A escolha foi simples: uma imagem grotesca e bem gore na capa do serviço de streaming. O nome nada atrativo, afinal, poderia ter deixado com seu título original em inglês: The Void. A Seita Maligna gera uma sensação extremamente mediana para medíocre de filme de terror, mas gera certas surpresas e existem diversos elementos que merecem seus elogios e reconhecimentos, mas cai nas mesmas exatas armadilhas de outros filmes que buscam trabalhar no subgênero de terror denominado como horror cósmico.
Estamos diante de um clássico: personagens presos em um determinado espaço com uma ameaça externa que os impede de escaparem do refúgio. Mas, não estamos diante do problema da horda que busca adentrar no local, pois a ameaça verdadeira está no hospital (em que a narrativa é inteiramente ambientada) base de onde o estranho culto realizava seus experimentos. Sua abertura não segura as pontas, já se iniciando com uma cena de dois personagens caçando um casal em uma determinada casa, incendiando a mulher e a figura masculina conseguindo escapar momentaneamente. Nosso protagonista, Daniel Carter (Aaron Poole), xerife da cidade, encontra o homem fugitivo quase inconsciente e machucado. Leva-o para o hospital e daí as coisas já escalonam rapidamente. Isso já é um mérito para a narrativa que não toma pausas desnecessárias, com segmento atrás de segmento ousando impressionar com ritmo cadenciado e violência exagerada.
Nosso elenco conta com muitos rostos pouco familiares com exceção da personagem do Dr. Richard Powell (Kenneth Welsh), que entrega a melhor atuação do filme. Outros nomes são: Ellen Wong, Kathleen Monroe, Art Hindle, Amy Groening. Suas atuações beiram ao genérico e em determinados momentos são caricatas e pouco naturais (somadas aos diálogos pouco realistas e interações que beiram ao estranhamento pela pouca reação aos absurdos que são testemunhados) quebrando a imersão narrativa e beirando aos filmes trash de baixa qualidade e entretenimento. Não marcam e deixam poucas impressões, restando aos outros quesitos a salvação do filme – se dependesse exclusivamente dos atores já estava condenado.
O maior ponto positivo da produção são seus efeitos práticos auxiliados, em poucos momentos, pelo uso de CGI; as maquiagens e as monstruosidades, que corrompem os corpos de suas vítimas pelas experimentações do cientista louco, são grotescas, assustadoras e perturbadoras, havendo cenas em que a insanidade visual deixa qualquer um boquiaberto pela beleza horrorosamente bem-feita. Desde a primeira manifestação monstruosa é louvável o trabalho, sendo o ponto positivo de melhor qualidade na produção, criando figuras que conseguem transpor os limites da humanidade visual. O filme não diminui em seu impacto, pois a partir dessa primeira criatura, todas as posteriores ousam escalonar seja em quantidade ou seja em bizarrice de suas corrupções e distorções corporais.
Para quem possui sensibilidade com esse tipo de obra visual, fica o alerta de que o filme perdoa muito pouco não censurando quase nenhuma violência, expondo-a mesmo que por poucos segundos e, como estamos em uma obra de horror cósmico, haverá muitos tentáculos de diversas maneiras. Nem mesmo uma personagem grávida está a salvo nesse filme, testemunhando um momento que se manterá em minha memória para recomendação quando alguém perguntar sobre cenas perturbadoras do cinema.
O problema – somado às atuações que beiram ao caricato – é essa repetição que os filmes de horror cósmico adentram de que a solução para a questão do medo do desconhecido, daquilo que não é nada familiar a nós seres humanos, o medo do que está além da compreensão, aquilo que é indescritível, acaba caindo no uso do gore e da violência visual perturbadora. São poucos os exemplos de filmes que conseguem construir verdadeiramente um ambiente de paranoia, loucura e insanidade que permeiam as descobertas dos protagonistas nos contos de H. P. Lovecraft ou, até mesmo, em O Rei de Amarelo (1895) de Robert W. Chambers.
A loucura que prevalece na mente daqueles que começam a investigar e ter contato com essas forças além da compreensão tem inúmeros exemplos que vão pelo caminho da violência, de efeitos práticos insanos e muito bem-feitos, porém sacrificam a ambientação, a aura, o misticismo. Alguns conseguem estruturar isso com extrema qualidade, sabendo equilibrar esses dois caminhos narrativos, podemos citar: O Enigma de Outro Mundo (1982) e À Beira da Loucura (1994), ambos de John Carpenter; Occult (2009), dirigido por Koji Shiraishi; e um dos mais recentes, O Mensageiro do Último Dia (2020), de David Prior. Vários exemplos podem ser agregados aqui de outras obras – em algum momento, por conta do meu carinho especial por esses filmes, mais críticas do gênero com certeza estarão presentes aqui. Meu primeiro texto para o site do Club foi de O Enigma do Horizonte (1997).
Por conta das atuações não tão convincentes é perdido esse impacto da loucura, da paranoia, de espreitar as fronteiras da realidade para descobrir algo muito além da possibilidade de qualquer racionalização. Restam, então, os elogios ao gore muito bem-feito, que visa promover a loucura e a perturbação no próprio público com os segmentos grotescos, causando a noção de paranoia e impacto mental naqueles que testemunharam o filme, pois as personagens seguem dentro de uma “normalidade” como se estivessem combatendo vampiros e lobisomens. Um desafio comum como qualquer outra monstruosidade famosa do folclore e cultura pop.
Sobre a narrativa que envolve esse grande evento cósmico e esse culto a uma determinada entidade alienígena de outra dimensão: é bem rarefeita, com poucas exposições, mas não há uma sustância considerável para sanar as dúvidas e mover a narrativa nas motivações de cada personagem. Todos esses eventos são engatilhados pela figura que parece liderar o culto, o Dr. Richard Powell, o qual tem intenções de utilizar a entidade para se transfigurar em um avatar e transformar a realidade humana por inteiro conseguindo reviver sua filha falecida.
É isso, não há muito além de falas que sempre exaltam o quão bizarras eram as reuniões do culto e a exposição dos resultados dos sacrifícios humanos utilizados para chegar nesse momento de conclusão ritualístico. São muitas homenagens a vários clássicos do terror (incluindo filmes listados previamente) e outros, seja na montagem das cenas, nos diálogos ou na temática que a narrativa ousa explorar, principalmente na era de ouro do body horror do cinema das décadas de 1970 a 1980, tanto das produções estadunidenses quanto nas do cinema de terror italiano.
É interessante o filme ser objetivo e pragmático em seu roteiro, mas as reviravoltas – personagens que pareciam aliados se revelando conspiradores adeptos do culto – e a pouca segurança que o elenco possui (ninguém está a salvo nessa narrativa) são um acerto, pois, em narrativas de horror cósmico, o melhor resultado para os “heróis” é acabar em um sanatório pelo resto de suas vidas. A familiaridade visual da transformação de Richard Powell com a personagem de Vecna, da série Stranger Things (2016-2022), da Netflix, me deixou extremamente incomodado e nada convincente em seu horror visual.
A Seita Maligna – essa tradução é outro incômodo absurdo – é um entretenimento legal para desligar a cabeça em um fim de dia e ver um terror pastelão com narrativa fraca e efeitos especiais com exímia qualidade. Nada que ficará contigo por muito tempo na memória e uma recomendação coringa para aquelas pessoas entusiastas do gênero de terror independente da qualidade do filme que esteja sendo falado. Então, pega a pipoca, liga sua televisão, desliga um pouco o senso crítico e analítico e terá uma experiência interessante para descansar a cabeça antes de um novo dia de trabalho.
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Filme: The Void (A Seita Maligna) Elenco: Aaron Poole, Kathleen Munroe, Art Hindle, Daniel Fathers, Kenneth Welsh, Ellen Wong, Mik Byskov Direção: Jeremy Gillespie, Steven Kostanski Roteiro: Jeremy Gillespie, Steven Kostanski Produção: Estados Unidos. Ano: 2016 Gênero: Drama, Fantasia, Terror Sinopse: Em uma de suas patrulhas de rotina, Daniel Carter encontra um jovem ensopado de sangue e o leva para um hospital rural próximo. No local, ele descobre que figuras encapuzadas mantêm pacientes e funcionários presos. O horror se intensifica cada vez mais e, no subterrâneo do hospital, Carter tenta desesperadamente acabar com esse pesadelo antes que seja tarde. Distribuidor: Wild Bunch Streaming: Prime Video Nota: 6,5 |