioridade aqui, o que, em parte, impede o efeito desejado desse maior desenvolvimento nos personagens. O problema começa quando se gasta pouco tempo introdutório para suas dramáticas. No máximo temos as informações de que Ellie (Alyssa Sutherland) foi recentemente abandonada pelo marido para cuidar sozinha dos filhos e que Beth (Lily Sullivan) está gravida de alguém desconhecido. A intenção é justamente desenvolver essa ligação com a responsabilidade maternal e alegoricamente o medo de não dar conta dela durante a ação. Entendo e até prefiro essa escolha, mas, infelizmente, na prática, essa construção não só continua na superfície da introdução, como as tentativas de desenvolvê-la um pouco mais a fundo interrompe ritmicamente o compasso de urgência no terror.

Por consequência, ao não conseguir aprofundar o debate temático, o filme não consegue alavancar a relevância e/ou impacto dele nos personagens, em especial na parte do trauma que as crianças estariam passando. A parte boa é que o gore não chega a ser cessado ou diminuída em nível de escatologia por conta da presença dos menores de idades. Tanto que o grafismo e violência das cenas com elas envolvidas, por si só, são plenamente suficientes para dar a intensidade presumida pela modernização da história. Quando o filme entende o poder das imagens e no que há de melhor na iconografia da franquia, ignorando seus propósitos “pé no chão”, ele ganha consideravelmente em carisma.

O que é uma pena, porque o diretor Lee Cronin apresenta recursos e ideias originais para implementar nessa iconografia em que claramente é admirador – a forma como consegue simular direitinho os enquadramentos e manipulações imagéticas de Raimi é digna de elogios –, no entanto, ele encontra dificuldades em adaptá-la para o novo contexto cenográfico que propõem. O grande charme dos filmes do Raimi era construir a narrativa puramente guiada pela interatividade da mise-en-scène com Ash (Bruce Campbell). A cabana e floresta eram ativos na criação criativa das situações de horror que iam surgindo de maneira natural com a estilização que potencializava o fator entretenimento das cenas. Falta ao diretor confiar na sua mise-en-scène e ter esse senso de interatividade da entidade e personagens com as possibilidades apresentadas pelo apartamento e corredores do prédio.

Quer dizer, até existe essa interação, mas sem um encaixe orgânico exatamente. No momento em que o filme pausa para promover diálogos, por exemplo, parece que o roteiro convenientemente posiciona os personagens no local em que próxima ação deve acontecer, tornando-a meio previsível de como ocorrerá. Essa previsibilidade tira um pouco da imersão do telespectador no sequenciamento da atmosfera de tensão. Cito como exemplo também, a tentativa recriação de emblemáticas sequências da trilogia original. Fica tão evidente que se tratam de referências ao serem visualmente empurradas num contexto que não lhe pertence, que elas se tornas pouco verossímeis de estarem ali, prejudicando a credibilidade da condição de seriedade imposta pelo tom.

É um problema semelhante ao visto no remake de 2013, onde temos resistência para comprar a origem dos acontecimentos pela burrice de um dos personagens de insistir em ler as passagens do livro demoníaco (porquê, claro, parecia uma boa ideia) enquanto os demais insistem em acreditar que os eventos não passavam de algo fruto da dependência química da protagonista. A Morte do Demônio: A Ascenção não chega a ter esse nível de insistência em atitudes irracionais dos personagens, mas, fato é, que eles também demoram em aceitarem a realidade de sobrevivência, o que posterga nosso engate real com eles na narrativa. Em compensação, assim como no filme de 2013, o problema é muito bem contornado na segunda metade, em especial, no empolgante terceiro ato, quando o filme deixa de se levar tão a sério e abraça o absurdo meio cômico característico da franquia, terminando-o em nota positiva com o seu propósito de revitalização.


Filme: Evil Dead Rise (A Morte do Demônio: A Ascensão)
Elenco: Mirabai Pease, Richard Crouchley, Anna-Maree Thomas, Lily Sullivan, Noah Paul, Alyssa Sutherland, Gabrielle Echols,  Morgan Davies, Nell Fisher, Billy Reynolds-McCarthy, Tai Wano, Jayden Daniels, Mark Mitchinson
Direção: Lee Cronin
Roteiro: Lee Cronin
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Terror
Sinopse: Duas irmãs afastadas têm sua pequena reunião familiar atrapalhada pelas forças demoníacas que possuem todos ao seu redor, levando-as à uma batalha primitiva pela sobrevivência.
Classificação: 18 anos
Distribuição: Warner Bros.
Streaming: Indisponível
Nota: 6,5

 

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *